Capítulo 1

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E agora chegamos ao momento presente, onde Andreia tenta se reconstruir, fazer os próprios passos longe de todos os abusos psicológicos que sofreu... Mas um encontro inusitado mudará o mundo dela... E o nosso. Preparem os corações, e mudem os conceitos de vocês sobre "amor à primeira vista".

Lembrem-se, mesmo que pareça difícil, nunca deixem de acreditar nesse sentimento.

Abraços de urso,

Danilo Barbosa


1

Eu adoro a vida nos palcos. Trabalhar sob o agito dos técnicos, o ensaio dos atores, o grito exasperado dos diretores pedindo mais dedicação entre uma cena e outra. Quantas vezes fico atrás das coxias, de olhos fechados, admirando as notas límpidas e agudas de uma cantora, a falar sobre amores perdidos e sonhos quebrados? Ou alguém capaz de trazer a emoção necessária ao público, seja através dos risos ou das lágrimas, em uma atuação impecável? Sempre fui atraída por aquela correria que ocorre antes das cortinas se abrirem e depois que elas se fecham. Nana, minha melhor amiga, insistia em dizer, quando fazíamos a faculdade de Artes Cênicas, que eu devia estar na frente dos palcos, e não nas sombras, oculta pelos bastidores. E eu sempre respondia com aquele meu sorriso, silencioso, de quando a gente finge que concorda com alguém para não contrariar. A verdade é que não gosto de aparecer, de me destacar. Sou aquela mulher que passa desapercebida na maioria das vezes, com blusas sem decotes, calças jeans retas, sem brilhos ou detalhes, os olhos cor de mel escondidos pelos óculos, e os cabelos castanhos sempre presos, em um rabo de cavalo para que os fios não caiam sobre o rosto.

— Gosto de ser prática, Nana. Sabe que não gosto das coisas me atrapalhando, principalmente durante a correria das apresentações.

— Você não me engana, Andreia. Precisa parar de se esconder, isso sim! É uma mulher livre agora. Conheça novas pessoas, tenha novos amores. Faça sexo!

Quando ela me diz essas coisas, eu até concordo... Ou finjo. É que não consigo dizer a verdade. Confessar que, mesmo sozinha, ainda sinto que dentro de mim há algo quebrado, defeituoso, que me torna incapaz de me apaixonar por alguém novamente. Naquele momento, o meu único objetivo era o de me reconstruir, aprender a viver sozinha, dar os meus próprios passos. Preciso perder a hesitação e apagar as palavras que meu ex-marido insistia em me dizer todos os dias, como um eco na memória.

Será que não consegue fazer nada direito, Andreia? Sua burra! O que seria de você sem mim?

Uma mulher inteira. Hoje eu sei a resposta, pelo menos na maior parte do tempo. Existem alguns dias que nada está bem, que acordo com algo na garganta me sufocando, querendo me reduzir a cinzas, quebrar novamente aquilo que aos poucos eu reconstruo. Nessas manhãs eu sequer tenho vontade de sair da cama. Me sinto apontada como ridícula, feia e imprestável. Penso que não mereço ser feliz ou amada por alguém. Me sinto um trapo velho e descartável, que as pessoas ao passarem perto olham torto, com nojo. É quando qualquer coisa parece me ferir, e me sinto com medo do mundo.

A terapeuta me ensinou, em nossas sessões, a lidar com esses momentos. Afirmava que a presença do meu ex em mim era como um membro fantasma, que só podia me causar dor se eu assim permitisse, já que ele não estava mais lá, presente.

— Ele não tem mais poder sobre mim. Só eu posso me salvar ou me destruir. Eu sou a responsável pela minha própria felicidade – são frases como essas que eu vivo a repetir nas horas sombrias, como não hesito em chamá-las. Acabam por se tornar um mantra que digo com ênfase, até que volte a respirar, ou que as lágrimas se derramem pela minha face.

Já faz dois anos que comando os meus próprios passos, mas ainda sinto as cordas que me prendiam os braços, pernas e pescoço, as que me tornaram durante anos um fantoche, submissa as vontades e desejos do outro. E isso me apavora. Talvez seja por isso que me esconda, como Nana insiste em dizer. Por medo de que, se decidir correr, esses laços opressores me puxem de volta e joguem meu corpo ao chão. Que se decidir me aventurar no amor novamente, eu caia nas mesmas armadilhas do coração. Mesmo que insistam em me dizer que nem todos os homens são iguais... Eu não sei se sou capaz de sobreviver se for transformada em cacos novamente.

Perfeição  (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora