AQUELE ERA O NOSSO ÚLTIMO JANTAR de ação de graças com o vovô. Não sabíamos que era o último, mas sabíamos que talvez seu coração não agüentasse até o ano seguinte. Depois de jantar, sentamos todos na sala. Meu pai sentou-se em uma das poltronas, minha mãe, em seu colo, meu irmão Jordan, no sofá, ao lado de minhas tias Mary e Grace, tio John decidiu ficar em pé, meus primos Lucius, Kevin e Hannah juntaram-se a mim, sentando no chão e, por fim, meu avô, com sua velha bengala de madeira arranhada, ficou com a última poltrona.
Em meu colo estava o livro, ele tinha a capa meio rasgada e suja, num tom de vermelho escuro e letras douradas. Foi o último pedido de meu avô para mim: que eu lesse seu livro preferido. Eu mesmo fui procurá-lo na biblioteca municipal. Foi difícil encontrá-lo por ser um livro tão velho, mas por sorte, há algumas seções de livros que ninguém lê, ninguém mesmo. A nova bibliotecária até me olhou de um jeito estranho ao me ver cadastrando aquele livro por três semanas. Estou certo de que foi por conta do livro, não pela cor de minha pele, embora eu suspeite que isso também contribuiu com sua estranheza, mas o fato de ela semicerrar os olhos ao ver aquele livro depois de observar suas credenciais no computador e só então olhar para mim, foi o que confirmou que o problema era o livro, não eu.
Pensei em questionar a princípio o porquê daquele livro lhe trazer tamanha estranheza, afinal, segundo meu avô, aquele livro era um best seller quando ele tinha a minha idade. Claro que já fazia quase sessenta anos, mas clássicos são clássicos para sempre, ou não? Mas eu não questionei, apenas a esperei finalizar o cadastro e levei o livro para casa com um pouco de dificuldade. Ou melhor, com muita dificuldade, porque talvez eu fosse um dos únicos da minha turma que ainda não tinha carteira de motorista e precisava andar por aí com uma bicicleta de segunda mão que meu pai me deu de presente quando eu completei quatorze anos. Você já tentou dirigir uma bicicleta sem freio traseiro com apenas uma das mãos enquanto carregava um livro velho na outra durante o frio de novembro em uma rodovia movimentada e cheia de curvas? Eu nunca tive um porte atlético, não era cheio de músculos, na verdade, eu sempre fui magro comparado aos outros garotos, talvez por nunca ter me interessado por outro esporte além de beisebol. E pedalada, esporadicamente. Bem, se eu realmente não fosse um bom ciclista, eu não teria muita chance pedalando daquele jeito na estrada e, no mínimo, sairia com um corte profundo na testa. Mas eu apenas precisava pensar "se não fosse eu, quem mais faria aquilo pelo vovô"? E foi o que eu fiz.
Eu pigarreei antes de começar a leitura, no mesmo instante em que ouvia Lucius sussurrar:
— Cara, que cheiro de mofo! Quem lê livros hoje em dia? É só baixar o PDF!
— Silêncio, Lucius! — Nosso avô o repreendeu. — Deixe Nathaniel começar. — Ele lançou seu olhar para mim, apoiando as duas mãos na bengala. — Vamos Nathaniel, comece a leitura.
O livro era um romance de guerra. Contava a história de uma enfermeira que se apaixonava por um soldado, mas no final, acontecia uma tragédia. O soldado era gravemente ferido, a enfermeira ficava ao lado dele até que ele não resistisse. O final era realmente emocionante. A enfermeira lhe dava um último beijo e ele respondia dizendo que finalmente havia alcançado o paraíso. Não era um livro muito longo, sua escrita era simples, objetiva, diferente daqueles livros redundantes que a Senhorita McConnell costumava nos fazer ler na classe de literatura.
Algumas páginas à frente do meio do livro tinha um envelope laranja. Aquilo me chamou a atenção à princípio, mas eu simplesmente o deixei ali e continuei a leitura. Eu sabia que aquele livro significava muito para o meu avô, então não me deixei distrair. Exceto quando eu percebia algumas letras circuladas de caneta vermelha. Nessas horas eu podia ouvir os suspiros impacientes de Lucius e as mensagens que chegavam no celular de Hannah, fazendo um som de vibração. Mas quando eu olhava para meu avô, ele estava de olhos fechados, como se estivesse viajando no tempo, para a época de sua juventude.

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Com amor, L. (Em Revisão)
Romance"Às vezes somos guiados pelo que dizemos de nós mesmos e com muita frequência pelo que outras pessoas dizem de nós, sem que paremos para refletir e julgar." - Jane Austen Uma história de amizade, respeito às diferenças e autoconhecimento e auto acei...