NA MANHÃ SEGUINTE, ESTAVA EU, encarando o espelho. Meus olhos estavam fundos e meu rosto inchado, me sentindo um lixo, buscando algum sentido para a minha existência. Procurar letras circuladas em um livro e tentar juntá-las para formar palavras tinha realmente me distraído na noite anterior, mas só por algumas horas. Não era como se aquilo fosse me fazer esquecer a morte de meu avô ou o quanto aquilo me abalou, embora por alguns instantes tivesse desviado meu foco para outra coisa.
Eu continuava sendo a versão mais triste de mim mesmo, como um garoto assustado que acabou de acordar de um terrível pesadelo. E embora meu eu interior quisesse que naquela carta tivesse um feitiço do tempo que trouxesse meu avô de volta, ou a solução milagrosa para todos os meus problemas, ela só me trouxe uma dose a mais de dúvidas.
Por exemplo, quem era essa L? Por que ela iria escrever cartas para uma pessoa aleatória? O que levaria alguém a fazer aquilo? Sabe, aquilo era idiota demais, mesmo que me mantivesse distraído enquanto pensava sobre isso.
"É só uma carta boba, Nathaniel!", eu pensei, "Apenas a leve de volta, siga sua vida, em um mês você nem se lembrará mais dela". Eu não sabia quem era L. Eu sabia quem era Nathaniel. Eu realmente sabia? Quem era Nathaniel Henderson? Aquele cara no espelho? Aquele era o meu nome, mas aquele Nathaniel que encontrou um envelope laranja enquanto folheava um livro ainda era eu.
Não, eu jamais esqueceria aquele envelope, porque agora ele fazia parte de uma lembrança ainda mais intensa. A lembrança de meu avô. Não era apenas "Eu me sentei no chão da sala e li o livro preferido de meu avô". Era muito mais que isso. Era "Eu me sentei no chão da sala e li o livro preferido de meu avô, onde encontrei uma carta. Mas o que dizia a carta mesmo? De quem ela era?"
Coloquei a escova de dentes sobre a pia, cuspi a espuma do creme dental e limpei minha boca. Encarei o espelho por mais alguns segundos antes de sair do banheiro e esbarrar com meu pai.
— Ei, cara. Bom dia.
— Bom dia, pai. Hoje você vai para o trabalho?
— É... — Ele suspirou. — Eles só me deram três dias de folga...
Meu pai trabalhava numa metalúrgica há pelo vinte anos. Não era o melhor emprego do mundo, meu pai chegava extremamente cansado, mas quando se tratava da família, ele se esforçava ao máximo para ser presente.
— E o que você faz acordado a essa hora? — Ele perguntou enquanto se preparava para escovar os dentes também. — Caiu da cama?
— É, tipo isso. Eu tenho que ir na Biblioteca devolver aquele livro. Estou pensando se devo pegar outro ou não.
— Eu acho que seria bom. Quanto mais a nossa mente fica ocupada, menos a gente sofre.
Eu fiquei ali parado, encostado na porta do banheiro, em silêncio, enquanto meu pai escovava os dentes, ainda em dúvida se contava sobre a carta ou não. Minha cabeça ensaiava as palavras, mas minha boca hesitava. Até que por fim, a primeira palavra escapou.
— Pai?
— Sim. — Ele respondeu enquanto secava o rosto.
— É que tem esse desafio de ler alguns livros que eu não sei direito quais são... você acha que eu devo fazer ou não?
— É um desses desafios da internet?
— Não exatamente... — Eu suspirei.
— Eu acho legal. Seu avô iria gostar, não acha? Mas é você quem deve decidir. Está receoso com algo?
— Não, eu só estou em dúvida se devo participar ou não, mas eu vou pensar melhor sobre isso. Valeu, pai.
— Sem problemas. Até mais tarde.

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Com amor, L. (Em Revisão)
Storie d'amore"Às vezes somos guiados pelo que dizemos de nós mesmos e com muita frequência pelo que outras pessoas dizem de nós, sem que paremos para refletir e julgar." - Jane Austen Uma história de amizade, respeito às diferenças e autoconhecimento e auto acei...