primavera.

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Aviso de possíveis gatilhos presentes no capítulo: menção de violência infantil, pensamentos suicidas e violência doméstica.



O ônibus escolar se movia tão lentamente quanto no dia anterior em culpa do desejo de querer estar logo em sua cama. Gowon apoiou-se no vidro que estava frio, fechando suas pálpebras por mais tempo do que deveria a cada piscada e imaginando-se tomando uma bela xícara de chocolate quente. Chocolate quente, feito por Olivia.

Se alguém estivesse olhando para seu pequeno rosto naquele instante, veria a forma suave que um simples e puro sorriso se formou ali, com suas bochechas contraindo-se e formando mais pele rosada.

Não queria voltar para a escola no dia seguinte, queria abraçar seu travesseiro e sentir o cheiro do perfume da vizinha que morava em frente. Sua namorada. Não queria mais ter que ouvir todas as reclamações de colegas que também detestavam aquele ambiente, detestavam estudar. As únicas aulas que a loira era capaz de aguentar eram as de filosofia, por poder apoiar a cabeça na carteira e dormir tranquilamente sem que a professora tentasse acordá-la.

Mas, mesmo assim, mantinha a fachada de boa aluna para o seu pai. De forma automática, alcançada após meses e meses repetindo o mesmo percurso, desceu do ônibus que parava algumas quadras longe de sua aconchegante casa com pintura amarela. Andou utilizando suas curtas pernas, atingindo o portão em minutos que poderiam ser horas caso estivesse sem pressa.

"Como foi o seu dia na escola, filha?" Ouviu o tom de voz masculino perguntar da cozinha, causando um breve eco até as escadas em que Gowon se localizava.

"Normal, pai, bem como sempre." Repetiu a frase, seguindo o ciclo diário. Moveu-se adiante, logo encontrando a janela fechada em seu quarto. Já era noite mas, o clima estava tão fresco que poderia se passar por uma manhã de domingo.

Mantendo a rotina, reorganizou sua bolsa para o dia seguinte – o qual ansiava para que nunca chegasse. Livros, cadernos, estojo. Cantou sobre corações partidos no banho com água milagrosa que restaurava suas energias, mas simplesmente sumiram ao ouvir o convite de seu pai para o jantar.

"Preciso falar com você." Se tratava da mesma calma de sempre, mas a atmosfera não era tão convidativa quanto costumava ser, indicando uma quebra na tradicional hora da reunião familiar. "Gowon, há anos vivemos apenas eu e você, certo? E nos amamos, formamos uma incrível dupla."

Sim, há anos eram apenas aqueles dois e sua vida monótona de sentar no sofá para assistirem séries ou filmes juntos até um deles cochilar primeiro. Nunca havia parado para pensar sobre isso, pai. Vivo no agito, como teria tempo para pensar?

A garota loira suspirou antes de sentar-se na cadeira da mesa de jantar, encarando o prato sem desviar o olhar nem mesmo por um instante. Ela sabia o que ele queria dizer, estava aguardando o impacto das palavras antes paranóias se tornarem reais.

"Eu conheci uma pessoa." A frase causou um instantâneo riso nasal, demonstrando deboche da parte de Gowon. Ali estava, a colina pela qual tudo iria descer extremamente rápido. Ela sabia disso. Não se tratava sobre quem era essa tal pessoa, definitivamente não era sobre ciúmes. Era sobre inevitável mudança.

Odiava mudanças. "Ufa, que bom que é uma pessoa, não estava pronta para ter um alienígena morando com a gente." Ousou tentar disfarçar por meio de seu peculiar senso de humor, mas tinha consciência de que seria pega.

Quando conheceu Olivia, quando a olhou pela primeira vez, o mesmo sentimento de agora havia a consumido. Naquele caso, não mudança externa, porém interna. Sentia algo profundo e ainda borrado, presente apenas nas entrelinhas, que causaria a metamorfose em si própria até tornar-se uma versão melhor. Ela ainda estava no meio do caminho e, temia que o processo fosse interrompido.

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