Esperar era uma luta tão grande quanto fugir, a diferença é que o embate é interno. Crescer em um bunker subterrâneo deveria ter me ensinado paciência e estratégia, mas o que me consumia era raiva e impulsividade. Por ter de viver uma vida escondido e sem liberdade.
E, mesmo assim, ao fim der cada missão, eu retornava e chamava todo aquele complexo de lar.
Naquele exato momento, eu aguardava qualquer comentário sobre voltar ao Esperança. Ninguém mencionara o assunto, nem mesmo quando Alice levantou-se dos mortos. Pelo contrário, estávamos sentados, vidrados em uma panela de ferro sobre as brasas, esperando uma sopa de carne de capivara ficar pronta.
Como se fôssemos uma grande família de nômades.
A inércia fazia-me voltar os pensamentos à minha irmã. Meu peito ardia e o tinha feito durante todo o dia, exceto quando fomos caçar a proteína da janta; senti-me menos acorrentado.
Preciso me mover. – a agonia começaria a se espalhar em breve.
Voltei a observar Al, esperando que estivesse a retribuir o olhar. Queria que me explicasse toda a situação com Caliope e, talvez, não a interrompesse enquanto me contava algumas memórias que destruiriam minhas fibras aos poucos. Entretanto, sequer nos dera atenção desde que pôs-se de pé, enrolada em um lençol, mais branca do que as nuvens.
Era impossível não perceber o quanto Ian estava inquieto, mesmo que minha própria agonia fosse latente. A irmã que exigira um abraço parecia ter sumido, deixando aquela primeira versão: a confinada em seu próprio espaço e desconfiada da própria sombra.
Falava algo com as caçadoras em um tom sombrio e calculado. Mal percebi Camile se aproximar até que se colocasse em minha visão, menos de um metro de meu nariz. Carregava tigelas de sopa. O rosto estava travado, o nariz enrugado realçava-lhe as sardas; parecia determinada a deixar claro que não gostava de qualquer um de nós homens.
No entanto, os olhos de cor indecifrável pareciam curiosos para meu lado. Levava a sopa à boca, quando a garota soltou:
- Olhá-la desta forma é um desrespeito. Vi Isabel matar por muito menos. – vergonhosamente, sopa vazou por meu nariz, enquanto engasgava. Recebi, em troca, um sorriso élfico. Lembrou-me tanto Alice sob minha mira dois dias antes que a tosse só piorou.
Teria Alice criado esta menina?
Ouvi algumas leves risadas, enquanto algumas lágrimas surgiam – relutantes – no canto de meus olhos. A situação toda fez com que os olhos esmeralda finalmente reconhecesse a nós em seu universo.
Merida levantou-se, puxando-a e segurando-a de maneira a apoiarem-se mutualmente. Uma com o tornozelo torcido e a outra parecendo uma árvore velha. Estávamos todos destruídos, realmente era hora de ir para casa.
- Rob, suas técnicas para chamar atenção estão cada vez mais eficientes. – Rafael riu, terminando devagar a janta. Percebi a tensão em seus ombros e, só então, notei que Mer e ele se evitavam, deliberadamente. Temo que tenha pensado em levantar-se, ir para longe. Mas não teve forças.
- Está tudo bem? – Ian conseguiu perguntar antes de qualquer um, capturando o olhar da irmã como se fosse uma ave preciosa. Ela voltara com o hábito de esconder os próprios olhos, como se a ação lhe trouxesse medo. Parecia mais com a mulher que salvei e menos com a da cabana.
Respirei fundo, sem entender meu alívio.
A resposta dela foi um leve assentir, enquanto os dedos finos tentavam trespassar as ataduras para coçar a ferida.
- As caçadoras estão começando a ficar desconfortáveis com... Nossa presença. – algum dia perderia aquele tom rouco? – Acho que precisamos começar a viagem.
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O braço direito de Ian Connan
Fiksi UmumA guerra nos fez frios. Talvez pela rapidez com que os eventos catastróficos se empilham, assim como os corpos. Não nos deixando respirar, pouco menos sentir. Talvez porque sentimos tanto que nossos nervos não mais suportam, o limiar da dor se extra...