Capítulo 6

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  Eunice ajudava a todos,dava consolo,orientava.Eu gostava dela,admirava-a.Saí do hospital deixando-a mal.Quando retornei,uma enfermeira me contou que ela havia falecido, serena como viveu.Chorei,senti falta dela.
   Márcia ficará daquela vez no leito ao meu lado,tinha dezesseis anos e também estava com câncer.Recebeu só uma visita,a da assistente social dos seu internato.Ela era órfã, estava numa instituição para menores.Ficava mais tempo no hospital para receber os cuidados que não teria onde morava.Ouvi-a chorar baixinho,indaguei o porquê, ela respondeu:
    'Estou com medo!'
    'Quer que eu aproxime minha cama da sua e segure a sua mão?'
    'Quero!'
    'Não chore ,Márcia, você irá sarar' - consolei-a,segurando a sua mão.
    'Talvez Sare,mas quem se alegrará com a minha recuperação? Não tenho ninguém'.
     'Você se alegrando não é o suficiente? Terá ainda sua família'.
     'Logo terei de sair da instituição, preocupo-me com o que fazer,com quem ficar.E se não tiver sarado?Mas a assistente social me afirmou que a instituição me abrigará até que eu Sare.O hospital faz todo o tratamento' - falou ela.
     'Não tem amigos? Não conhece ninguém fora de lá'?  - Perguntei .
     'Só você  e as enfermeiras e os médicos. Tenho amigas lá, mas elas não tem como vir aqui.São sozinhas como eu.Não importo em sarar,talvez seja melhor morrer.Você tem medo da morte?'
     'Não sei,mas não quero morrer' -respondi.
     'Sabe Angélica,às vezes a solidão dói mais do que o tratamento'.
     Márcia dormiu e eu fiquei pensando no que ela disse:'a solidão dói mais...'dei graças a Deus por ter afetos.
     Morte ,é estanho você pensar nela,pensar que esse corpo que cuidamos,higienizamos,irá ser pó. Não havia pensado nessa possibilidade até me ver em perigo,ter uma doença que poderia ser fatal. E pensar que irá acontecer é confuso,nisso invejava os espíritas, eles parecem ter esse entendimento. Resolvi não pensar nela,como se não pensar afastasse essa possibilidade. Mas tudo é vida e comecei a fazer planos,projetos,coisas que iria fazer logo que sarasse.
    Lucinha estava com leucemia,tinha só 8 anos,chorava,chamava pelos país,não queria tomar a injeção.Ao escutá-la tinha vontade de chorar,também não queria tomar a injeção. Mas era adulta ou grande para fazer não valer minha vontade,chorava baixinho cobrindo o rosto com o lençol. Lucinha também morreu. E eu estava no hospital quando isso aconteceu. O choro dolorido de sua mãe me fez calar,era um choro tão sofrido que fez silenciar
a todos. Tinha muito que meditar ali,creio que todos os que estão internados têm motivos para pensar na vida e na morte.
     Uma vez,encontrei no hospital, na enfermaria ao lado,a masculina,um senhor que estava revoltado,dizia blasfêmias, xingava,era mal educado. Tinha cinqüenta e quatro anos. Soube porque dizia:
     'Só tenho cinqüenta e quatro anos,como morrer? Maldita doença!'
     Não aceitava conselhos e evitava a todos. Irmã Beatriz, uma freira,pedia para que se calasse,ele só fazia quando ela ordenava. Quando ele aquietava todos suspiravam aliviados. Irmã Beatriz entrou na nossa enfermaria para uma visita,logo após ter ordenado que se calasse;nos vendo assustadas,falou,animando-nos:
     'Vamos orar,por favor não entrem na vibração de revolta desse senhor. Deus sabe o que faz! Depois temos tido muitas curas,mais da metade de nossos doentes têm se curado. Nada de desânimo! Pai nosso...'
     Fiquei pensando no que a Irmã Beatriz dissera,sabia que não era verdade,alguns saravam,mas a maioria mesmo morria.
     'A revolta contagia! Não se deixe abater,minha .Seu tratamento tem dado resultado'.
     Ninguém gostava de cuidar do senhor revoltado, faziam porquê eram obrigados. Concluí: ele sofre mais.
     Orava muito, enquanto estive no leito no hospital e em casa,a prece me confortava,esforcei- me para ser otimista e em queixar menos.
     Não encontrei mais com aquele senhor,a enfermeira disse que ele voltara mais uma vez,queixou-se do atendimento e foi para outro hospital.
     Cada pessoa doente que via no hospital parecia ser eu,identificava-me,sentia o que eles sofriam,uns mais que eu. Chorava junto,fiz amizades,tínhamos muito em comum para conversar,éramos esperançosos. E o tratamento não foi fácil. Lembrava de tudo,mas recordações ruins não devem ser cultuadas,tinha de esquecer,porque o tratamento acabara,e segundo os médicos, cv OM êxito. E eu não vou pensar  mais sobre isso,minha doença ficou no passado e ele passou...
     Estava internada quando papai com meus  irmãos mudaram pra cá.
Papai estava tão contente,tão entusiasmado!
     ' O lugar é lindo! Teremos o mar,as montanhas e sossego. Comprei móveis novos,a casa é grande. E você minha filha,terá um quarto só para você.'
      Gostei de ter mudado,não sentiria falta de nada,amigas estavam afastadas, César estava namorando outra,as colegas de escola haviam se formado no ano anterior, muitas passaram em cursos superiores, outras faziam cursinhos e eu ainda teria de acabar o segundo grau.Depois,era sempre desagradável encontrar conhecidos,que me olhavam com dó,vendo-me como futura defunta ou,piedosos, tentavam me animar. A maioria queria saber do tratamento,de resultados. Não entendiam que eu não queria falar sobre a doença. Pelo menos ali ,ninguém me conhecia e nem sabia o que aconteceu comigo.
    Que mudança! Espero que esta, desta casa,seja a última!
     Suspirou e se pôs a arrumar seu quarto.

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