O vulto que sentará junto de Angélica e escutava seus pensamentos, suas lembranças, era Osvaldo,um desencarnado que vivia ali. Quando a mocinha levantou da poltrona,ele enxugou as lágrimas que corriam pelo rosto.
"Que coisa!Que tristeza!A carequinha é assim por doença ou pelo tratamento dessa doença horrível! Coitadinha! Olhando bem até que não é feia!E eu ri dela!Está magra,mas é bem feita de corpo,tem os lábios bem desenhados,o nariz pequeno e os olhos são lindos, são como duas jabuticabas, bem pretinhos. Essa eu não atormento! Não assombro! Não mesmo! Está doentinha!Pensa que sarou,mas dessa doença ninguém sara. Ficará mais doente,até morrer. Aí será como eu! É tão estranho, morre-se tão fácil!"
"Fique aqui! Fique para sempre!"
Malditas palavras que me prendem,estou aqui há muitos anos,nem sei dizer quanto tempo passou,e não consigo sair.Gosto da solidão, as pessoas me incomodam,reclamam demais,me perturbam.Se tenho que ficar aqui,que eu fique sozinho. Tenho de expulsar essa família daqui como fiz com as outras.
Recebi os impactos, dois tiros certeiros, depois o pesadelo,demorei para sair daquela maldita madorna e me vi sozinho nessa casa,que parecia abandonada. Grande parte dos móveis sumiu,a decoração da casa era muito bonita,tapetes vermelhos,estofados vistosos,a casa sempre estava linda;Leda tinha bom gosto.
O mato em volta da casa estava alto,o jardim desapareceu,não tinha mais os canteiros floridos. Estava muito triste,abandonado daquele modo. Foi um período muito confuso,não sabia o que fazia ali sozinho,dormira muito,mas tinha horror em fazê-lo,pois sonhava, ou melhor, tinha pesadelos com aquelas cenas trágicas que queria esquecer e não conseguia. Andava pela casa e em sua volta com dificuldade e fui melhorando. Um dia,estava dormindo,quando acordei com um barulho,eram uns trabalhadores,carpindo o jardim.
'Até que enfim alguém para limpar. Vou ajudá-los!'Exclamei,animando-me.
Mas quando comecei a ajudar,os ingratos saíram correndo,largaram até as ferramentas.
'Bando de preguiçosos!'
Isso ocorreu mais duas vezes, parecia que não queriam minha ajuda.
'Já sei - conclui- ,eles devem pensar que eu também matei a menina, a Farinha,mas eu só assassinei a Leda, que mereceu.Todos sabiam que ela não prestava.'
Tentei falar com eles,com os trabalhadores, explicar que não queria fazer mal a eles;mas foi pior. Fiquei com raiva,deveria ser como bicho ou monstro para eles terem medo assim de mim. Eles não acreditavam em mim, achavam e até hoje todos pensam que matei a garotinha. Mas não iria fazer isso,não fiz,era tão bonita a filha da Leda.
Quando os trabalhadores foram embora correndo, fiz um juramento:
'Ingratos! São uns ingratos! Não os ajudo mais! Não mesmo.'
E cumpri a palavra.Mas não era preguiçoso,sempre trabalhei,desde de pequeno,e gostava,queria fazer alguma coisa e não conseguia. E o jardim estava um mato só. Por mais que tentasse,não conseguia carpir e nem fazer qualquer trabalho. Tantas vezes tentei varrer a casa,limpá-la,e ela continuava suja. Deveria ser praga do senhor Irineu, o dono da casa,que me ordenou ficar ali,e foi embora e nunca mais voltou.
Fiquei tempo sem ver ninguém, nenhuma pessoa veio aqui,aprendi a gostar da solidão, só que pensava muito.Como mudei os acontecimentos, sempre achava um final feliz para mim, senhor Irineu morria,Leda dizia que me amava,ficava comigo e éramos felizes. Mas a realidade sempre me despertava de modo cruel,tudo aquilo aconteceu e eu estava, ali só e infeliz. Não gostava de recordar,mas o fazia ,como um castigo, um terrível e interminável castigo.
E os anos foram se passando,não sabia determinar quantos. Resolvi vigiar o local e estava sempre atento, até os garotos que vinham xeretar ou em busca de frutas do pomar eu enxotava,e era uma correria.Como ria e me divertia,queria que viessem mais vezes,mas eles se assustavam, tinham medo do assassino. Isso me irritava,não tinha matado a garota, só Leda,meu grande amor.
Fiquei muito sozinho,os dias eram intermináveis. Quando não se faz nada,o tempo demora a passar. Enquanto ficava recordando, pensando,sofria,sofro... Mas me acostumei e não quero compartilhar a casa com ninguém.
Lembro do dia em que dois homens vieram de carro, entraram no jardim e comentaram:
'Essa história de assombração é invenção! Com o aspecto da casa,qualquer um se assusta.'
'Herdei do meu tio essa propriedade, vou arrumá-la para alu gar. Amanhã mesmo virão homens que contratei,limparão o jardim,o pomar,e o melhor,aterrarão o buraco.'
'Isso é bom,do lado direito o penhasco é perigoso!' -Comentou o primeiro que falara.
'Modificando o local em que houve o crime da menina ,mudará o aspecto e o falatório acabará. Comprei caminhões de terra para aterrá-lo' -falou o que herdara,o novo dono.
'Ficará caro.'
'Dá pena ver isso abandonado.'
Fiquei só ouvindo,curioso. Achei interessante aterrar aquele lugar perigoso,cheio de pedras, e havia só uma trilha para passar.Aquele lugar me dava arrepios, quase não ia lá, não gostava,mas as vezes era impulsionado a ir,de cima,olhava o buraco,e foram muitas as vezes que Chorei,parecia ainda ver Fatinha caída com seu pijama cor de rosa,lá esticada,morta. Achava aquele lugar horrível e aproveitou a idéia de aterrá-lo. Sem o buraco não iria mais ver aquela cena macabra. Resolvi só ficar observando, sem fazer nada.
Mas foi aí que percebi que as pessoas não me viam,elas passavam por mim,ignorando-me,cheguei pertinho de umas e nada,realmente elas não me enxergavam e eu era a assombração tão falada. Por algum motivo que eu desconhecia estava invisível e ,dependendo da pessoa que estava ali na propriedade ,eu conseguia fazer barulho e assustar.Fiquei muito triste,talvez tivesse morrido e nem percebido. Nunca soube direito o que acontecia quando a pessoa morria,não acreditava no inferno e achava muito boba à ideia de no céu não ter que fazer nada,mas nunca pensei em morrer e ficar assim como fiquei,sem fazer nada e não estar no céu, ser um assassino e não ir para o fogo do inferno. De qualquer modo estava sendo castigado,fiquei ali no local do crime e muito infeliz.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Casa do Penhasco
EspiritualRomance espirita de Antonio Carlos Psicografado pela médium Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Roberto , Dinéia e seus filhos, os novos moradores da casa do penhasco, nem sequer imaginavam o perigo que aguardava naquele lugar lindo, ensolarado. .. Re...