Sei que Sermo acendeu ao céu, enquanto eu permaneci sem minha visão. Eu ainda queria cumprir todos meus deveres como homem, ser o melhor caçador. Era como se houvesse correntes em mim, até que entendi.
Nada disso dizia respeito a mim, eu não poderia segurar essas coisas deslisando por entre meus dedos. Eu havia perdido a guerra como homem, enquanto cometia um suicídio doloroso, assim a morte me deu algo que jamais sonhei como um cortejo, um presente de boas vindas a minha nova vida.
Eu soube que estava pronta assim como soube que Sermo estava também. A noite em que matei meu aprendiz, nunca esquecerei. Me lembro de como olhou nos meus olhos, e pediu que não fosse assim. Perguntei quais as coisas ainda estavam prendendo o jovem, e ele me disse:
-A dor!
Eu atravessei a alma do garoto com a lança e ele se deitou levemente no chão. Assim não doeria mais... nunca mais.
Eu sou o mal que a humanidade precisa para evoluir. A vida já não bate tão forte, assim tomo seu lugar devido a fraqueza da entidade quem nos subjuga.
A fraqueza exacerbada do homem... não há nada mais repulsivo. Quando eu abri meus olhos pela última vez eu pensei o que ainda me prendia?
-A dor! - respondi a mim mesmo.
Queria de fato machucar alguém antes de partir, e precisava sentir isso como um homem o faz, pois o homem tem medo, é frágil e passível da dor.
Meus ouvidos me guiaram a até minha vítima. Um assassino cego pelo ódio, cumprindo seu desejo sanguinário. Minha hora chegava a cada segundo, e essa era minha dor. Ter que morrer para mim mesmo, assim alcançando as coisas mais ambiciosas imaginadas pelo homem.
A lança pontiaguda desliza pelo pescoço da mulher tão frágil a que encontrei entre as árvores na noite bela, tocada pela luz do luar. O grito evanescente despertou outros caçadores e eles me humilharam uma vez mais, para nunca mais fazê-lo. As minhas vísceras dilaceraram da maneira mais cruel possível, nada comparado aos insultos antes lançados para me derrubar.
Tiveram muito inveja de mim nos tempos em que fui o melhor caçador naquela floresta nauseabunda, onde os vermes deixavam seus rastros por entre as relvas. Amaram me ver definhar, e esperaram minha lucidez enfim se esvair para me cortar em pedaços e pendurar minhas partes nas árvores.
Eu vi minha cabeça dependurada no alto, e como um corvo carniceiro a morte veio levar meus olhos para as alturas e assim refletir os primeiros raios de sol.
-Deixe-me banhar suas vistas nesse mar... deixe-me encantar sua mente com um novo olhar... a dor dos fardos passados já não te dizem respeito. A noite, uma nova e linda divindade amamentarei em meu peito... - assim cantava a morte com sua voz de anjo.
Eu vi meu corpo suspenso pelo nada, flutuando, sozinho e perdido além de perturbado. Não vi Sermo em lugar nenhum, por mais que procurasse-o no vasto horizonte repleto de um vazio eterno, não havia nada.
Fui lançado de volta a consciência e uma luz muito forte passou a sair de mim, explodindo meu ser em mil pedaços.
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A margem do mundo
Ficción GeneralE se existisse uma guerra entre deuses? Quem seria o mais forte? Qual deles seria o merecedor pela força, do encargo de carregar todo universo sobre seus ombros? No mundo divino foi declarada a guerra entre gerações de entidades celestiais, e o deus...