...Dilúvio...

86 18 15
                                    


16 de Agosto de 2017

O cheiro do mar que me tranquilizava de certa forma já não existe mais, mesmo que um resquício de maresia insista com todas as forças em resistir em minhas roupas o cheiro do campo que nos cerca é devastador, essa é uma batalha perdida, apenas um soldado litorâneo contra um exercito verde.

Não durmo a aproximadamente dez horas, ouvi meu celular tocar inúmeras vezes, mas depois da terceira vez nem se quer cogitei a ideia de atendê-lo, o toque de "bellyache" se tornou minha trilha sonora por toda a noite, madrugada e manhã até que cessou, meu celular não vibrou ou se quer uma mensagem foi recebida, nada, segui em silêncio, sozinho com meus demônios "internos". A cada cidade que se passava me sentia cada vez mais uma presa fugindo...talvez para o colo do que a ameaça. Paro em Buffalo, até agora apenas as placas de rua me orientam, me sinto esgotado e faminto não apenas emocionalmente, paro em frente a um restaurante rústico, mas bem cuidado e simples a placa grande em sua entrada anunciava "frango riz la vielle em promoção apenas $6,95", entro, 12 passos, escolho a mesa mais próxima da janela imensa de vidro, observo o mundo lá fora impressionado, antes de Wisconsin se transformar em um lugar diabólico, apenas observar tudo era maravilhoso, quase mágico agora é apenar algo... mediano. Quase deprimente, mas ainda há beleza, em cada centímetro há beleza, mas essa beleza não faz parte mais do agora e sim das lembranças do passado. Sou tirado de meu pensamentos por um garçom sorridente:

- Senhor? O senhor está bem? - Não parece ser a primeira vez que ele me chama.

- Estou sim, obrigado - Mentira.

- Muito bom, o que o senhor deseja? Já olhou nosso cardápio? - Ele permanece sorridente.

- Olhei sim, eu gostaria de uma porção de Riz La Vielle, um suco de goiaba e um copo de água se possível.

- Muito bom, seu pedido é uma ordem senhor!

Ele sai quase que correndo, pego minha mochila apoiada em meus pés, agarro o maço de dinheiro e retiro duas notas de vinte, apenas por precaução, guardo o resto novamente no fundo da mochila. Uma chuva de níveis apocalípticos desaba do lado de fora, o garçom retorna com um copo de água e coloca em minha mesa, fico imaginando como ele não se cansa de sorrir?!
Ele se retira, pego o frasco de antidepressivos, coloco o comprimido na boca, um gole de água e o engulo, pego o diário e reforço as linhas do símbolo que desenhei na capa:


T . H

Propriedade de Thomas Hamett

Depois de devorar meu prato como um urso faminto vou ao balcão, depois de pegar mais 3 pacotes de batatas Chips e doces, entrego vinte dólares a moça que diferente do garçom, não parecia satisfeita com sua existência, ela me devolve o troco da forma mais grossa possível, abro um sorriso enorme apenas para estimular a provável vontade de me socar que ela está tendo agora e me viro:

- EI VOCÊ QUASE ME DERRUBOU SEU DELINQUENTE.

- Senhor me desculpe, foi sem querer, não precisa gritar.

- Trabalho por este país a anos, para ser mal tratado por um negrinho imundo. - Meu peito aperta e meus olhos se enchem.

- Senhor por fav... - Ele me interrompe antes de terminar a frase e retorna seu discurso de ódio.

- Me surpreende a coragem de vocês de viver no meio de gente normal, fingindo que sua raça é normal.

- VAI SE FODER SEU VELHO DE MERDA! - Minha garganta já não funciona direito, mas o grito sai rouco e alto, uma feixe discreto de lágrimas desce por meus olhos.

Percebo que as pessoas em volta observam, algumas com expressões sérias e outra com encorajamento, ouço alguns murmuros, mas apenas saio do local, a chuva que cai é da mesma proporção de meus problemas, sinto dor e tristeza mas esse sentimento parece não atingir minha alma, me sinto forte e corajoso.

- Thomas o defensor supremo de raças.

Câmbio desligo.

Ratos de EsgotoOnde histórias criam vida. Descubra agora