Além-mar

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Naquele início de noite, o vento norte anunciava os primeiros indícios do inverno.

O pequeno barco de madeira que trouxera a mim e a Kaldur'Ahm se sobrepôs às rochas empilhadas da beirada da ilha.

Conforme ele estendeu a mão, ajudando-me a abandonar polidamente a embarcação, ergui meus olhos para o enorme farol no meio da ilha.

Acima dele, o céu estava límpido e em um tom escuríssimo de azul, apenas entrecortado pela luz da lanterna.

Estávamos em uma ilha tão ínfima, que a única coisa existente ali eram as pedras que a constituíam e o farol. As ondas não ameaçavam, contudo, aquele local: apenas iam e vinham, dançando lentamente sobre as rochas.

Não demoramos a adentrar o farol, subindo a escada caracol até o fim. A enorme torre não pareceu se importar com nossa presença, pois prosseguiu girando a lanterna acima de nossas cabeças para os confins da Terra.

Kaldur'Ahm foi até uma pequena janela a oeste, parando por alguns segundos para contemplar o imenso mar com os últimos fôlegos da luz diurna. Acheguei-me a ele, procurando algo além de azul na paisagem.

— Atlantis fica naquela direção — apontou reto. — Não é longe, se nadar rápido.

Encarou-me com um sorriso gentil nos lábios, o que decerto foi a causa de meu coração ter afundado no peito logo em seguida: eu jamais poderia visitar uma cidade subaquática — não sem morrer, pelo menos.

— Tenho certeza de que é mais bonita do que qualquer cidade em terra firme.

Minha frase foi sucinta, calma e acompanhada de um sorriso. Contudo, a expectativa inocente em seu rosto quebraria qualquer coração. Porventura teria ele esperança de que algum dia eu poderia ir?

Naquele entardecer, os primeiros ventos do inverno sopraram. Era de meu conhecimento que aqueles fatos, fossem o que fossem, eventualmente congelariam.

Céus, quanto tempo tínhamos?

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!"
— Fernando Pessoa

Kátharsis // AqualadOnde histórias criam vida. Descubra agora