Capítulo 3

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A chuva diminuiu e agora não estou mais com tanto medo do Uno sair capotando, embora Ana Clara esteja pisando ainda mais fundo no acelerador.

Ficamos em silêncio por grande parte do trajeto, sem que eu soubesse para onde íamos, já que Ana decidiu me ignorar quando perguntei-por três vezes qual era, afinal, seu plano. Nem o rádio estava ligado mais, já que nesse trecho só funcionava estática. Fico olhando pela janela, a procura de uma viatura, já que ainda não me recuperei por completo do susto que tomamos, e tenho quase cem porcento de certeza de que a qualquer segundo um helicóptero vai sobrevoar o carro e aí estaremos ferradas de verdade.

Então, começo a imaginar qual deve ser o plano mirabolante de Ana. Talvez tenhamos que sair do estado, trocar nossos documentos por falsos com algum contato esquisito que deva um favor pra ela, e então viveremos escondidas e sob novas identidades em alguma cidade grande qualquer, com medo até da nossa sombra.

-No que você tá pensando, hein?- ela me pergunta, provavelmente notando a careta que tomou conta do meu rosto.

-Que tu vai arranjar documentos falsos pra gente e vamos ter que ir embora pra sempre e viver numa vida de crimes pra sobreviver.

Digo tudo em um só fôlego antes que comece a surtar. Por um segundo, a morena tira os olhos da estrada, passeando-os pelo meu rosto, em busca de algum sinal que indique que estou só brincando. Como não movo um músculo e nem digo nada, ela irrompe em uma gargalhada, voltando a atenção para a frente.

-Tu num tá falando sério né?

-Tô sim. Eu nem sei o que você fez antes de esbarrar em mim e me meter nessa loucura. Pelo que eu sei, tu pode até ter matado alguém.

-Em primeiro lugar, acho que já discutimos isso, e você sabe que tem tanta culpa no cartório quanto eu. E segundo, eu não matei ninguém. Só estava deixando as coisas empatadas entre eu e uma pessoa aí.

-Se vingando?

-Se prefere chamar assim-deu de ombros-mas sem morte.

-Então tu não vai me contar o que aconteceu.

-Sem pressa Vivi. Primeiro, vamos colocar meu plano em prática.

--Como tu sabe meu nome, a propósito?--decidi desviar do assunto, já que ela queria ser tão misteriosa. Já estava batendo queixo por causa das roupas molhadas, e com medo de alguém dar por nossa falta e ligarem os pontos.

--Tu é do teatro não é?-acenei afirmativamente com a cabeça--Vi uma encenação sua uma vez. Romeu e Julieta.Cê tava muito bonita com aquele vestido--ela disse como se não significasse nada demais, e me perguntei qual seriam as suas intenções por trás daquelas palavras--E tu, como sabe meu nome?

Não sabia bem como responder. A verdade, é que eu sempre soube quem era Ana Clara Caetano, antes mesmo de ela ir pra Lincoln Rodrigues e virar a escola de pernas pro ar. Quem não conhecia a sua família, ou os famosos escritórios de advocacia em toda região? Eles eram quase uma lenda na cidade, e Ana era a que mais destoava da perfeição que os Caetano pareciam emanar quase que naturalmente. Talvez fosse por isso que era a que mais se destacava, não que isso fosse algo bom.

Mônica, a matriarca dos Caetano, era uma mulher baixinha, de cabelos negros iguais aos de Ana, e uma postura de esposa zelosa e mãe protetora. Isso,é claro, se tratando de sua filha mais nova, de quem ela deixava bem claro ser o seu maior orgulho. Quanto a Ana Clara, todos diziam ser uma ingrata que não respeitava e nem merecia a maravilhosa e benevolente mãe que tinha.

Seu pai era um homem de fisionomia dura, mas era conhecido por ser simpático e sempre atender à todos com o máximo de respeito e atenção. A não ser nos casos em que tinha que lidar com a rebeldia de sua filha mais velha, sobre a qual ele sempre dizia tentar entender os motivos pelo qual ela era assim e tentar ajudá-la. Mas, segundo ele, sua menina já não se importa com a família e por mais que ele se preocupasse com ela, tinha de deixá-la ir.

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