Capítulo 1 - O Nascimento de Evablue

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Não havia som, não havia dor e muito menos calor. Ísis abriu os olhos devagar, ainda com medo de ver o que não queria. Ela estava deitada em um lugar calmo, sereno. Um azul claro corria até onde os olhos podem ver, não havia limites. Ergueu primeiro o seu tronco, e, olhando para frente, assustou-se, percebendo a imensidão daquele azul. Ela se levantou e percebeu que estava sobre uma fina camada de água que não molhava seus pés, e que embaixo dela, grandes carpas nadavam livres. Parecia que ela estava sustentada por um vidro, mas era o misticismo das águas. Antes que ela desse o primeiro passo, uma gota gotejou a sua frente, criando pequenas ondas na água, como quando jogamos uma pedra no lago. As ondas se propagaram e um canto lírico começou. De forma instantânea, Ísis sorriu. Submergindo-se no lugar que a gota caiu, Iara apareceu. Ela não estava machucada e nem queimada. Não fazia sentido, aquela esfera flamejante era enorme. Isso tudo pouco importava para Ísis, ela logo correu e pode mais uma vez abraçar Iara.

— Tudo bem Peixinho, tudo bem...

— Eu pensei que nunca mais iria te ver, e porque Flama Ignis estava daquele jeito? Eu nunca tinha visto ele daquele modo.

— Ísis, o homem alterou de muitas formas o curso das águas do planeta, curso que em eras antológicas mantinham-se o mesmo. A energia cósmica produzida pelo movimento das águas saiu do controle. Ignis naturalmente perdeu sua sanidade, você sabe que o que nos mantém vivos é o poder cósmico, e como eles estão desestruturados, consequentemente nós também ficamos.

— Então quer dizer que... Os outros também? — Perguntou Ísis procurando pelos olhos de Iara.

— Sim, meu bem, eles também. O que me manteve bem foi o sentimento que tenho por você, Ísis, você manteve minha mente quieta.

Envergonhada, Ísis abraçou Iara.

— Os três estão agora fora de si, você viu como Ignis queimou aquelas árvores? Ele ama os animais e as plantas, afinal, o que eles chamam de Curupira é o protetor das matas, não é? Eles romperam o limite de seus poderes, e podem agir de modo reverso como agiriam normalmente.

Iara apoiou as mãos sobre os ombros de Ísis e disse:

— Você é a única que pode ajudá-los, meu amor.

— Eu? Iara, você bateu com a cabeça? Você viu o tamanho da esfera de fogo que Ignis criou na nossa frente? Não, não tem como, nem se eu chamasse dez caminhões de bombeiros.

— Ísis, calma...

Iara depositou um selinho nos lábios de Ísis, ela ficou vermelha e passou a prestar atenção na mulher.

— Você lembra o dia em que nos conhecemos? — Perguntou Iara. — Naquele dia nossas águas se cruzaram e a nossa correnteza já estava traçada. Não havia saída, Ísis, uma hora ou outra o universo cósmico da terra iria se sucumbir, e eu já estava me sucumbindo. Passei eras e eras seduzindo homens e os trazendo para dentro das águas, o poder cósmico que me faltava era recolhido desses homens, saciando minha fome. Mas no dia em que te conheci tudo mudou, tudo! É o que o homem chama de amor, certo? Foi um ato tão simples que você fez que logo reascendeu minha alma. Eu estava presa por aquela maldita linha de pesca, e, com os meus puxões, logo os pescadores viriam até mim, e se homens vivos me vissem...

Ísis chorou, lembrou-se como se fosse ontem, lembrou que passou o ano mais feliz de sua vida encontrando Aquariami todos os dias nas margens do rio Araguari. Aquariami, ou para a mais íntima, Iara.

— ... tudo iria por água abaixo. Flame Ignis, Nec Logro e Hidra Mortis não tiveram a mesma sorte que eu tive. Eles não tiveram você por perto, e como eles são as outras três divindades com mais poder cósmico, foi difícil para eles se conterem.

Junto de Iara; o Curupira, o Saci e a Mula-sem-cabeça fecham o quarteto das divindades mais fortes das matas, protetores árduos dos seres vivos que vivem ali. Ignis, Nec e Mortis são nomes cósmicos dados por sua criadora, Caipora, assim como as outras divindades também tem seus verdadeiros nomes.

— Mas como poderei ajudar Ignis e os outros? — Perguntou Ísis.

— Há um preço a se pagar.

— Preço?

— Sim. Eu, na verdade, morri, Ísis. E irá demorar muito para que eu possa reunir energia cósmica suficiente para que eu restaure o meu corpo, e tempo é o que não temos. Eu sinto muito, meu bem, mas nunca nos veremos de novo.

Silêncio.

— Eu não quero que Ignis queime Tocantins inteiro, Iara. Não quero que ele machuque meu pai e leve a cidade as cinzas. — Ísis mordeu o próprio lábio e cerrou os punhos com força.

— Você poderá salvar todos, Ísis, eu mais do que ninguém sei da sua vitalidade, da sua compaixão e o quanto de poder cósmico abriga em seu coração. Foram todas essas qualidades que me salvaram, agora vá, meu amor, salve todos.

Os lábios de Iara mais uma vez tocaram os de Ísis. Toda aquela imensidão azul se fragmentou como vidro quebrado, liberando estilhaços por todos os lados. Ísis começou a flutuar e toda aquela água abaixo dela se agitou, criando ondas um pouco maiores. Iara sorriu e submergiu. Um vórtice envolveu a garota, girando intensamente ao redor dela. Havia um intenso brilho azul vindo dali. O redemoinho cessou, e Ísis voltou para baixo. Ela estava de olhos fechados e com seu joelho direito apoiado na água enquanto sua mão esquerda segurava um enorme tridente dourado, aquele mesmo com as três pedras verdes.

Lentamente ela foi erguendo sua cabeça, e, ao abrir os olhos, como num passe de mágica ela abriu os olhos no mundo real. Ela estava em uma cama de hospital, ao lado de seu travesseiro repousava dois brincos em formato de estrela e um colar com um pingente em forma de tridente. Ela sorriu, e mais uma vez cerrou os punhos com força.

Evablue - O chamado das águas. Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora