A rua estava fechada, inúmeros carros de polícia davam apoio para o retorno do trânsito naquela via. Uma voz no rádio de um carro avisava, com tom de alerta, que há a possibilidade de uma pancada forte de chuva hoje em Tocantins.
— O tempo mudou repentinamente, temos a informação do centro meteorológico. A porcentagem de uma tempestade é grande devido ao acumulo de nuvens. — Alertava o locutor.
Não muito longe daquele bagunçado trânsito, o embate entre Evablue, Nec e Mortis está a um fio de começar. Nec Logro rodeava Evablue, a fim de encurralar a menina. Ele esfregava seus dentes uns nos outros, provocando um som desagradável. Os três se estudavam com cautela, esperando pelo primeiro movimento. Partiu de Mortis a primeira investida. Uma neblina verde-escura vazou de sua chama, acelerando-se na direção de Evablue. Provavelmente nada mais nascerá no solo que foi tocado por essa neblina, toda a vegetação rasteira desintegrou-se, virou pó. Não demorou muito para que Evablue percebesse que se aquilo tocasse sua pele seria catastrófico. Ela encheu os pulmões, e lançou um potente grito sonar. Com a força das ondas de som, aquela nuvem tóxica recuou e se dissipou.
Nec Logro era o alvo mais perto de Evablue no momento, e sofrera bastante com o sonar. Uma intensa dor de cabeça e um zumbido insistente nos ouvidos abriram a guarda do negro que estava, agora, com as duas mãos na cabeça. Mortis também sentiu o impacto das ondas de som, e caiu, ajoelhando-se em uma das patas dianteiras. Evablue, com o auxílio impulsivo da água, flanqueou na direção de Nec, golpeando-o com seu ombro direito, acertando o queixo do oponente. Antes que o negro caísse, ela usou a ponta do cabo do tridente para acetar a boca de Nec, quebrando vários de seus dentes, logo deixando-o inconsciente no chão.
— Maldita! — Disse Hidra Mortis.
Aquela fétida criatura se levantou, e recitando algumas palavras em uma língua extinta a muito tempo no Brasil, fez com que alguns símbolos indígenas aparecessem no chão, brilhando na mesma cor de suas chamas.
— Levantem-se dos mortos e sigam as minhas ordens, pois sou a mensageira da decadência!
Alguns dos animais que foram mortos pela neblina de Mortis, quando ela revelou sua presença pela primeira vez, ressuscitaram podres, fétidos e sem alma. Todos sob o controle dela. Eles tinham agora uma forma grotesca. Dois pássaros estavam enormes, não havia penas em suas asas, apenas ossos rachados. Um bicho-preguiça também estava sob o controle de Hidra Mortis. O seu tamanho era cerca de vinte vezes maior que um bicho-preguiça normal, seus músculos eram absurdamente grades e pulsavam fora de sua pele. Todos possuíam os olhos brancos.
— Caia diante da Necromante da noite, Evablue!
O grotesco bicho-preguiça avançou na direção de Evablue, cambaleando de um lado para o outro como um gorila apressado, um dos pássaros sobrevoou baixo, mas logo foi atingido por um pilar de água, o partindo ao meio. O bicho-preguiça golpeou Evablue com um soco, porém, ele era lento demais.
Houve tempo suficiente para a garota cravar seu tridente no chão, e, usando as duas mãos, bloquear o ataque, mas, fora arrastada alguns metros para trás, devido a força brutal do bicho. Cabisbaixa, ela sorriu, e antes que Mortis desse o comando para que a criatura recuasse, Evablue usou o pouco de água que ainda restava no corpo do bicho para criar inúmeras lanças de gelo, retalhando-o de dentro para fora. Aquele corpo pútrido caiu. A onda que sustenta Evablue aumentou, e ela avançou na direção de Mortis, que logo deu o comando para que o pássaro zumbi também atacasse.
— Perdeu o juízo, garota? Avançando assim com as mãos limpas. — Disse Mortis.
O bico daquele pássaro era longo, e com certeza acertaria Evablue primeiro, mas, Mortis não contava com algumas habilidades. A poucos metros do embate, Evablue apontou sua mão direita para trás, e o tridente se dissolveu, transmutando-se em seguida direto na mão dela. O bico do pássaro já estava próximo do rosto dela, quando, com um giro corporal surpreendente, ela desviou retalhando o pássaro ao meio com um único corte de seu tridente. Metade para a esquerda e metade para a direita, ambas congeladas. O avançou continuou ainda com vigor. Um corte fora feito nas patas dianteiras da quadrúpede, fazendo-a ajoelhar, seguido de outro feroz corte na lateral de seu dorso. O cheiro podre exalou. Evablue saltou, e, girando seu tridente com velocidade, disparou um turbilhão de água na direção de Mortis, que fora arrastada metros à frente, já desacordada. Sua chama extinguiu-se. Não houve reação nenhuma dela. Evablue aproximou-se de cada um, Nec e Mortis, apoiou seu tridente sobre eles, aquelas três pedras verdes voltaram a brilhar. Um clarão de luz ofuscante iluminou ali, e com ele, os corpos de Nec e Mortis elevaram-se ao céu, e antes que se transformassem em energia cósmica, a voz feminina de Mortis disse:
— Desculpe-nos, Evablue, e cuide-se diante do fogo do imperador.
Aquele foi o último minuto de sensatez de Hidra Mortis. Os dois retornarão à sua forma cósmica.
Ísis deixou a forma de Evablue em seguida, o tridente se foi e ela caiu de joelhos no chão, ofegante, um tanto cansada. As luzes de algumas lanternas iluminaram o local quando ela pôde ouvir algumas vozes chamarem por seu nome. Alguns policiais acompanhados de seu pai a procuravam. Gregório pediu ajuda aos oficiais depois de perceber que a filha havia desaparecido de dentro do carro, e aquele clarão final chamou a atenção dos homens para aquele local isolado do parque.
— Ísis, minha filha, o que aconteceu? — Perguntou Gregório, ajudando a filha a se levantar. — Procurei você por toda a parte.
— Desculpa, papai, eu fiquei com medo e corri para cá.
— Meu Deus, que susto você me deu! Vamos para casa, acho que vai chover forte.
Finalmente o "vamos para a casa" se concretizou, e Ísis pôde dormir em sua cama. Dois dias depois do embate no parque, pela manhã, a notícia que Ariel de La Blanca, sua mãe, retornaria de Portugal, logo foi ofuscada pelo noticiário matinal da televisão enquanto pai e filha tomavam café juntos.
— Um estranho e intenso incêndio perto da Praia da Gaivota deixou turistas horrorizados. Os bombeiros foram acionados e a luta para conter as insistentes chamas continua... Esperem, temos ao vivo um chamado de Suelen Couto, nossa repórter. Diga, Suelen, como anda o trabalho dos bombeiros?
— Nada bom, Gabriela, o fogo parece não se entregar aos jatos d'água dos caminhões, ele está avançando cada vez mais.
Uma explosão aconteceu ao vivo.
— Gabriela, Meu Deus, um dos caminhões dos bombeiros acabou de ser atingido pelo fogo, ele explodiu Gabriela, repito, o caminhão explodiu!
Uma segunda explosão foi ouvida, e logo em seguida, a transmissão caiu.
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Evablue - O chamado das águas. Volume 1
FantasyMudando-se de Porto Alegre para Tocantins, Isis enfrenta a nova rotina de viver sem amigos e também sem a companhia de sua mãe. Mas os ares mudam quando ela conhece alguém que mudará o seu destino para sempre. Alguém que você só tenha ouvido falar e...