13 - A PIOLHENTA DO JIGUÊ

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No outro dia por causa da machucadura Macunaíma amanheceu com uma grosseira pelo corpo todo. Foram ver e era a erisipa, doença comprida. Os manos trataram dele bem e traziam diariamente pra casa todos esses remédios pra erisipela que os vizinhos e conhecidos, todos esses brasileiros aconselhavam. O herói passou uma semana de cama. De-noite sonhava sempre com embarcações e a dona da pensão quando vinha de-manhã por amor de saber como ia o herói dizia sempre que embarcação significava na certa viagem por mar. Depois saía deixando sobre a cama do enfermo o Estado de São Paulo. E o Estado de São Paulo era um jornal. Então Macunaíma gastava o dia lendo todos esses anúncios de remédios pra erisipa. E eram muitos anúncios!

No fim da semana o herói já estava descascando bem e foi na cidade buscar sarna pra se coçar. Andou banzando banzando, e muito fatigado por causa da fraqueza parou no parque do Anhangabaú. Chegara bem debaixo do monumento a Carlos Gomes que fora um músico muito célebre e agora era uma estrelinha do céu. O ruído da fonte murmurejando na tardinha dava pro herói a visagem das águas do mar. Macunaíma sentou no parapeito da fonte e assuntou os baguais marinhos de bronze chorando água. E lá na escureza da gruta por detrás da tropilha presenciou uma luz. Fixou mais e distinguiu uma embarcação muito linda que vinha boiando sobre as águas. "É uma vigilenga" murmurou. Porém a nau vinha chegando cada vez maior. É um "gaiola" murmurou. Mas o gaiola vinha chegando tão grande tão! que o herói deu um salto sarapantado e gritou na boca-da-noite ecoada "É um vaticano!" O navio já vinha bem visível por detrás dos baguais de bronze. Tinha o corte da velocidade no casco de prata e os mastros inclinados pra trás estavam cheios de bandeiras que o vento da correria imprensava entre as lâminas de ar. O grito chamara os choferes da esplanada e todos curioseavam o gesto parado do herói e seguiam o risco do olhar dele batendo na fonte escura.

– Que foi, herói?

– Olha lá!... Olha o vaticano macota que vem vindo sobre as águas imensas do mar!

– Aonde!

– Por detrás do cavalo de estibordo!

Então todos viram por detrás do cavalo de estibordo o navio chegando. Já estava bem perto e ia passar entre o cavalo e a parede de pedra, já estava na boca da gruta. E era um navio guaçu.

– Não é vaticano não! é o transatlântico fazendo viagem por mar! gritou um chofer japonês que já fizera muita viagem por mar. E era um transatlântico enorme. Vinha iluminado, relampeava todo de oiro e prata embandeirado e festeiro. Os óculos das cabinas eram colares no casco e nos cinco deques empoleirados corria música entre a gentama dançando mexida no cururu. A choferada comentava:

– É do Loide!

– Não, é da Hamburgo!

– Vá saindo! 'tou percebendo! então! É il piróscafo Conte Verde em vez!

E era o piróscafo Conte Verde sim. E era a Mãe d'Água que vinha bancando piróscafo pra atentar o herói.

– Gente! adeus, gente! Vou pra Europa que é milhor! Vou em busca de Venceslau Pietro Pietra que é o gigante Piaimã comedor de gente! que o herói discursava.

E toda a choferada abraçava Macunaíma se despedindo. O vapor estava ali e Macunaíma já pulara no cais da fonte pra subir a escadinha do piróscafo Conte Verde. Todos os tripulantes na frente da música acenavam chamando Macunaíma e eram marujos forçudos, eram argentinos finíssimos e eram tantas donas lindíssimas pra gente brincar até enjoar com os balangos das ondas.

– Desce a escadinha, capitão! que o herói exclamou.

Então o capitão tirou o cocar e executou uma letra no ar. E todos, os marujos os argentinos finíssimos e as cunhãs lindíssimas pra Macunaíma brincar, todos esses tripulantes soltaram vaias macotas caçoando do herói enquanto o navio manobrando sem parar dava a popa pra terra e flechava de novo pro fundo da gruta. E todos aqueles tripulantes viraram doentes com erisipa sempre caçoando do herói. E quando o piróscafo atravessou o estreito entre a parede da gruta e o bagual de bombordo a chaminezona guspiu uma fumaçada de pernilongos, de borrachudos mosquitos-pólvora mutucas marimbondos cabas potós moscas-de-ura, todos esses mosquitos afugentando os motoristas.

Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928)Onde histórias criam vida. Descubra agora