Prólogo - O Banimento

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Obá, uma das mais poderosas e temidas orixás que já pisara sobre a Terra, sentia-se incompleta. Ela percebia que seu marido, o também orixá Xangô, tinha predileção por suas outras duas esposas, Oxum e Iansã, em detrimento dela própria.  Apesar de todo o seu poder, por mais inacreditável que parecesse, Obá sofria de amor.

- Obá, querida, parece triste. O que houve? - questionou Oxum ao vê-la chorando.

- Sim, tem razão. Estou triste...

- Pois então, diga-me. Quem sabe eu não possa ajudar a aplacar sua angústia.

Obá respirou fundo. Era sempre difícil para qualquer um, seja um deus ou um mero mortal, admitir suas próprias fraquezas.

- Noto que nosso marido tem dedicado mais tempo e amor a você e à Iansã do que a mim. Tento não me importar. Tento não sentir inveja, mas...

- Obá, não sinta inveja de nós - disse Oxum. - Sabe que sua beleza é inigualável.

De fato, a beleza estonteante de Obá era conhecida até nas mais longínquas terras. A orixá ostentava uma pele caliginosa e, ao mesmo tempo, brilhante, além de um olhar que conseguia atravessar a alma de qualquer homem ou deus.

- De que importa a beleza? Xangô parece não se interessar por mim com a mesma intensidade que por vocês. Preciso saber, Oxum: qual o seu segredo para que Xangô lhe ame tanto?

Oxum sorriu.

- É simples, Obá. Para que Xangô lhe ame, basta preparar um suculento amalá e misturar nele um ingrediente especial...

- Por Olorun, me diga qual é esse misterioso ingrediente!

- Sua orelha, minha querida.

- Minha orelha? - questionou Obá, surpresa com a resposta.

- Isso mesmo. Foi o que fiz para ganhar tamanho amor. É um símbolo de devoção e apreço a Xangô. Por isso eu sempre uso turbante, para esconder a minha orelha decepada - contou. - Mas não se sinta pressionada. Faça isso apenas se realmente quiser o afeto ilimitado de nosso marido.

Obá não tinha dúvidas quanto a isso. O amor incondicional de Xangô era o que a orixá mais desejava.

- Se esse é o preço do amor, assim o farei.

Durante a tarde, Obá preparou aquele que era o prato predileto de Xangô. Junto aos camarões e ao quiabo picado, colocou também sua orelha direita, que decepara com sua própria faca de guerra.

Ao sentir o cheiro do amalá, Xangô sorriu. Obá, vestindo um turbante que lhe tampava a orelha decepada, retribuiu seu sorriso. Oxum e Iansã também se encontravam por perto. Xangô pegou uma colherada do alimento. Para seu espanto, porém, ele avistou uma orelha inteira misturada à comida.

- Por Olorun, o que é isso, Obá?

- O símbolo do meu amor por você - afirmou, contente, com uma leve reverência.

Xangô, enojado, vomitou antes mesmo de provar o amalá.

- Você só pode estar delirando, Obá!

A orixá não compreendia. Afinal, fez tudo conforme havia sido orientada. Nesse momento, ela vê Oxum sorrindo, retirando o próprio turbante da cabeça. A outra esposa havia lhe enganado. Ela ostentava as duas orelhas em seu corpo.

- Foi ela, Xangô. Oxum me enganou! Eu só queria o seu amor! Eu só queria me sentir amada! - chorava.

- Amor? Você é digna de pena, Obá! Está expulsa de nosso reino de Oyó até que aprenda o verdadeiro significado de amor! - ordenou Xangô.

Oxum sorriu. Ela havia, enfim, se livrado de uma das esposas.

- Não, não faça isso! Eu lhe imploro, Xangô! Não prefira Oxum a mim!

- Eu não farei isso - respondeu ele -, já que ambas não são dignas de viverem comigo.

- Como assim? - surpreendeu-se Oxum.

- Obá só poderá voltar quando compreender o que é amor. E você, Oxum, apenas quando entender o verdadeiro significado de bondade.

- Não, não faça isso! - pedia Obá.

- Não conseguirei viver sem você, Xangô - desesperava-se Oxum.

Xangô posicionou a palma de suas duas mãos na direção de suas duas esposas banidas. Em poucos segundos, ambas sumiram, expulsas do reino de Oyó até aprenderem, cada uma, sua própria lição.

Os Deuses Não Sabem AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora