Capítulo 3 - Um Monstro pela Metade

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A deusa e a humana chegaram ao vilarejo. Os pais de Etana lhe abraçaram, chorando, como se aquele fosse o último adeus.

– Acalmem-se, meus pais! – disse Etana, sorrindo. – Felizmente, eu trouxe comigo uma grande ajuda. Os deuses, enfim, ouviram nossas preces!

A humana deu espaço para que a própria orixá se apresentasse. Os pais de Etana lançaram-lhe um olhar de curiosidade.

– Prazer. Eu sou Obá, deusa da guerra e do poder. Venho para ajudar a todos vocês.

O casal e mais alguns moradores do vilarejo que ouviram as palavras da orixá ajoelharam-se. Alguns beijavam seus pés em sinal de agradecimento e devoção.

– Não sabe o quanto sua presença nos alegra, ó grande Obá! – disse um.

– Grande Obá, por favor, derrote o monstro Hai-Uri e nos tire desse tormento! – pediu outro.

Quanto mais os minutos se passavam, mais pessoas se ajoelhavam e reverenciavam a deusa. Obá sentia-se lisonjeada com tal devoção, mas sabia que já não era mais tão forte quanto antes. A tristeza pela ausência de Xangô lhe enfraquecia mais e mais. Apesar de todas as dúvidas, porém, ela ainda era uma divindade e sabia disso. Por esse motivo, não temeria nada, muito menos um monstro pela metade. Ela salvaria a todos do vilarejo e também àquela humana tão especial.

– Não se preocupem! Eu derrotarei Hai-Uri e libertarei a todos! – prometeu.

O povo lhe aplaudiu em êxtase. Era a primeira vez em muito tempo que a população daquele vilarejo poderia nutrir uma chama de esperança por dias melhores.

O barulho dos aplausos e da festa, porém, camuflara a chegada da criatura. Sem que nenhum deles percebesse, Hai-Uri surgiu da floresta, sedento por mais uma refeição.

– Não acham que estão alegres demais para um povo amaldiçoado por mim, o terrível Hai-Uri? – gritou o demônio.

Aquela era a primeira vez que Obá avistava tal criatura. As lendas não mentiam. O monstro saltitante era um ser pela metade: uma perna e um longo rabo cobertos de pêlos; braço e mão animalescos; além de dentes e garras gigantes que, certamente, eram letais aos humanos.

– Eu quero a humana! A humana completa! Entreguem-na para mim ou sentirão a minha ira!

Assustados, os moradores do vilarejo se afastaram. As únicas que permeneceram imóveis foram Obá e Etana.

– Nada disso! – falou a deusa. – Eu protegerei Etana e a todos dessa vila, criatura desprezível!

– E quem é você que ousa me desafiar? – questionou o monstro, sem ter a mínima ideia de quem era a mulher a sua frente.

– Eu sou Obá, deusa da guerra e do poder. E esse, Hai-Uri, é o seu último dia de vida!

O olho da criatura se arregalou em espanto e medo. Ele teria de enfrentar não apenas uma deusa, mas uma das orixás mais poderosas de todas. Obá lançou seu grito de fúria. Hai-Uri mal teve tempo de se defender quando a deusa lhe desferiu o primeiro golpe, um tapa de mão aberta que lançou seu corpo diretamente contra o tronco de uma árvore. Apesar de tudo, Obá continuava extremamente forte, e o monstro parecia não ter chance alguma nessa batalha. Ela deu mais um soco, dessa vez diretamente no meio-rosto do inimigo. O corpo do monstro se afundou dentro da madeira da árvore devido à força do golpe.

Mesmo muito ferido, Hai-Uri não se daria por vencido. Ele decidiu lutar até o fim, ainda que as chances de vitória fossem praticamente nulas diante de tamanho poder de sua adversária.

A orixá segurou o monstro pelo pescoço, preparando-se para o golpe fatal. Nesse momento, a criatura reuniu toda a força que ainda lhe restava e, com o rabo, desferiu um golpe na cabeça de Obá. Ainda que a deusa não tivesse sentido qualquer dano significativo, o movimento realizado pela criatura causou outro efeito: o golpe retirara o turbante da cabeça de Obá, descobrindo sua orelha decepada.

Os Deuses Não Sabem AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora