– Bernardo?
Desperto da minha fantasia com a Narcóticos Anônimos, a colega ao
lado que sempre esqueço o nome me chama. Ela aponta com os olhos o
telefone que não para de tocar em minha frente.
– Desculpa, eu estava longe. – Pego o telefone e levo até o ouvido. –
Star TV, no que posso ajudar?
Às vezes imagino que tenho um dom. De viver as coisas sem precisar
vivê–las de fato. Imagino como seria se eu fosse a lugares, conversasse com
pessoas, muitas vezes imagino diálogos inteiros entre mim e outra pessoa e
quando percebo me sinto íntimo. Deve ser a vigésima vez que eu vivencio
uma experiência com a narcóticos esta semana. É melhor continuar vivendo
minha vida normal, do que continuar com todo esse nheim nheim nheim de
largar as drogas. Eu não faço mal a ninguém, exceto a mim.
Tic? Tac! Tic? Tac! Tic? Tac!
Já está quase na hora de sair do meu trabalho, e minha ansiedade é
aparente, não consigo tirar os olhos do relógio, o barulho dos ponteiros
soa em minha cabeça, como um diálogo interminável de duas entidades.
Loucura, eu sei. E ainda nem estou chapado. Ainda.
Hoje é sexta, o que torna meu desespero pra ir embora ainda maior.
Não que eu odeie meu trabalho, mas aqui todos se cumprimentam, mas
ninguém se conhece de verdade. Um dos meus passatempos, além de observar
o relógio, é tentar imaginar o que cada um faz fora dali. O senhor
da limpeza, o gerente metido, a gostosa da secretária...ah, a gostosa da
secretária...como eu adoro imaginar o que ela faz fora daqui.
Meu nome é Bernardo, tenho 22 anos, não espero nada da vida e não
esperem nada de mim. Eu me tornei a marionete que jurei nunca me tornar,
fui dominado pelo sistema capitalista. Fazer o que? A realidade bateu
à minha porta. Não faço faculdade e minha família me detesta. A única
parte interessante é que toco guitarra, e minha banda tem certo glamour
pela cidade. Sou conhecido na periferia, o único lugar que me faz bem.
Pronto! Já deu a hora. Às sete da noite de sexta, é quando meu dia
começa. Dou um salto da cadeira e arrumo minhas coisas o mais rápido
possível. Quase correndo bato meu cartão e saio, pego minha moto e
sumo pra longe desse lugar o mais rápido possível.
Periferia, 19:48, sexta feira
Faltam apenas 12 minutos pra começar o meu show, eu fui o único que
não ensaiou hoje, mas a banda entende o meu lado. Pelo menos eu espero
que sim. Acendo meu cigarro, cumprimento todo mundo e entro no
Olimpo. Entro no camarim, todos já estão me esperando. Minha banda
tem três membros além de mim: Jélly, a vocalista e guitarrista da banda,
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Epifania de Bernardo
ActionA Epifania de Bernardo é um livro para quem busca algo diferente nas narrativas e não foi feito pensado para um público específico, mas ousou na mistura de linguagens, estilos e gêneros. Tendo como referências Frank Miller, Admirável Mundo Novo e N...