Capítulo Sete

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Rodei a favela atrás dela, se eu em 6 anos não conhecia o Antares, hoje o Antares me conhecia. E como louca, parei em tudo que é bar, chopinga e mercadinho daqui, a maioria conhecia a minha mãe, mas a fama dela com certeza não era boa, e então eu não quis me aprofundar.

Passei num bar o senhor tentou me dizer discretamente que ela estava comprando drogas, mas ele não sabia como dizer isso pra mim. Eu fiquei até com um pouco de dó, era difícil alguém ter compaixão com as coisas dos outros, e aquele senhor parecia se preocupar.

Bruna: Tudo bem tio, ela tá na boca, valeu pela informação

Tiozinho: Menina não vai lá, aquilo não é lugar pra uma moça bonita como você. Daqui a pouco sua mãe volta.

Bruna: Eu realmente não queria ir, mas a minha mãe tem feito muita besteira - Se eu não perder tempo talvez não consiga resolver as coisas dessa vez.

Tiozinho: Boa sorte minha filha - caminhei até  próximo a linha do trem, a boca era discretamente intocada, os traficantes que não eram discretos. Fui adentrando o beco, logo na entrada estava o irmão da Kay.

Tiago: Tá fazendo o que aqui?

Bruna: Estou procurando uma pessoa - falei de cabeça baixa, tentando entrar, ele bloqueava a passagem.

Tiago: É namorado? Logo tu Bruna? Fala quem é que eu chamo pra você, mas você entrar ai é que eu não deixo

Bruna: Não - respirei fundo – É minha mãe, eu preciso entrar

Tiago: Caraca Bruna -espremeu os lábios, ele já pressentia que ia dar merda, mas ele não podia fazer nada a não ser me deixar passar. Ele foi na minha frente, colocando minhas mãos em sua cintura pra que eu o seguisse.

Eu estava impressionada com o lugar, como um beco daquele tinha aquela movimentação tão intensa. Troca de objetos valiosos pro drogas, ou até dinheiro, gente escorada nas paredes com a aparecia de um zumbi, até um morto com anos de decomposição tinha o cheiro e a aparência melhor que daquela galera. Eles me olhavam como se eu fosse carne, e eles animais famintos.

Conforme chegávamos ao local de compra, pude ver minha mãe trocando ideia com um homem que estava num sofá com uma mesa a sua frente, ela tentava comprar e ele negava. Era o Wallace.

Wallace: Tu não tá me devendo o suficiente não o Raquel?

Mãe: Eu to com umas paradas aqui pra trocar cara, quebra essa ai, to desde cedo desenrolando com vocês, não to entendendo qual dessa treta que vocês não querem me vender. - ela gaguejava, eu estava impressionada com a coragem e cara de pau dela. 

Wallace: Da onde tu arruma essa tralhas, Raquel? - disse examinando meus objetos, meu cordão estava servindo de mercadoria na mão deles.

Mãe: É coisa boa, esse cordão é de ouro ta vendo? Veio do meu ex marido - Ai eu não aguentei, sai esbarrando em todo mundo e parei do lado dela.

Bruna: Mas tu é uma cara de pau né, Raquel? - ela virou assustada, mudou de cor ao me ver

Wallace: Qual foi espera sua vez ali - apontou para um canto

Bruna: Ah oi? Com licença, só um momento, tá? - virei pra ela

Mãe: Eu posso explicar, filha.

Bruna: Você está vendendo as coisas de casa pra se drogar? É isso ou eu to vendo demais?

Wallace: Roupa suja se lava em casa, não é aqui não. Rala as duas.

Bruna: Já estou saindo - disse pegando o cordão de cima da mesa - Só vim buscar isso.

Wallace: Isso aqui fica, pra pagar o que ela ta devendo aqui. - pegou da minha mão

Bruna: Oi? Isso é meu. Ela não tem direito algum de vender uma coisa que não a pertence.

Wallace: Isso é problema seu e dela. - eu comecei a tremer

Bruna: Quanto ela tá devendo ai?

Wallace: 1.989 reais, e mesmo se eu ficar com esse cordão ainda vai ficar devendo 1.000. 

Bruna: Oi? Tu andou acendendo algo folheado a ouro? - o Wallace riu e o Tiago tentou segurar o riso. E eu estava uma pilha, porque eu tinha de onde tirar esse dinheiro, mas não queria mexer. Já a minha mãe permanecia estática.

Wallace: Tu é uma gata, sem neurose. Tanto que eu chego a ter dó de você, mas eu não sou de ajudar. O máximo que eu posso fazer por você é esperar até amanhã por esse dinheiro que falta. Porque se não, eu vou ter que ir na sua casa fazer a cobrança

Bruna: Eu tenho até amanhã, né? Já é - Sai dali desolada, além de perder meu cordão, perdi o 1% de confiança que eu ainda tinha na minha mãe. Ainda teria que morrer em 2.000 reais. Sim, dois mil reais porque eu não ia deixá-lo ficar com meu cordão.

Mãe: Bruna.. filha! - continuei andando – Desculpa - Não a respondi.

Cheguei em casa, peguei minha mochila, comecei a encher com as minhas roupas, que não eram muitas.

Mãe: Filha, me desculpa. - Continuou repetindo aquela frase

Bruna: Desculpa pelo quê? Por me roubar? Por me abandonar? Por não reconhecer meus cuidados? Por achar que eu tenho a obrigação de cuidar de você? Ou por acabar com minha vida? pelos meus sonhos que você destruiu? Pelo seu grande egoísmo. Você acha que nesses anos eu não sofri? Você acha que quando meu pai foi embora só você sofreu? Não, mas eu engoli o choro todas as noites durante toda a minha vida pra não te dar mais motivos pra sofrer, mergulhei em meus medos até aprender a nadar, tudo isso pra ser a sua salva vidas. Aprendi a cumprir o papel de mãe mesmo sendo filha, tudo isso só por você. Mas agora não dá mais

Mãe: Filha, você vai me deixar? O que eu vou fazer sem você filha? Me desculpa meu amor, eu prometo eu vou tomar jeito filha. - se ajoelhou, me implorando.

Mas o meu coração não se sensibilizava com aquela cena. Que Deus me perdoe por isso. Mas meu coração doía demais, tanto, doía tanto.

Bruna: Santo de casa não faz milagre. Eu não posso mais fazer isso mãe, você teve tempo o suficiente pra isso, eu podia te ajudar, quantas vezes eu pedi pra que você se internasse. Quantas vezes eu te pedi pra irmos embora daqui mãe? Você pode até mudar algum dia, mas não por minha causa, você não me ama o suficiente pra isso, muito menos me considera o suficiente pra mudar por minha causa. Talvez alguém entre na sua vida, e te faça querer sair dessa. Mas essa pessoa não foi eu, mas eu fiz o que podia. - ela permaneceu calada - Fica tranquila, vou pagar a tua dívida, e o dinheiro da bolsa família vai continuar contigo. De fome você não vai morrer

Mãe: E você vai pra onde? - sentou no sofá com o olho cheio de lágrimas.

Bruna: Essa noite vou passar aqui. Amanhã é outro dia, eu me viro.

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