Em nenhum momento deixei de acreditar que daria a volta por cima depois de tudo o que me aconteceu. O vitimismo não andaria mais ao meu lado a partir daquele momento.
A mochila pesada em minhas costas, à caminho de um lugar desconhecido, para casa de um estranho, todas as ações que me causaram dor em um replay mental infernal, nada daquilo me tirou a esperança de um amanhã melhor. Estava ciente que, para finalmente ter contato com a verdadeira felicidade, teria que lutar e sacrificar muito mais de mim. E por isso, não desisti.
Carlos, era um garoto só um pouco mais velho que eu, 21 anos. Em alguns meses eu faria 18 anos e nem tinha terminado os estudos ainda.
Me cedeu um quarto, e nele tinha cama, guarda-roupas, ventilador e até uma tv. Disse que eu poderia ficar o tempo que precisasse, que antes de meu irmão voltar para casa de minha mãe, aquele era o quarto dele. Não pretendia ficar ali por muito tempo.
Passei a procurar emprego, e não deixei de ir à escola mas mudei de escola e de turno, fui para o turno da noite. Dois ônibus na ida, e para voltar, descia do ônibus sem pagar. Umas semanas depois, os motoristas notaram o que estava fazendo e não consegui mais fazer meus truques para não pagar.
Continuei indo à aula de busão, mas voltava a pé, por falta de grana. A aula terminava às 22:40h, chegava na casa de Carlos meia noite.
Estudar a noite é bem estranho. A maioria das pessoas da sua turma são repetentes, pais e mães de primeira viagem, pessoas que trabalham durante o dia, idosos ou pessoas que voltaram a estudar depois de anos longe da escola, e eu era minoria entre eles.
Voltando a falar do meu mais novo amigo, a cada dia que passava, prestava mais atenção nele. Carlos era misterioso, não sabia exatamente com o que trabalhava, nem pretendia perguntar, acho um pouco invasivo. Saía quase todos os dias e nem sabia os lugares que ia, também achei melhor não abrir a boca, afinal, estou em sua casa de favor.
Acordava com o café feito e o pão, leite, manteiga, queijo e presunto já na mesa, tudo bonitinho. As 06:40 ele já estava arrumado para sair, e sempre dava um sorriso, perguntava se tava bonito e em seguida saía porta a fora. Queria muito saber mais sobre ele.
Um padrão como ele, alto, branco, magro e de olhos claros, com certeza tem algo grande para já ter sua casa própria e ser bem ocupado. A curiosidade era tanta que já não me cabia mais.
Tentei entrar em seu quarto, mas a porta estava trancada, era óbvio que estaria, mas quis tentar e, sem sucesso.
Ensaiei várias vezes perguntar a ele sobre, tal hora, a vergonha me barrava. E sem contar que ele parecia nem ter interesse sobre minha vida também, nunca me perguntou nada além de "como tá seu irmão?" no dia que cheguei em sua casa. Mas tinha certeza que teria a minha chance e foi i que aconteceu.
Numa quarta, antes de sair para escola, ele me avisou que uns amigos dele iria aparecer para assistir o jogo. De boas.
Quando cheguei da aula, o jogo já tinha acabado, as ruas estavam uma loucura, pois era um Clássico-Rei.
Nunca tinha visto antes a cidade em caos como vi neste dia. Ônibus sendo apedrejado, brigas de torcedores em todos os lugares, carros de som no máximo nas esquinas, vi sangue em calçadas, cacos de vidro no meio da pista, gente correndo em meio a troca de tiros (inclusive eu tive que correr também).
Já não conseguia mais identificar a diferença do barulho de tiro, fogos e bomba, para mim, tudo era disparo de arma de fogo. Só queria me jogar em cima da cama e apagar até o dia seguinte. Entretanto, lembrei que os amigos de Carlos estariam lá, como iria conseguir dormir? É singles, não ia dormir.
Uma parte da galera estava feliz e outra triste, nem sei qual time ganhou mas deu para perceber que nem todos eram da mesma torcida. Dei boa noite para eles, que eram uns dez mais ou menos e fui ao quarto sem puxar conversa com ninguém.
Tomei um banho, troquei de roupa e fui à cozinha para comer algo, quando Carlos apareceu.
- Se quiser, pode chegar na gente. O jogo já acabou, vamo ouvir música continuar bebendo e quem sabe, sei lá, usar algo. - Comentou.
- Usar algo? - estranhei. - Tipo o quê?
- O que você usa?
- Nada. Nunca usei nada ilícito.
- Quer experimentar?
- Não sei. - nervoso respondi.
Pra falar a verdade, eu gelei. Esqueci até o que tinha ido fazer na cozinha.
- Vamo, tu vai gostar. Nem precisa se preocupar em pagar nada. O que é meu, é seu, e é todo de graça.
Ele apenas me puxou e colocou seu braço sobre meu ombro e me levou à sala.
- Olha quem vai perder o cabaço hoje, minha gente! - ele gritou para todos com um sorrisão. - Relaxa, que eu não tô falando do cu!
Todos começaram a rir.
Sentei em meio a dois de seus amigos no sofá de frente a tv e a na mesa de centro, nela, tinha dois celulares com carreiras de cocaína, um dichavador sujo aberto e algumas seringas ainda lacradas. Ascenderam algo, senti um cheiro forte, olhei para a direita e era maconha.
- O que quer provar primeiro, parceiro? - um dos amigos me pergunta. - Pó, beck ou um doce?
- Não sei. - respondi ainda tímido e bem nervoso.
- Dá uma puxada no beck primeiro, que aí, depois que tu relaxar, tu pega e dá uma cheirada do branco, entendeu? Pra ficar logo ligado, tá interado? - o cara da poltrona começa a falar com sotaque e várias gírias - Tu pelo menos bebe? Porque se tu não beber, né? Tu vai curtir é nada, ta entendeno? - falou com um tom de deboche.
Na verdade, estava entendendo o que diziam, mas algumas palavras não faziam sentido. Me perguntei várias vezes se ainda estava na mesma cidade onde cresci. Aquele era o meu primeiro contato com pessoas fora da bolha que costumava viver, normal o estranhamento.
Mas quando a maconha finalmente chegou em minha mão, me falaram pra sugar, segurar a fumaça na garganta e prender o nariz pra não deixar escapar, e quando já não conseguia mais, soltei e em seguida comecei a tossir.
Passei um tempão tentando parar e não conseguia, enquanto eles riam da minha situação, falaram que era normal.
Não esperava sentir minha testa gelada, uma tontura estranha acompanhada de leveza enquanto meus olhos ardiam e pesavam como nunca antes.
Quando tentei falar, quase não tinha força mas consegui expulsar duas palavras arrastadas como se estivesse com muito sono.
- Quero mais!
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Meu Pastor
Ficção AdolescenteRafael, um jovem rebelde que cresceu numa igreja evangélica onde era obrigado a frequentar pela própria mãe, Dona Glória. Mesmo não gostando do lugar se tornou um dos jovens mais destacados do grupo de adolescentes. Elton é um pastor sério, casado e...