Capítulo 1

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Ela sempre tinha esse mesmo sonho. E o pior de tudo era saber, que era um sonho e senti-lo como se tudo tivesse acontecendo, todas as vezes. Seus pés afundavam na areia do deserto e o vento frio; eriçava sua pele. A lua-cheia deixava tudo mais claro. A imensidão vazia, em uma imagem quase surreal, a areia dançava com o vento gélido.
Seus pés cansados, apenas lhe sustentavam. Estava tão cansada. Mas, as lágrimas que escorriam pelo seu rosto, eram o que mais pesavam.
Ela cai de joelhos no chão, o baque fazendo seus ossos doerem, mas a maior dor estava em seu coração. Os soluços eram frenéticos e as lágrimas encharcavam seu rosto, nublando sua vista.
Ao longe ouviu o relincho dos cavalos, seus cascos afundando na areia. Ela sabia que sua hora havia chegado. Aquele seria seu fim. Mas, não tinha medo, apenas dor e culpa.
O que havia feito não tinha perdão.
“Eu mereço morrer, eu mereço sofrer...” sussurrou a jovem aos prantos.
O grito dos soldados ecoou pelo vale. Dois deles pararam logo atrás dela, o golpe foi certeiro, nas costas, ela caiu na areia, o gosto de sangue na boca. A dor era pungente, ela apertou as mãos na areia, manchando-a de sangue...
Houve um forte estralo, no começo tudo era o ruído em sua cabeça. As ideias se cruzando e discutindo o que tinha ou não sentido, eram milhares de vozes gritando.
Diana acordou em um sobressalto, sentada na cama, sua pele estava fria, levou as mãos ao rosto, secando as lágrimas que ainda escorriam.
_ Esse sonho de novo..._ murmurou aflita.
Olhou para o relógio, que marcava as cinco da manhã. Revirou na cama, mas seu corpo estava dolorido, e não era fisicamente. Levantou, indo ao banheiro e molhou o rosto. Forçou sua mente a lembrar do sonho, mas ela sabia que algo estava diferente. O sonho tinha ido além do de costume. Desta vez, houve os homens sob os cavalos, os xingamentos, ela franziu o cenho a esse pensamento.
_ Aqueles gritos pareciam xingamentos...
Mas, nunca chegara até aquele ponto, durante anos sonhou que vagava aquele deserto frio aos prantos, e do nada a vida lhe trouxera mais do que esperava. Chacoalhou a cabeça, como se assim pudesse se livrar de tais pensamentos que a atormentavam.
Passou pela sala, ligando a TV. O jornalista falava as primeiras notícias. Ela se espreguiçou.
_ Bom dia_ disse em retorno a saudação do jornalista.
Indo a cozinha, preparou o café, enquanto torrava o pão, esse era seu ritual matinal. O cheiro de café impregnou o pequeno apartamento. Banhou-se rapidamente, vestindo seu jeans mais confortável e uma blusa regata, que deixava à mostra suas várias tatuagens, entre elas, o olho de Hórus, que apareceu quando ela amarrou o cabelo em um rabo de cavalo. No pulso, os cartuchos egípcios de Tutankhmon e Ankhesenamon. Embaixo de sua orelha direita havia uma estrela, que ela dizia ser Sirius.
Sua paixão pelo Egito surgira muito cedo, quando tinha cinco anos, estava na sala de espera do dentista, sua mãe estava aflita e pedira para ela pegar uma revista. A criança, que se encontrava entediada, passou a mão pela pilha de revistas, haviam modelos, atrizes, até que uma imagem diferente lhe chamou a atenção. A figura era dourada de um rosto esculpido, os olhos da menina brilharam, ela pegou a revista e passou os dedos pequenos nas figuras, ainda não sabia ler, mas naquele momento a paixão que nasceu em seu peito a consumiu e desde então não parou.
Hoje, uma arqueóloga formada na USP, se especializou em egiptologia, trabalhava no museu nacional do Rio de Janeiro, traduzindo papiros antigos, restaurando peças e fazendo palestras. A emoção que ansiava ao assistir filmes nunca chegou, mas a paixão pelo oficio a fascinava.
A morena, serviu uma xicara grande do liquido preto e um miado chamou sua atenção. Na janela da sala, que dava para a sacada, estava sua gatinha preta.
_ Bastet!_ chamou ela, aproximando-se do animal, que ronronou a sua presença.
Ela a acariciou, e a gata pediu por mais carinho:
_ Como foi sua noite, Bastet? Agitada?
A gata miou, mordiscando o dedo da dona. Diana suspirou:
_ Pelo menos uma de nós tem uma vida amorosa agitada.
Sua mente vagou para seus relacionamentos falhos, e o último, que a deixara com uma cicatriz na alma e no coração.
A mulher sorriu, quando a gata pediu por mais carinho, e apenas bebeu mais de seu café fumegante.
Pegou seu celular, assustando-se, haviam vinte chamadas perdidas do Professor João Siqueira e as mensagens de “olhe seu email”, o ponto de exclamação, chamou sua atenção, ele nunca o usava e isso só demonstrava que o assunto era urgente.
Diana mordeu o lábio, ela não queria confusão. Pegou seu notebook e abriu o email e quase cuspiu sua bebida, quando leu. A notícia fora reenviada de um e-mail original, e dizia:
“Somos da Organização Patel, e estamos por trás das atuais descobertas em Deir El-Bahari, a KV 83. Onde um sarcófago desconhecido foi encontrado, a tumba estava intacta, encontramos papiros, esculturas e estelas com diversas inscrições ainda desconhecidas. Confiando em seu sigilo e tendo em vista seus trabalhos anteriores, o Sr. Patel, nosso CEO, escolheu o Phd João Siqueira e sua equipe, incluído a mestre em arqueologia Diana Lopez, a qual seu trabalho chamou a atenção do Sr. em questão.
Confiando em seu sigilo, destinaremos as relíquias ao museu do Rio de Janeiro para análise e tradução dos escritos. Atentamente, Oliver Green, diretor geral da Organização Patel. ”
Diana pulou em seu celular e mal se importando pela hora, ligou ao professor. Ele atendeu no segundo toque.
_ Pelo visto, você leu o email_ disse o homem ao atender.
Diana ainda olhava para a tela do notebook, incrédula:
_ Me diz, isso é uma pegadinha? Pois não vejo motivo para um magnata indiano saber sobre nosso trabalho.
Ela sentiu o professor revirando os olhos, mesmo sem ve-lo.
_ Não seja incrédula, sua tese sobre Tutankhamon e o vale dos reis; foi muito bem feita.
_ Você não entende..._ ela levou as mãos à cabeça, nervosa_, não sei se estou apta para esse passo, eu mal sei ler hieróglifos, sou a egiptóloga que nunca foi ao Egito. Tudo isso parece ser bom demais para ser verdade.
_ Não seja boba, Diana. Essa é nossa oportunidade.
A jovem sentiu seu alarme interior piscar, e isso só havia acontecido duas vezes em sua vida. Na primeira vez, estava na primeira série, era o dia da apresentação do teatro, e Diana estava feliz, pois interpretaria Narizinho do Sítio do pica pau amarelo. Quando subiu ao palco, teve aquela sensação, como se alguém gritasse em um canto de seu cérebro. Olhou para seus colegas confusa, e mal conseguiu dizer suas falas. E quando seu colega que interpretava Pedrinho subiu na árvore cenográfica, teve certeza do que aconteceria, o menino pisou em falso, caindo de três metros de altura, quebrando o braço.
A segunda vez foi aos seus dezesseis anos, Diana saia da escola, cabisbaixa atravessava o estacionamento cheio de carros, seu pai a sua frente. Aquele tinha sido a noite da feira de ciências. Diana fizera seu melhor, uma maquete das pirâmides, com direito a esfinge, areia, camelos e bonequinhos. Porém, seu esforço e dedicação não ganharam nenhum premio.
_ Não fique assim, filha, na vida temos que esperar de tudo e uma delas, é que nem sempre seremos os vencedores.
Ela fez beicinho, estava nervosa, inconformada:
_ Eu me esforcei tanto, queria mostrar a todos como eram as pirâmides!
_ Eu sei, minha pequena_ ele passou o braço ao redor dela_, sei o quanto é talentosa e não importa que os outros não saibam, o importante é que você seja uma ganhadora, aqui.
Lhe indicou sua cabeça e logo seu coração. Só então ela se permitiu sorrir.
_ Quero lhe mostrar algo_ ele abriu a porta do carro para ela, que o encarou, desconfiada.
Foi quando ela sentiu, no canto de seu cérebro e parecia gritar. Diana ignorou, subindo no carro.
_ Aonde vamos?_ perguntou a garota, curiosa, enquanto deixava sua maquete no banco de trás e colocava o cinto de segurança.
_ Surpresa_ disse seu pai, piscando.
Depois de quinze minutos, o carro parou em uma ribanceira, a menina estranhou, tentando ignorar o alarme em sua cabeça.
_ Desça_ seu pai sorriu ainda mais, descendo do veículo.
Ela o obedeceu, e como de costume, colocou suas mãos nos bolsos de seu jeans.
_ Pai, esta não é uma boa hora para dizer que é um serial killer._ ela brincou, Vinicius riu.
_ Daqui se vê as estrelas.
Ele apontou para o céu, só então ela reparou em como o céu estava estrelado, cada luz brilhava como vagalumes na imensidão escura. Ela sorriu.
_ Está vendo, ali_ ele indicou_ as três Marias._ ela assentiu_, aquela estrela abaixo, a mais brilhante, é a estrela Sirius, cultuada e adorada pelo povo egípcio.
A garota ficou fascinada, seu pai nunca demonstrara interesse por sua obsessão, e agora estava ali, ensinando algo que ela não sabia.
_ Quero que siga seus sonhos e nunca desista.
Ela não sabia o que dizer, o apoio de seu pai era muito mais do que esperava, desde a morte de sua mãe, esse era seu maior desejo.
Foi quando um clique atrás do carro, chamou sua atenção, um homem apontava uma arma para ambos:
_ Me entreguem o carro, agora!
_ Calma, rapaz, temos uma criança, aqui_ disse seu pai, erguendo as mãos.
O homem balançou a arma:
_ Chave, ou mato ela!
Diana se escondeu atrás do pai, tremia de medo, sentia o medo no pai também, aquilo era real e seu alarme lhe avisara.
_ Aqui_ Vinicius se inclinou para entregar as chaves.
Mas, foi tudo muito rápido, o ladrão ouviu que um carro se aproximava, ele nem pensou, apenas atirou. Vinicius caiu de joelhos no chão.
_ Pai!_ a garota gritou.
O carro deslizou pela pista. Vinicius ainda estava vivo, sangrando na areia da ribanceira:
_ Pai, aguenta firme, vou pedir ajuda.
Ele segurou a mão da filha, respirava com dificuldade:
_ Fique comigo_ ele sangrava muito, o tiro acertara seu abdome.
_ Pai..._ ela sussurrou, segurando a mão do pai, que estava fria.
_ Olhe quantas estrelas brilham no céu_ Vinicius suspirou_, eu te amo, filha_ ele gemeu de dor, as lágrimas de Diana, nublavam sua visão.
_ Você fará grandes coisas, Diana, siga seu destino.
_ Não faça isso pai, não se despeça de mim._ ela acariciou seu rosto pálido.
Ele forçou um sorriso, voltando seus olhos as estrelas:
_ Um dia você saberá, Diana...
_ Saber o que, pai...
Ele respirou fundo e nesse instante, seu olhar ficou vidrado, Diana o sacudiu:
_ Pai! Pai!_ mas não houve resposta, ela gritou, chorou e o socorro demorou a chegar, porém Diana nunca soube o que seu pai queria lhe dizer, tudo virou um grande talvez.
Ela piscou, levando a mão ao peito, era como se a dor estivesse sempre ali, presente.
O alarme reverberou em seu cérebro mais uma vez. E ela continuou a falar com o Professor:
_ Eu só acho estranho o interesse desse indiano, em nosso trabalho.
_ Acabe logo com essa estranheza, o Sr. Patel nos fará uma visita esta tarde, vista seu melhor sorriso, não podemos perder essa chance.
Ele desligou. Diana recostou em sua poltrona, relendo o e-mail, ela sentia que algo muito grande estava para acontecer e desta vez não ignoraria seus instintos.

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Oi pessoal! Espero que tenham gostado, estarei postando toda segunda novo capítulo! Espero seus comentarios ansiosa! ❤

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