O encontro com a realeza

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  A melhor parte do meu trabalho era a satisfação dos clientes. Geralmente um ferreiro é conhecido por fazer espadas e lanças para a guerra, mas isso não se aplica a mim, sei que a maioria deles adora fazer espadas e armas bem detalhadas e personalizadas para a corte real e para os nobres cavaleiros. Porém eu não faço o mesmo por dois motivos:

-Eu não sou um ferreiro com alto poder aquisitivo.
-Eu odeio a realeza e as guerras por eles causadas.

  Eu estava trabalhando em algumas ferramentas de agricultura para um dos meus clientes quando ouço meu sino tocar, indicando que alguém adentra em meu recinto. Normalmente um camponês que precisa de algo banal, como uma foice ou talheres.
  Como de costume vou até minha bancada de recepção atendê-lo e me surpreendo com um jovem rapaz trajando as mais finas roupas do reino.

—De quem você roubou estas roupas meu jovem? — percebo o tom de acusação em minha voz.

—Não roubei, eu sou o príncipe do reino, o segundo filho de Dom Miguel, me chamo Eduardo. — responde-me o rapaz.

—Olha, se já terminou de brincar, diga logo o que quer ou vá embora.

—Posso provar, veja. — Eduardo mostra-me seu anel, que possuía em si o símbolo da realeza.

—Permitiria a mim analisá-lo? — digo ao perceber o encanto daquele anel.

—Não mesmo! Fui instruído a proteger isso com minha vida.

—Você também foi instruído a nunca vir até os plebeus sem permissão, certo?

Ele me encara com um pouco de desgosto. E com remorso me oferece o anel.

—Não acredito! É real, literalmente, nos dois sentido da palavra. O que Vossa Alteza faz num lugar como este? Não deveria estar se esbanjando com manjar numa cama de ouro ao lado de dezenas de mulheres?

— Nem todos os monarcas são assim, algu...

—Tá, tá, discurso pronto, saquei — o interrompo. — nem todos são assim blá-blá-blá, alguns tem um coração e etc, me responda o que fazes aqui.

—Eu fugi, ser um príncipe é chato, todos naquela corte só sabem esnobar e serem arrogantes, ninguém sabe se divertir de verdade.

—Típico de adolescente rebelde, vai dizer que lá todos o ignoram também?
Não precisa responder. — respiro fundo — Vai querer alguma coisa ou só veio me perturbar?

—Eu quero que você me forje uma espada.

  Abaixo a cabeça e fico sério, então começo a rir, rir sem saber porque como se eu estivesse rindo de mim mesmo, então me controlo e digo:

—Sem chance.

—O quê?! Por quê!?!?

—Odeio guerras.

—Mas eu não ia...

—Você sabe que ia— Mais uma vez o interrompo. — a única utilidade de armas são causar mortes, como aquele assassino em série, e todos os guerreiros, os ferreiros tem metade da culpa pelo sangue que é derramado nas guerras. —começo a ficar alterado — E É POR ISSO QUE EU ODEIO A REALEZA, NÃO SÓ A DE PORTUGAL COMO TODAS ELAS, A ÚNICA FUNÇÃO DELAS É PROMOVER O ÓDIO E MORTES QUE SÃO TODAS EM VÃO POR CAUSA DE CICLO INTERMINÁVEL DE DOR...

  Respiro fundo, percebo o quanto me irritei, o jovem príncipe me olha com medo.

—Vá para casa, sua família o aguarda.

—Não, me faça outra coisa então. — ele pede com uma cara de bobo.

—O que deseja?

—Eu quero... hã... Já sei! Eu quero um cinturão.

—Um cinturão? Pra quê?

—Pra te ajudar, naquela placa diz que é um dos itens mais caros. — ele aponta para a minha tabela de preços.

—Não preciso de regalias reais.

—Então não tolere como um presente, e sim como uma simples encomenda. Pode ser?

—Tudo bem garoto, agora é melhor você ir.

—Tchau senhor... — ele espera eu completar sua frase.

—Manoel, me chamo Manoel.

  Ele pega o anel de volta e sai pela porta, o sino toca desta vez anunciando a ida de um cliente.

  Sentado na minha mesa, reflito sobre o jovem rapaz, poderia eu usá-lo para me aproximar da realeza? Será que me tornaria uma pessoa ruim por isso? Não, eu apenas estaria fazendo justiça certo? Apenas causando o bem.

—Está decidido, vou me aproximar da família real por intermédio daquele garoto, e vou descobrir a verdade.

   Aquela provavelmente seria minha pior decisão na vida.

Crônicas de um ferreiro -  O Santo GraalOnde histórias criam vida. Descubra agora