Eduardo

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Estávamos na viagem já faziam alguns dias, o clima ficava mais pesado cada vez que nos dirigíamos ao Santo Graal. Não tivemos nenhum problema durante a viagem até agora, só algumas cidades libertas e fontes destruídas, fora isso nada.

—Então... esse silêncio é meio irritante não acham? —Eduardo, acaba com meus devaneios.

—Não me importo com ele, Dudu. — Isabel responde de uma forma que não condiz com o apelido que ela usou.

—Dudu? Assim que você vai me chamar?

  Isabel apenas concorda com a cabeça.

—O que você sugere para acabar com esse silêncio, jovem? — eu pergunto

—Que tal falarmos sobre a nossa infância?

—Minha infância não é uma coisa que eu gosto de lembrar. — eu realmente não gosto da minha infância.

—Já a minha, eu nem consigo lembrar.

—Mas eu lembro muito bem da minha. — Eduardo se exibe fazendo uma pose.

—Então começa aí, Dudu.

—O princípio de tudo foi o seguinte:

19 Anos atrás

Uma mulher está deitada numa cama, há cobertores e água em volta dela, parteiras a rodeiam, inquietas. Do outro lado da sala, o rei e sua esposa observam a mulher, o rei demonstra tristeza e decepção no seu olhar, mas não por causa da mulher, nem por causa da rainha e sim por si mesmo. A rainha entretanto demonstra raiva e desprezo, pelo rei e pela mulher.
O que houve aqui foi algo considerado comum, um homem insaciável e fora de controle, uma mulher ocupada, e uma mulher que não pode se defender.
Enquanto os dois observam o trabalho do parto, a grávida grita de dor, e faz força para conceber o milagre da vida.
Após algum tempo, ouvem-se os gritos e choros de um recém-nascido.

—É um menino! —diz a parteira.

—Posso vê-lo? —pede a mãe.

A parteira olha para o rei, como quem pede permissão, e ele apenas consente com a cabeça.
A mãe agora chora de alegria, lágrimas que antes foram chorados por desespero e tristeza:

—Seu nome vai ser Eduardo.

  Anos depois, o pequeno príncipe bastardo vive no palácio, com uma vida boa, comendo e bebendo do bom e do melhor. Mas isso era o suficiente? Não para ele, afinal, o príncipe nunca teve interesse em riquezas e boa comida, ele queria amor, amor que só sua mãe biológica deu.

—Eduardo, vamos brincar? —Dizia Pedro, o príncipe herdeiro.

Os olhos de Eduardo brilharam, o seu irmão queria brincar com ele?

—Vamos!! E o que vai ser?!?!?

—Eu chamo de "dê atenção ao bastardo porque seu pai mandou".

—O que? Meu pai nunca me chamaria assim!!

—Pergunta pra ele então.

—Pedro seu idiota!!!

—Oh não! Eduardo o bastardo me ofendeu. Mas ele é capaz de fazer algo além?

Eduardo levantou a mão, cerrou os punhos, encarou Pedro e pensou. Logo, ele largou os braços devagar, abaixou a cabeça e se virou, ele já tinha batido em Pedro antes, mais de uma vez e ouviu um grande sermão de seu pai, acompanhado de duas semanas trabalhando na cozinha e de uma boa surra:

"Eduardo, meu filho Pedro é o príncipe herdeiro, sou eu, e apenas eu, que decido se o que ele fez merece uma punição e somente eu posso aplica-la."

Já tentara argumentar de toda forma, nada fazia seu pai pensar diferente.
  O pequeno chegou ao ponto de receber olhares tortos até dos servos do rei e de seus filhos. Seus breves momentos de paz envolviam ele e seu arco o passar um tempo com sua mãe.
  Vê-la porém , não era fácil, pois ela não tinha permissão para adentar o castelo e ele não podia sair, apenas em ocasiões especiais eles se encontravam, daí veio seu hábito de fugir, tantas foram as vezes que ele escapava de seu quarto para ir ao encontro de sua amada mãe em busca do afeto.
  Já em sua adolescência a situação não mudou, mas Eduardo aprendera a lidar com isso,  ou pelo menos estava aprendendo até que ocorreu:

  Era um dia belo e ensolarado, o príncipe estava animado e bem disposto. Esperou o momento certo e começou sua fuga.
  Fez como de costume, desceu as escadas, aguardou a troca de turno dos guardas e partiu, os guardas que o encontravam na rua nem se importavam mais, chegando a casa de sua mãe, ele abriu a porta com um sorriso no rosto dizendo:

—Mãe, cheguei!!!

  Não houve resposta, ele não estranhou, era cedo, ela podia estar dormindo, continuou adentrando a casa e chamando por sua mãe.
  Ainda não havia resposta nenhuma, a medida que ele caminhava, a tensão aumentava. Ele estava nos fundos da casa, só faltava um cômodo, o quarto de sua mãe.
  Ele colocou a mão na maçaneta e pode sentir o peso do ar, sua cabeça girou mas ele manteve o foco e abriu a porta de uma vez.
  A imagem o fez querer vomitar, ele se ajoelhou no chão e derramou-se em prantos, a mãe  estava pendurada pelo pescoço, com uma cadeira perto dos seus pés suspensos. Na mesma havia um bilhete que ele leu enquanto soluçava.

  "Filho, me desculpe por não ser forte o suficiente , talvez quando for adulto você entenda, mas a minha dor nunca cessou, desde o dia que você nasceu. Olhar para você era um desconforto para mim, não pela pessoa que você é, até porque você é maravilhoso, mas pelo que você representa na minha vida. Um dia você vai entender tudo, me desculpe mais uma vez."

  Quando souberam do ocorrido, o rei e a rainha nem se deram ao trabalho de fazer um funeral, Eduardo teve de cuidar de tudo, comovidos, os filhos das servas que trabalhavam no castelo pararam de julga-lo, e ele finalmente teve amigos, os quais o próprio os intitula de irmãos.
  Sua rotina de fugas mudou, reduziu, não saia tanto, não visitava aquela velha casa, ia em lojas diversas em vez disso. Foi assim que conheceu Manoel, foi assim que chegou onde estamos hoje.

De volta ao presente

Então, é isso. Quem é o próximo? —Eduardo parecia aliviado.

—Olha, eu já disse que não lembro. —Isabel se justificou.

—Acho que sobrou para mim então. Eu aviso que não é nada bonito.

—Não dá pra ser pior que a minha.

—Eu não teria tanta certeza.

Crônicas de um ferreiro -  O Santo GraalOnde histórias criam vida. Descubra agora