Abnegar

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A culpa consumia Eijiro de uma maneira que sentia que estava ficando doente, mental e fisicamente

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A culpa consumia Eijiro de uma maneira que sentia que estava ficando doente, mental e fisicamente. 

Desde a briga na lanchonete o marido tornou-se ainda mais teimoso e recluso. Não aceitava ajuda, se recusava a participar das sessões de fisioterapia e tomar os remédios. Há dias nenhum dos dois sabia o que era dormir direito, pois Bakugou sentia dores intermitentes, e apesar de não reclamar -sendo maduro o suficiente para reconhecer que estava passando por aquele suplício por escolha pessoal-, Eijirou não conseguia dormir vendo-o contrair o rosto em dor e segurar os gemidos. Era como se ele quisesse passar pela dor para provar algo a si mesmo e por mais que tentasse, o ruivo não conseguia dissuadi-lo. 

Por fim foi expulso do quarto quando Bakugou não suportou ouvir seu pranto comedido. Como poderia não chorar vendo a pessoa que amava se negar a viver e lutar, abdicando de si mesmo a cada dia? Abnegando-se e desistindo da batalha? Mesmo tentando ocultar aquilo ele não poderia, tinha o coração muito mole. 

Até mesmo seus pedidos de perdão eram ignorados. Bakugou não o culpava nem o absolvia, tampouco tinha vontade de falar consigo ou alguém. Seus pais, que também ajudavam a cuidar dele, tentaram em vão convencê-lo de que deveria lutar. 

Katsuki havia se fechado em uma bolha e se recusava a abri-la para qualquer um. 

Os noticiários e jornais ajudaram na derrocada de suas barreiras, ao divulgar exaustivamente o acontecido e explorar a imagem dele, sempre o colocando como uma vítima incapaz. Isso o deixava ainda mais cabisbaixo e miserável. Ter o mundo olhando para si com todo aquele ar de compadecimento era o fundo do poço para si. Mesmo que o saudassem como grande herói por ter se sacrificado para salvar uma vida, isso não desmanchava o sentimento de inutilidade de ser comparado a um fracassado incapaz de se defender sozinho de alguns idiotas brigões. 

Depois de alguns dias, Eijiro se resignou, aceitando que talvez apenas seu amor e dedicação não fossem suficientes para içar o amado daquele maldito abismo no qual havia se enfiado. A casa estava cada vez mais silenciosa, ainda que os pais de Bakugou estivessem presentes em todos os momentos possíveis, mesmo a contragosto do loiro. Eles forneciam apoio emocional ao ruivo que sentia as energias e esperanças dragadas, encontrando em Mitsuki o colo acolhedor que a mãe não poderia oferecer por estar a quilômetros de distância. Diferente de Bakugou, o ruivo não se intimidava com o carinho dela, deitando-se em seu colo sem nenhuma reserva e captando para si os cuidados de que tanto necessitava. Até mesmo Masuro percebia essa característica nele, tão díspar de Bakugou que sempre foi arredio, e não se importava de prestar consolo quando ele pedia. 

— Eu não sei mais o que fazer, Mitsu, ele está desistindo e isso está me matando. — disse entre lágrimas, com a voz embargada. A loira sentiu os próprios olhos marejarem em consonância — Não quero perdê-lo, não posso. 

— Ninguém vai perder ninguém. — disparou sentindo o coração queimar em dor só de se imaginar enterrando o filho único — Nós vamos conseguir ajudá-lo você vai ver, é apenas uma fase, só isso. 

A união de todos eles sob o mesmo teto foi inevitável com o estabelecer daquela nova fase. Apoiavam-se e tentavam convencer o loiro que a cada dia se tornava mais apático, pálido e amargurado, evitando contato e conversas de qualquer gênero, impaciente com as tentativas irritantes dos demais de lhe convencer do contrário. Sobre a sua mente um pesado e aparentemente irremovível sentimento de melancolia e fraqueza havia encontrado morada o fazendo se sentir cada vez mais inútil. 

Não queria lutar, Não tinha vontade ou motivo para aquilo. Era uma piada, um herói incompleto, fadado a passar o resto de sua vida preso a uma cadeira de rodas. 

Em uma manhã, assim que abriu os olhos, deparou-se com a imutável verdade que o mundo queria lhe encobrir ao perceber que ele jamais recuperaria os movimentos das pernas. Aquela percepção foi o que fez se sentir verdadeiramente inútil. 

Mesmo assim ele ainda desejava encontrar em si alguma fagulha, provar que conseguiria, ainda que esse pensamento não fosse poderoso o suficiente para torná-lo o vencedor que era antes, tampouco o animar a ponto de assumir sua capacidade e lutar para se recompor. 

Tentou sozinho sentar na cadeira de rodas. Não esperaria alguém fazer isso por si, estava farto de ser um peso para todos.  

Com cuidado ele ergueu o tronco utilizando nos cotovelos para poder se apoiar. Impulsionando a mão contra a cabeceira ele venceu o primeiro obstáculo ao se colocar sentado. Volveu o corpo para o lado, mordendo o lábio inferior para conter os gemidos de dor que sentia devido as fisgadas dos nervos lacerados, levantando as pernas que pendiam pesadas até que estivessem na beirada e colocando os pés no chão sem sentir nada, nem mesmo o frio toque do assoalho sob sua planta. Ele deveria estar acostumado com aquela sensação de entorpecimento, no entanto ainda não a aceitava por completo. Antes era tão fácil se erguer, podia fazer isso em segundos, mas agora era trabalhoso e muito desconfortável. Tinha que tocar as próprias pernas que mais pareciam dois nacos de carne qualquer, e isso lhe trazia um desânimo inominável. Todo

Agora vinha a parte difícil, erguer-se e se colocar na cadeira. Ele estava fraco por causa das dores que sentia a noite e da anemia que se instalara em seus músculos por conta da dieta insuficiente a qual se submetia. Era óbvio que seria doloroso e difícil, mas ele tinha que fazer para resgatar em si o pouco de orgulho que deveria estar soterrado debaixo de todos aqueles sentimentos negativos de incapacidade.

Aspirou o ar com vontade e colocou a mão nos braços da cadeira apoiando-se e se concentrado em se erguer.

Trazendo-a mais para perto ele começou o moroso e trabalhoso processo de transição, sentindo que carregava um peso desnecessário com a parte de baixo inútil de seu corpo. 

Faltava pouco para conseguir quando um breve erro de cálculo o fez perder o apoio e cair.

Instintivamente tentou mover as pernas que permaneceram imóveis, dobrando-se quando ele caiu, batendo a cabeça no assoalho. A fraqueza de dias sem uma alimentação adequada somada a breve concussão que teve quando sua nuca quicou no chão o fizeram ter náuseas tão fortes que teve que virar o rosto para não engasgar com o próprio vômito. O mundo girava e a mente se apagou por breves segundos. 

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