Capítulo 4 - Communion (Comunhão)

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Dirigindo-se a mim, ele disse:

- Eu sou Rafael e sou o protetor destas crianças. Você precisa entender muitas coisas antes de conversar com elas. Vamos caminhar pela cidade e vou esclarecendo suas dúvidas...

Seguimos então por uma via esplêndida, ao lado do rio, toda cercada por canteiros floridos. Alguns eram suspensos e havia fontes brilhantes e úmidas, tornando a atmosfera mais acolhedora. Senti um sabor de casa, como se estivesse em meus domínios. A via era coberta com ladrilhos esverdeados, de vários tons, formando desenhos belos cobrindo toda sua extensão. Mais adiante, muitas crianças se deslocavam apressadas na direção oposta. Não havia veículos e não passamos por nenhum adulto. Rafael caminhava ao meu lado e me explicava...

- Meu amigo, entenda... você percebe todas as coisas ao seu redor e até pode tocá-las, mas você não está realmente aqui, pois não haveria como estar, como cruzar esta fronteira. A você foi concedida uma visão, uma possibilidade de ver, além do que é natural, além do que você considera "real". Precisa compreender que o seu "real" não é tudo e não abrange a totalidade do mundo e das possibilidades.

Eu estava com dificuldades em entender o que ele falava e o questionava, afinal, ele dizer que eu não estava ali era demais.

- Mas, Rafael, como posso não estar aqui? Estou caminhando ao seu lado e vejo tudo com clareza, sinto o aroma no ar, vejo as crianças brincando e correndo, ouço suas vozes, suas risadas. Que enigma estranho é este?

- Você não saiu de seu lugar, mas sua consciência está aqui, e está aqui para testemunhar esta realidade e ser porta-voz de uma multidão que necessita de ajuda, e necessita desta ajuda lá em seus "domínios", como você disse. Aqui é um lugar especial: Uma cidade magnífica, harmoniosamente construída para abrigar as crianças até sua "confirmação".

- Aqui elas têm tudo de que necessitam para serem felizes e viverem em plenitude as suas vidas. Todas as construções, todos os espaços, foram criados pensando-se nelas. Toda a natureza dentro e fora da cidade existe para elas e a elas está submetida. Nenhum perigo existe neste lugar, nada que as machuque, nada que tire a sua paz.

Então olhou para mim com um jeito reprovador e completou:

- A não ser agora a sua "presença" estranha, portanto, todo cuidado é pouco e uma interferência fora de controle pode prejudicar as crianças e a harmonia deste lugar.

Paramos por um momento no que eu consideraria ser o final da via de ladrilhos esverdeados. Estávamos numa praça ampla, com um lindo gramado e muitas, muitas árvores. Havia vários bancos de madeira em lugares à sombra, muito aconchegantes. Rafael me convidou a sentar num deles e ali continuamos nossa conversa, de frente para a praça completamente cheia de crianças, que brincavam, corriam, pulavam e gritavam, como num domingo de festa, banhado de sol.

- Comunhão - Disse Rafael, olhando em meus olhos. Este enigma que você está vivenciando quer criar uma comunhão entre a sua realidade e a realidade destas crianças. Uma comunhão profunda que possa romper as barreiras da mediocridade, do descaso, da falta de sensibilidade. Existe uma hipocrisia em seu mundo, em sua sociedade. A dor de muitos é sufocada no silêncio e a maldade corrói as entranhas, apagando o brilho do que poderia ser, retirando a esperança do amanhã.

Fiquei olhando Rafael por um tempo, em silêncio. Eu não entendia com exatidão sobre o que ele estava falando. Na realidade, eu não entendia quase nada. Desde o momento em que iniciei minha caminhada, ainda lá no bairro da Velha, foi uma sucessão de acontecimentos estranhos, e até mesmo penso que meu início de caminhada nem sequer existiu, que já era um fato anormal, apenas o princípio do caos.

- Rafael, eu estou confuso, mas quero ajudar a você e a estas crianças. Peço que tenhas paciência comigo enquanto não tomo consciência desta realidade que vai além dos meus domínios. Primeiro, me diga: Que cidade fantástica é esta e onde ela fica? Até agora não entendo como cheguei aqui.

Ele me olhou com um sorriso discreto e, erguendo-se, coçou sua barba branca e me disse:

- Venha aqui próximo do elevado que contorna o rio. Olha lá abaixo de onde viemos, observe com atenção.

Olhei meio sem entender, mas não percebi nada. Dei de ombros e ele então me puxou pelo braço e me fez voltar até o extremo da rua, no ponto mais próximo do rio.

- Veja lá abaixo a curva do rio, no ponto onde tem a foz de um pequeno ribeirão. Abra seus olhos, você já conhece este lugar.

Caí de joelhos, atordoado. Era a foz do ribeirão “Garcia”. Eu estava diante do Itajaí-açu. Mas como podia ser? Então eu estava em Blumenau? Mas que Blumenau magnífica seria esta cidade? Eu estava no futuro?

- Rafael, como pode ser isto? Estou numa Blumenau do futuro? Eu cruzei uma espécie de túnel do tempo: É isto? Foi quando atravessamos aquele túnel com o barco, no meio das chamas?

- Calma, meu amigo... Com certeza, aqui é Blumenau, sim, nisto você está certo. Mas não é do futuro, nem mesmo do passado. Esta é também a Blumenau do presente, apenas não de sua "realidade", ou melhor, é da sua realidade também, mas para percebê-la é necessário expandir a consciência. É preciso entender que no vosso cotidiano, considerando somente o que é natural, esta realidade onde estamos fica escondida, envolta na névoa que cobre as consciências e endurece os corações.

E continuou.

- Esta é mais uma Blumenau, que faz comunhão com a sua, e há ainda mais duas. Esta realidade purifica a outra e nesta comunhão, nesta soma de realidades, pode-se reconstruir a perfeição.

Eu estava um pouco confuso, mas começava a entender Rafael.

- Bem, Rafael, é difícil compreender isto, mas estou aqui e diante dos meus olhos testemunho esta cidade fantástica, e não posso negar que é Blumenau. Claro que não a mesma, mas os detalhes me fazem ter certeza de que, de uma forma irreal, esta é a cidade jardim, de minha infância e de meu presente.

Estava eufórico, mas parei um minuto, olhando à minha volta e ouvindo. Ouvindo aquelas gargalhadas e gritos, toda a algazarra que acontecia na praça. Me dirigi novamente a Rafael e o indaguei...

- E quanto às crianças? Quem são elas? E onde estão os adultos? Todo este tempo aqui e só vi crianças. Onde estão os seus pais?


E lembrei que esta era a pergunta que iria fazer ao menino mais velho, quando encontrei as crianças. Rafael, dando uns passos à frente e virando-se para mim, declara:

- Esta é a questão mais importante e é o centro desta revelação.

Kindergarten - em uma cidade perto da suaWhere stories live. Discover now