Correspondentes

Entrega

Otávio olhou o calendário na parede ao lado do relógio. Hoje. Exatamente hoje era o dia de suas bodas de papel com Luccino. E hoje era um dia em que ele estava excepcionalmente animado e preocupado. Animado por tal fato acontecendo (não sabia exatamente como agir nas bodas). Preocupado por conta da carta final, ou por conta da ausência dela. Não havia tido inspiração para escrever a última parte. Por dias ele pensou em como escrever o epílogo da história dos dois, por dias as ideias não lhe abraçaram.

Era um dia extremamente frio, mais frio do que normalmente fazia nessa época do ano. Luccino resolvera não ir para a oficina nesse dia por conta de estar com um princípio de gripe, sendo bom evitar ao máxima qualquer friagem. Otávio havia sido dispensado por hoje. Brandão sabia da ocasião especial para o major e para Luccino, dando permissão para o amigo desfrutá-la. Em outras situações Otávio rejeitaria essa dispensa, indo trabalhar do mesmo jeito. Hoje, porém, ele queria estar o mais próximo possível de seu amado.

Luccino não tinha ideias para uma carta final. Ele, diferente de Otávio, não estava preocupado com isso. Decidira que as cartas já prontas eram boas o bastante. Se permitiu sorrir, quase rir. Otávio, que estava ao seu lado no sofá, lhe perguntou:

"Tá rindo do que, Luccino?"

"Da vida, amore mio" disse o mecânico aumentando seu sorriso e abraçando o major "Da nossa vida, amore mio"

"Está dizendo que a nossa vida é uma peça de comédia?" disse Otávio tentando fazer uma face séria (e falhando).

"Algo contra as comédias?" Agora o italiano ria ao invés de simplesmente sorrir "Mas não é isso não. É só que, tirando as partes ruins, nós parecemos protagonistas um romance."

Otávio retribuiu o abraço do amado, que havia parado de rir. Um romance. É, tecnicamente ele tinha escrito um romance (ou partes de um). E romances podem ter finais abertos. Ou seja: quem sabe essa última parte não tivesse surgido simplesmente porquê não era para ela surgir? O romance dos dois era uma história com final aberto.

Luccino espirrou, assustando levemente Otávio, que estava distraído com esses pensamentos. Rapidamente o major se levantou e foi esquentar um chá para seu amado, que se deitou no sofá por conta da falta de energia em seu corpo. Levou por volta de vinte minutos até que o chá fosse completo. Otávio, porém, não apagou a lenha do fogão. Ao invés disso ele foi até o sofá, no qual Luccino dormia, e arrastou-o para mais perto do fogo. Luccino acordou levemente assustado nesse processo, mas preferiu não reagir. Com o sofá diante do fogão, Otávio foi até o quarto buscar um edredom para os dois. Ao voltar para a sala, contemplou a gaveta chaveada na qual estavam suas cartas. Ignorou-as por ora. Mudou o direcionamento de seu olhar e viu Luccino se levantando no sofá. Chegou quando o amado já estava sentado, levemente encolhido. Pegou a xícara de chá ao lado do fogão e entregou para o outro, enrolando-o numa parte do cobertor e se enrolando na outra.

"Otávio você sabe que eu odeio gengibre." Disse Luccino reclamando ao sentir levemente o cheiro.

"Sei. E eu sei também que a gripe odeia gengibre tanto quanto você." Otávio falou calmo. Viu Luccino beber a contragosto esse chá, fazendo uma careta de quase nojo. Bebeu mais uns goles, todos a contragosto, e entregou a xícara para Otávio, que a colocou numa mesa próxima ao fogão.

Não era a melhor forma de comemorar um ano de união, mas também não tinham muita escolha. Pelo menos estavam juntos. Otávio abraçou Luccino de novo, este apenas apoiou a cabeça no ombro do outro. Luccino dormiu sob o som de um leve vento do lado de fora e do fogo queimando no interior do fogão.

Otávio pensou em dormir, mas não o fez. Queria pensar em que forma poderia falar com Luccino ao lhe entregar as cartas. Ensaiou mentalmente alguns discursos para o grande momento e descartou todos eles logo que completos. O major percebia que, ao completar os tais discursos ele estava se prendendo em apenas uma forma de falar, em palavras decoradas. Resolveu se entregar à improvisação.