sobre indagações da madrugada V

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Escrever é difícil, complexo, por vezes, tortuoso. Ao mesmo tempo é libertador, simples e muito fácil. Como tudo na vida.
É fácil falar sobre sinceridade, amor, honestidade e empatia, é fácil criticar a arrogância do outro, o ódio, a intolerância. É muito fácil se dirigir a coisas externas a nós.
Por isso que pra muita gente escrever é fácil, falar é fácil, fazer é fácil. Tudo aquilo que não significa nada importante o suficiente para te modificar é fácil.

Difícil é encarar a si mesmo. É ver em si as críticas que faz ao outro, enxergar nas suas próprias condutas os seus preconceitos, suas intolerâncias e a sua rigidez. Difícil é admitir as próprias falhas quando o mundo está tão cheio de defeitos. É difícil quando isso significa algo pra gente, quando importa o suficiente para te (nos) mudar como pessoas.

Eu tenho falado sobre tudo o que tenho pensado, sobre questões que rondam minha vida, sobre tudo aquilo que me fez pensar, questionar e refletir. Eu tenho falado sobre as coisas que eu queria falar e nunca tinha me dado o devido espaço, e foi muito difícil, porque a medida em que eu ia falando, quanto mais palavras e mais capítulos eram adicionados, mais eu me questionava. Mais eu parava de olhar para os defeitos externos do mundo e dos outros e começava a olhar pra mim, então eu parei de escrever por um tempo.

Assumir as próprias falhas é doloroso.

Entender que quando falo de liberdade, falo muito mais de mim e das minhas próprias prisões. Quando cobro sinceridade, cobro a minha sinceridade. Quando peço força e determinação estou pedindo a minha força e a minha determinação. Quando eu falo do outro, eu estou falando de mim.

O que estou tentando dizer com tudo isso é que não adianta se propor uma leitura de ideias sem se propor refletir. Nada do que você lê importa se você não internaliza isso, se isso não te muda. E não precisa ser uma mudança radical, mas tem que mudar alguma coisa de verdade. Frases bonitas, poesias inspiradoras e textos romanticamente cruéis qualquer mente criativa pode elaborar, mas eles não valem de nada se não fizerem você refletir. Não é trabalho deles, é uma condição sua, como leitor(a) se abrir para essa possibilidade que te oferecem. Abraçar a ideia de que uma frase simples pode conter um significado muito maior pra você, que ela foi escrita por alguém por algum motivo e que ela fala além do está ali, que ela fala com você.

Em entrevista, Rita Lee disse que a sua experiência com o LSD foi a de ter um grão de arroz a explicando o universo. Cara, eu achei isso intenso. Mas ela só teve essa experiência (independente da droga em si) porque ela estava aberta a sentir aquela viagem e a receber tudo que aquilo poderia ofertar. Ela referiu sobre, e ela mudou.

Alice, ao chegar no país das maravilhas e se encontrar com a Lagarta pela primeira vez que a questiona sobre quem ela é, dá uma das respostas existenciais mais profundas que já tive contato, ela diz: "eu sabia quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei tanto ao longo do dia que não sei mais".

Heráclito já disse que ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio.

Nós mudamos.

É da nossa natureza sermos contraditórios e devemos continuar sendo. Mudar de ideia é prerrogativa de quem pensa. Você vai aprender muita coisa útil na escola, como matemática, física, biologia e química. Você vai aprender coisas realmente interessantes se puder estudar de verdade História, Filosofia, Sociologia e Artes. Não em sala de aula, na vida. No mundo, em todos os lugares em que você puder (e você pode) aprender, desde que se abra para essa possibilidade de mente despida. Só é fácil criticar o outro quem nunca criticou a si mesmo, só fala bonito dos defeitos da humanidade quem não se enxerga como falho. Mas fala com profundidade sobre tudo isso quem enxerga tudo o que diz em si mesmo.

Fala com verdade quem vê em si o preconceito que acusa no outro. É um exercício que não tem nada a ver com empatia, tem a ver com autoconhecimento, com humildade de se reconhecer como parte integrante e ativa de um todo. Como responsável.

Tenho tido cada vez mais dificuldade em escrever, a cada novo capítulo é uma nova camada de mim mesma da qual me desnudo e outra que acrescento. Como Alice, tenho dificuldade em dizer quem sou porque eu já mudei tanto ao longo do dia, e nem sempre mudei por mim, nem sempre mudei pra melhor. Mudança é sinônimo de mutação, não de melhora. Mudar de qualquer jeito é muito fácil, é superficial.

Reconhecer em si mesmo a essência de tudo o que diz e fala: isso é difícil. Enxergar e admitir as próprias falhas, incapacidades, defeitos e traumas: isso é difícil demais.

Tenho procurado em mim a essência da minha própria controversa. E se esse texto fez algum sentido pra você, então assim como eu, você também está buscando ser uma pessoa mais honesta. Porque se, até agora, você ainda não entendeu que eu estou falando sobre honestidade, você não leu nada do que escrevi aqui.

Sem mais.

Por hora.

tenho questõesOnde histórias criam vida. Descubra agora