Dois

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Toda a gente conhece Kim Jiwon em Moojin. Desde criança que o rapaz era um dos indivíduos com personalidade mais brilhante dali. Quer fizesse chuva ou sol, o miúdo andava sempre com um sorriso idiota nos lábios. Falava com toda a gente, desde os bebés de colo até ao velho Hyunsoo, conhecido por ser rezingão e odiar toda a gente da aldeia. Menos Jiwon.

Na verdade, ninguém odiava Jiwon. Não genuinamente. Era difícil ter asco de quem não queria mal a ninguém e vestia todos os dias um sorriso cobertos de gargalhadas e correrias. No máximo teriam inveja. Analisando com mais cuidado, talvez o único defeito de Jiwon fosse o facto de ser barulhento. Muito o petiz gritava pelas ruas, principalmente quando andava atrás dos amigos e os cobria de bofetadas amigáveis ou os sufocava num abraço. De qualquer maneira, a sua poluição sonora estava intrinsecamente ligada à alegria que sentia dentro de si e, por isso, era tudo mais relevado. Deixem mas é o rapaz ser feliz, que, quando ele crescer, logo lhe passa. A vida vai ensiná-lo bem.

Os anos passaram. A vida moldou Jiwon em alguns aspectos e os mais velhos esperavam que, por causa disso, o agora rapaz adolescente cedesse às tristezas da vida. Tinham quase a certeza de que ele tinha mesmo sucumbido às dificuldades em casa e se tivesse isolado, já que não ouviram falar dele durante os últimos três meses e nem o viam na rua para comprar pão. Os mais curiosos tentaram ver se ele se tinha ido refugiar na sua velha casa na árvore, lugar que Jiwon partilhara durante dez anos com o seu melhor amigo, que se tinha mudado para o centro da cidade, deixando a província. Havia rumores de que Jiwon pudesse ter adquirido depressão depois de ter sido deixado daquela maneira, inclusive havia quem dissesse que todos os sorrisos que o rapaz endereçara desde que Hanbin tinha ido embora eram apenas falsos e forçados.

Os comentários sobre esse caso duraram anos. As pessoas simplesmente não queriam acreditar que Jiwon poderia ter uma estabilidade emocional tão perfeita. Ou isso ou nunca gostara de Hanbin como aparentava, usando-o só para passar o tempo. Isso fazia de Jiwon fosse ou Deus, ou o Diabo na boca das pessoas. Passaram-se oito anos assim até que, durante os três meses de férias que antecediam a entrada para a faculdade, Jiwon desaparecera por completo. A tal situação em que o rapaz nem era visto a comprar pão ou a caminhar pelas ruas a caminho de casa. Parece que tinha sido sujeito a uma espécie de ostracismo. Os mais optimistas queriam acreditar que ele apenas tinha ido passar férias a Seul em casa do irmão mais velho ou que finalmente tinha saído de Moojin para ir encontrar Hanbin, mas o que realmente circulava por aí – porque, nas aldeias, as notícias passam de boca em boca – é que Jiwon se tinha envolvido num acidente grave. Não se sabia detalhes, já que a senhora Kim era bastante resguardada no que tocava a falar da vida dos filhos, mas instaurou-se o choque quando esse rumor veio a ser confirmado.

Em inícios de Setembro, quando os mais jovens invadiam as ruas principais de Moojin em direcção às paragens de autocarro para irem para a faculdade, Jiwon tornou a aparecer, radiante e energético. A tensão que se tinha acumulado durante aqueles últimos três meses esvaiu-se em menos de nada. Pelos vistos não teriam de o tratar com mordomias e carinhos nem teriam de lhe ceder os lugares prioritários nos transportes públicos. Os amigos de Jiwon, sendo mais jovens e um pouco mais altruístas, ainda estranharam o comportamento normal do rapaz acabado de chegar de sabe-se lá de onde, ainda por cima porque Jiwon não dizia absolutamente nada sobre o que se tinha passado. Normalmente, o rapaz era dono das histórias de aventura mais loucas de sempre. Houve uma vez em que Jiwon se tinha embebedado de tal maneira que tinha metido na cabeça que era o Batman e que conseguia saltar de prédio em prédio com o guindaste próprio do super-herói. A diferença é que o Batman tinha mesmo um guindaste e Jiwon tinha apenas um cinto, portanto, tentara saltar de prédio em prédio com o cinto na mão e a mão livre a tentar impedir calças de lhe escorregarem pelas pernas abaixo. Chegou a um ponto em que a bebedeira era tanta que o rapaz imaginou que estava a cair do prédio abaixo, quando apenas se desequilibrou e caiu de cara no chão do terraço da sua casa. No entanto, quando tornaram a encontrar Jiwon depois do Verão, não conseguiram perceber o que se passava ao certo. Aliás, nem conseguiam. Era como se Jiwon conseguisse falar sempre por cima deles quando tentavam sacar alguma informação, então acabaram por desistir e fingir que nada se tinha passado. Até parecia que o acidente nunca tinha realmente acontecido, já que Jiwon não tinha sequer um arranhão à vista.

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