Três dias poderiam ser considerados bastante para um humano que não faz muito. Para aqueles que passam o dia inteiro correndo de um lado para o outro, três dias é um tempo estranhamente curto. Para Brianna, três dias pareciam uma eternidade dentro daquele quarto.
A cozinha era o único lugar que ela visitava além da mesa em que lia. Três dias pensando em como trazê-lo de volta, não obtendo solução alguma. Kenneth insistia para que ela saísse, mas não conseguia pisar para fora de casa sem que pensasse em como poderia usar aquele tempo para encontrar um resultado."Já chega!"
Ela ouviu uma voz familiar se aproximar e a porta se abriu. Elora não parecia nada contente, mas sua expressão mudou para um sorriso no momento em que seus olhos encontraram os meus. A sugestão era clara: passear na noite supostamente estrelada que ela via pela janela de seu quarto.
- Você sabe que eu amo seu sorriso bobo - ela riu fazendo com que seus olhos fechassem - Mas eu não posso perder tempo, Ellie.
Ela suspirou e seu sorriso se desfez. Agora ela havia adquirido uma invejável determinação.
- Você não tem escolha, Ikeni tá discutindo um plano com Hektor e Allana; Kenneth tá com Noah fazendo o que eles pensam ser o jantar. E eu tô solitária.
- Eu preciso continuar Elora - sorriu triste.
- O que você precisa é de um intervalo. Vamos por favor - o biquinho de criança se fez presente enquanto ela pulava fazendo os cabelos curtos e castanhos balançarem.
A primeira coisa que Elora fez ao chegarem foi cortar os cabelos. Brianna a admirou por isso, talvez para a irmã fosse bem mais fácil se libertar das amarras da realeza, já que ela nunca teve obrigações realmente sérias para com a família. Brianna precisava ser a filha perfeita. Não Elora.
- Ellie...
- O que você acha que vai conseguir trancada aqui? Já se passaram três dias e nada, você está mantendo a si própria em uma masmorra.
- Me dê só mais algum tempo, eu desenvolvi algumas teorias, mas preciso testá-las.
Ela bufou e revirou os olhos.
- Maninha - disse em tom repreensivo - Você precisa de ar.
- O que eu preciso é achar uma solução para o problema que eu criei - virou, tentando ignorar a irmã, que deitou-se sobre os livros abertos na mesa - Elora, me deixa continuar por...
Brianna levantou, pronta para dar um sermão na mais nova sobre responsabilidades... se não tivesse sentido uma pontada tão forte que seu corpo curvou enquanto um grunhido saía de sua garganta.
- Maninha - sua voz soava longe - Brianna!
A mais velha tentou responder, mas outra pontada se fez presente. O ar faltou enauanto ela caía de joelhos com o braço em volta do corpo. Ouviu outras pessoas entrarem no quarto, Kenneth chamava meu nome preocupado. A dor continuava a ficar mais forte enquanto tudo parecia desacelerar ao redor.
- O que está havendo? Brianna! - Kenny gritou, tentando chamar sua atenção. Em vão. - Ela está ferida? O que aconteceu.
- N-nada, ela estava falando comigo e do nada gritou e eu... eu não sei...
Sentia as mãos de seu irmão em seus ombros. A dor lancinante enebriava seus sentidos e nada além de zunidos e vultos turvos passavam em sua cabeça. Não... não... ela sabia o que era aquilo.
- Ele... está em perigo - conseguiu dizer. A voz entre cortada parecia mais um pedido de ajuda.
- Venham, tragam ela - Ikeni ordenou.
Hektor a carregou em seus braços até a sala, deitando-a no sofá. Ikeni acendeu três velas e colocou-as em um triângulo. A dor no abdômen aumentou e ela travou o maxilar para impedir mais um grunhido, que saiu mesmo sem permissão.
- O que está acontecendo com ela? - Elora chegou perto e olhou para o mago - Você pode fazer passar?
- Não - Brianna conseguiu dizer - preciso saber... que ele ainda está... está vivo.
Não soube dizer exatamente quando Hektor havia saído de seu lado, mas ele voltou com o que parecia ser um copo d'água e colocou no meio do triângulo. Allana passava o olhar entre Brianna e o que Ikeni fazia, logo percebendo a intenção do mago.
- Não temos algo que pertença a ele. Vai funcionar? - a loira perguntou.
Com a ajuda de Hektor, Ikeni guiou a princesa até a frente dos objetos.
- Sim - ela respondeu com dificuldade e levou as mãos até o pescoço, tirando o colar que usava. A pedra que pendia ao fio feito de ouro brilhava, e como um lampejo, o dia em que o ganhou passou por sua mente.
"Ele afastou o cabelo de meu pescoço e colocou o colar.
- Um presente, sei que não é muito, mas junto com isso te dou meu coração - disse, prendeu o colar e ficou de frente para mim, tocando o pingente - Eu te amo"
- O que é isso? - Elora indagou.
- É um cristal élfico. - Kenneth se pronunciou pela primeira vez depois de muito tempo e só então Brianna percebeu que ele esteve atrás dela o tempo inteiro.
- Ele deu à você? - Hektor se fez audível.
Ela assentiu, pressionando os lábios quando mais uma pontada chegou. A princesa ignorou a dor, colocando o colar dentro do copo com água. Suas mãos trêmulas afastaram-se apenas o suficiente para que ela pudesse fazê-las pairar sobre os objetos. E então, sua voz falha proferiu:
- Aqua et crystallus, ut sit dux meus usque ad unum, quod sentio in anima mea, simul
A água se moveu como um pequeno redemoinho que girava o colar. Brianna deixou que se corpo recostasse no do irmão, que segurou a mão da princesa enquanto ela aguentava a dor que a atingia continuamente. Logo o colar estava envolto em uma esfera de água, brilhante como o mar em um dia ensolarado.
A dor agora era suportável e Kenneth pareceu perceber, pois folgou o aperto na mão da irmã. O pingente do colar brilhou forte, junto da água que o envolvia, e logo os presentes olhavam para uma esfera de luz.
Brianna não sabia dizer se a dor estava enfraquecendo ou se ela estava se acostumando com as pontadas, mas logo fez esforço para levantar e Hektor foi até ela, passando o braço da princesa sobre seus ombros.- Tudo bem? - perguntou
- Sim, obrigada - a bola de luz começou a se mover e passou pela porta do apartamento. Brianna respirou fundo. - Ken, fique com Ellie.
- Você não pode ir, olha seu estado - Kenneth calmamente falou, apesar de saber que a irmã seria irredutível.
- Eu cuido dela - o general disse.
- Não vou ficar - Brianna o olhou decidida.
- Não disse que tem que ficar - ele soltou o braço dela devagar enquanto virava - Suba.
Não queria ter que se submeter aquilo, mas precisava ser rápida para seguir o feitiço e não estava em condições de correr. Kenneth não discutiu, Elora parecia ainda estar chorando com o estado da irmã. A princesa assentiu e subiu nas costas de Hektor.
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Fantasy: A Ruína
AcakOrdem. Desobediência. Revolta. São as três coisas que se sucedem antes da queda de um reino. O que precisa acontecer para que todos eles caiam?