Capítulo 2 - 38 dias (pt.1)

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Lagan acordou um pouco antes do raiar do Sol. Os pássaros faziam bastante barulho. Ele estava na floresta, perto de um grande carvalho. A tímida fogueira que ele acendeu na noite anterior não passava de brasas. Tirou um pequeno pão da bolsa que carregava e comeu, bebendo goles de água do cantil. Após terminar a pequena refeição, agradeceu ao deus do céu por mais um dia vivo. Então, rapidamente ele levantou, recolheu suas coisas, jogou terra em cima das brasas e partiu.

Tinha que ir ao Norte. Ele não possuía nenhum mapa, mas durante os últimos anos foi obrigado a estudar minunciosamente o reino. Fazia dois dias que ele se formara na Academia Real. Dois dias que deu adeus aos amigos que ficavam, assim como a carreira nas forças armadas. Ele tinha outros planos, precisava voltar para casa. Fazia muito tempo que não via seus pais. As famílias podiam visitar os estudantes uma vez por ano, mas muitas não conseguiam. Então mandavam cartas. Em sua bagagem, Lagan ainda guardava as longas cartas com a caligrafia caprichada de sua mãe, que às vezes era interrompida pela caligrafia apressada de seu pai. Ele costumava tentar imaginar como era o processo de escrita para seus pais.

Lagan estava sozinho, mas começou a viagem em um grupo com mais 3 colegas. No dia anterior, eles se separaram. Dois iriam para o Oeste, um ficaria naquela cidade, mesmo. E ele ainda tinha bastante chão para cobrir em direção ao Norte. Apertou o passo enquanto ajeitava as camadas de roupa. O tempo estava esquentando. A floresta vibrava com tanta vida. Logo chegou em um riacho. Ele sabia que mais ao Leste o riacho ganhava corpo e virava um largo rio, e ia desaguar no mar. Andou um pouco acompanhando o leito cheio de pedras, até encontrar uma estrada e uma ponte. Atravessou e continuou sua jornada.

O Sol já estava alto quando ele parou. Precisava comer. Retirou alguns legumes e raízes de sua mochila. Acendeu uma pequena fogueira e colocou uma panela com água para ferver. Picotou os legumes, salgou e esperou cozinhar. Andou ao redor e encontrou algumas ervas para ajudar no sabor e no cheiro. Quando estava pronto, comeu a sopa direto da panela, limpando em seguida. Comeu um pedaço de carne seca para acompanhar e tomou um gole do vinho que carregava. A quantidade era pouca, mas ele havia ganhado na cidade anterior e não era tão ruim. O lado bom de viajar depois de graduar na Academia é que não era incomum conseguir um agrado nas cidades que passava. Dormir no celeiro ou ganhar alguns pães para a viagem. Pequenos agradecimentos por servir na Força Juvenil e proteger a terra. Como se não fosse obrigatório servir na Força Juvenil enquanto estudava na Academia Real.

Lagan novamente recolheu suas coisas e voltou a caminhar. Ele calculava chegar na próxima cidade até o anoitecer. Tinha encontrado a estrada e já começava a passar por várias propriedades rurais. Ele gostava de observar os animais pastando, as plantações regulares, as cercas de madeira, os espaços de bosque. Vez ou outra cruzava com alguém e acenava com a cabeça em respeito, desejando boa tarde. O dia estava passando tranquilo.

Ele estava adentrando um bosque quando escutou um barulho alto. Algo estava vindo em sua direção. Imediatamente ele colocou a mão na bainha da espada e retirou metade, ficando atento. Foi quando surgiu uma garota correndo. Ela olhava para trás e parecia bem aflita. Lagan começou a correr atrás dela, indo cada vez mais pro interior do bosque. Ela o viu e deu um grito, tropeçando numa raiz e caindo. Ele se aproximou, mas ela recuou e disse, assustada:

- Fique longe de mim!

Ele levantou as mãos devagar e falou:

- Eu não vou te machucar. O que está acontecendo?

Ela olhou assustada para o local de onde veio e então ao redor e recolheu as pernas, se sentando.

- Eu estava sendo seguida – disse balançando a cabeça – eu não deveria ter saído de casa hoje.

- Deixa eu te ajudar a levantar – Lagan falou enquanto se aproximava e estendia a mão. A garota olhou, desconfiada, mas aceitou a ajuda. Se levantou com dor e viu que havia rasgado um pouco a lateral do vestido. Ele reparou que ela estava tremendo e tentava não chorar.

- Raios, minha mãe vai brigar. Preciso costurar antes que ela veja – ela murmurou. Depois percebeu que estava sendo rude e falou para o rapaz com uma voz amena – Meu nome é Ayla, obrigada por se preocupar em ajudar.

Ele segurou a mão dela e se curvou, dizendo:

- Meu nome é Lagan, senhora, ao seu dispor. Quer que eu te acompanhe até a sua casa?

- Eu ficaria grata, obrigada. – Ela disse olhando ao redor, assustada.- Moro do outro lado do bosque.

Os dois andaram em silêncio. Ela tentou não chorar e ele tentou não mostrar que percebeu ela limpando as lágrimas. O som dos galhos estralando abaixo dos pés era reconfortante, pelo menos para ele, até que o silêncio entre os dois ficou pesado e ele resolveu falar:

- A senhora quer me contar o que aconteceu?

Ayla respirou fundo e levantou a cabeça antes de falar algo.

- Senhorita – ela corrigiu e ele assentiu. Ela continuou – Eu estava visitando uma vizinha. Decidi vir embora pela estrada, quando cruzei com um homem. Ele não parou de me encarar e, quando eu passei, ele veio atrás de mim. Andei mais rápido e ele fez o mesmo.

- E resolveu entrar em um bosque? – Lagan perguntou, incrédulo – Não faz sentido.

- A estrada dá uma grande volta pela cidade antes de passar pela minha casa – ela respondeu – o bosque é um bom atalho. E eu nunca havia visto aquele homem, mas cresci aqui. Achei que pudesse despistá-lo.

Lagan assentiu. Achava mesmo que ouvira mais passos antes de encontrar a garota. Achou que seria melhor se prevenir, então colocou a mão novamente na bainha da espada e puxou um pouco. Ela olhou e franziu a testa.

- Apenas para nossa segurança, senhorita.

Eles andaram por vários minutos antes de sair do bosque. Ela não deixou de olhar ao redor nem por um momento. Lagan entendia. Ela havia passado por um grande susto, embora tentasse não demonstrar. A vida não era tão segura para mulheres. Eles passaram por algumas propriedades antes da moça apontar para um portão e dizer:

- É ali que eu moro, senhor.

- É uma grande propriedade? – Ele puxou assunto. Ela assentiu e disse:

- Um pouco. Meu pai é comerciante, mas herdou estas terras e alguns arrendatários. Sem títulos, claro. – ela acrescentou ao ver um brilho de interesse nos olhos dele.

Ele achou interessante um comerciante ter uma propriedade tão boa. Poderia ser facilmente confundido com um dono de terras da nobreza. Mas ele lembrou que o comércio era bastante lucrativo em algumas áreas do sul e que até que era comum proprietários de terras de fora da corte.

Ao chegar no portão, Ayla fez uma mesura e agradeceu pela companhia. Entretanto, Lagan não se sentia confortável em deixá-la sozinha. Ele pôde perceber que ainda havia um bom pedaço de chão até a casa e insistiu em acompanhá-la. Eles continuaram caminhando junto até chegar em uma casa grande, de dois pavimentos. Ao redor tinha um jardim bem cuidado e ao longe dava para ver um pomar. A garota novamente agradeceu, o que ele respondeu com uma cortesia. 

LatenteWhere stories live. Discover now