Capítulo 2 - 38 dias (pt.2)

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A garota novamente agradeceu, o que ele respondeu com uma cortesia.

- O que está acontecendo aqui?

Uma mulher mais velha saiu à porta e a garota se encolheu um pouco.

- Encontrei este senhor no caminho e ele me trouxe em casa, mamãe.

- Aconteceu algo? – A mulher correu os olhos astutos pela menina – você parece desalinhada.

- Eu fui seguida por um estranho até que encontrei o senhor Lagan, que gentilmente me acompanhou em segurança – a menina respondeu, abaixando a cabeça.

A mãe olhou para as roupas do rapaz e percebeu que ele era um formando da Academia Real. Grata pela ajuda com sua filha, com um senso de hospitalidade e uma certa desconfiança, ela disse:

- Obrigada por trazer minha filha em segurança. Vejo que você está em sua jornada de volta para casa. Deixe-me abrigá-lo por uma noite. Oferecer uma cama e uma refeição quente, como agradecimento.

Ele ponderou um pouco. Não estava tão longe da cidade, portanto não perderia tanto tempo de estrada. E seria bom dormir em uma cama para variar. Com um sorriso, ele aceitou a oferta. Foi alocado no quarto de hóspedes, aonde colocou suas coisas. Sentou na cama quando trouxeram uma grande tina e começaram a encher de água quente. Quando percebeu que iria tomar um banho quente, sorriu feliz. Passara a última década tomando banhos majoritariamente gelados. Geralmente em rios. Após o banho, conseguiu lavar suas roupas sujas e pendurar perto da janela. Vestiu uma túnica limpa branca, com um par de calças marrons. Quando estava devidamente vestido, saiu do quarto.

Ao descer as escadas foi recebido por um homem na casa dos 50 anos, o pai da família, que o cumprimentou com um aperto de mão e um sorriso.

- Como estava o banho?

- Quente, e isto é muito para mim – Respondeu Lagan, sorrindo também.

- Ah, eu me lembro como era estar na Academia. Trabalho duro, mas recompensador. Meu filho estudou na base do Sul, também. Saiu de lá tem dois verões.

- Dois? Talvez eu o conheça. Ele está aqui?

- Não – respondeu o pai – casou recentemente com uma moça belíssima. Amanhã ele deve aparecer. Venha, sente-se aqui. Vamos jantar.

Ao chegar na sala de jantar, Lagan olhou a mesa cheia. A mãe, duas filhas e uma criança. Percebeu que estavam esperando para iniciar a refeição. Envergonhado, fez uma mesura e disse:

- Senhora, senhoritas, desculpem o atraso. Não havia percebido que me esperariam.

A mãe acenou com a mão e sorriu, dizendo:

- Não se preocupe, não estamos aqui tem muito tempo. Sente-se, por favor. Fique à vontade.

Ayla percebeu que sua mãe estava sendo mais gentil que o normal. Isso a assustava. Será que ela tinha alguma esperança de casar logo alguma filha com aquele rapaz? Ele era um forasteiro, podia ser qualquer um, de qualquer família. Começou a tomar sua sopa enquanto olhava ao redor da mesa, evitando olhar diretamente para Lagan. Ela não havia feito isso antes, por vergonha. Achava que tinha feito uma cena no bosque e ainda estava um pouco fragilizada pelo medo que sentiu.

Seu pai falava animadamente com o rapaz, que respondia feliz. Conversavam sobre a academia. Sua irmã ao seu lado parecia um tanto quanto entediada e não estava muito a fim de conversas, então Ayla decidiu olhar para o forasteiro. Ele tinha uma barba meio falhada. Seus cabelos eram castanhos e grandes, com alguns reflexos mais claros. Provavelmente de trabalhar ao Sol. Sham tinha uma aparência parecida quando chegou em casa, dois verões atrás. Por trás de toda a cabeleira havia um par de olhos vivos, azuis como o céu limpo. Ela não sabia o que ele estava falando, mas sentia como se pudesse observar ele sem se cansar. Ele se movimentava e sorria com bastante energia e Ayla ficou tentada a abrir um sorriso sem motivo.

Quando ela voltou a si, percebeu que ele a observava de volta, ainda com a sombra do seu último sorriso no rosto. Ela abaixou a cabeça envergonhada e voltou sua atenção ao seu prato de comida, que já estava quase frio. Tomou um gole de vinho quando ouviu sua irmã entrar na conversa com o convidado. Ela estranhou a mudança repentina de Tali, que perguntava sobre os locais que ele conheceu, como era as outras cidades, sobre as pessoas que ele encontrou no meio do caminho. E Ayla apenas se perguntava quando aqueles dois haviam sido apresentados, que ela não reparou.

Depois de um jantar delicioso, Lagan se sentiu completamente exausto. Agradeceu aos anfitriões e se despediu, desejando boa noite. Subiu ao quarto e se despiu, ficando de roupas íntimas, e observou a mobília simples. Havia uma cama grande e espaçosa. Uma cômoda com cinco gavetas. Um pequeno cabideiro. Duas janelas. Já haviam removido a tina de água. A noite estava mais quente que nos últimos dias, então ele fechou apenas um lado da janela. Pegou a manta e deitou, se cobrindo. Fazia muito tempo que não deitava em uma cama tão macia. Ele pensou que poderia se acostumar facilmente à isso. Fechou os olhos e tentou pensar em coisas boas. Rolou para um lado, rolou para o outro. Não conseguia dormir, no final das contas, a cama era confortável demais para quem passou a última década dormindo em condições mais precárias.

Ele levantou e andou pelo quarto. Abriu as gavetas da cômoda. Encontrou algumas toalhas e muito espaço vazio. Abriu a janela toda e se debruçou, olhando a Lua Crescente. Os Jardins não estavam tão iluminados, mas dava para ver bastante. Então ele olhou para baixo e viu uma figura se movendo. Parecia uma mulher. Estava colhendo algumas plantas. Ela levantou a cabeça e olhou para o lado, e então a Lua iluminou o seu rosto. Rapidamente, Lagan colocou sua calça e vestiu apressadamente um robe que seus anfitriões haviam deixado, se esquecendo de fechar direito, e desceu às escadas, indo para a cozinha.

Ao entrar na cozinha pouco iluminada, viu que a mulher estava entrando em casa. Ela se assustou e derrubou tudo o que carregava, levando as mãos ao rosto. Ele sussurrou:

- A senhorita está bem? O que estava fazendo lá fora tão tarde?

- O senhor estava me espionando? Não é do seu interesse o que eu faço. – Ayla sussurrou de volta, indignada.

Lagan balançou a cabeça, incrédulo, e abaixou para pegar as coisas no chão. Eram flores e folhas. Ayla pegou um bule com água e colocou para esquentar no fogo que crepitava perto da porta, e ficou alimentando o fogo.

- Desculpe – ele sussurrou de volta. Ela tomava umas atitudes bem estranhas, mas ele não deveria se meter na vida dela.

Ela encostou no balcão, que ficava no centro da cozinha, respirou fundo e disse em uma voz baixa:

- Eu não consegui dormir. Estava muito agitada. Então desci para preparar um chá calmante, mas havia esquecido que utilizei a última porção de ervas semana passada. Tive que buscar mais. Não queria incomodar ninguém..

Ela percebeu que ele olhava fixo em seus olhos e, de repente, ela se sentiu acordada. Abaixou a cabeça, envergonhada, e fechou mais o robe que cobria sua camisola, apertando o nó. Pegou duas xícaras e começou a picar as folhas verdes dentro, em seguida despedaçando pequenas flores brancas com os dedos.

- Imagino que o senhor também esteja sem sono. Vou preparar duas infusões.

- A cama... era muito confortável – ele deu um sorriso torto, falando no mesmo tom – não estou acostumado.

Ayla deu uma risada baixa enquanto despejava água fervente dentro das xícaras e tampava com pequenos pires. Alguns minutos se passaram em silêncio. Ela destampou as xícaras e ofereceu uma para o rapaz. Ele pegou e fechou os olhos ao sentir o cheiro adocicado do chá. Ela havia encostado novamente no balcão enquanto bebia em pequenos goles.

- É normal – começou ela, devagar – é normal depois de muito tempo desacostumar com coisas cotidianas. Talvez se deitar no chão esta noite... uma adaptação gradual pode ser melhor. -ela deu de ombros enquanto finalizava seu chá.

Depois piscou os olhos para ele e colocou a xícara na pia. Com um sorriso preguiçoso, sussurrou:

- Beba seu chá.

E foi embora. Ele ficou encarando a porta que ela passou. Dois minutos depois ele percebeu que não havia bebido nada ainda. Tomou o chá em um gole, imaginando como sua mãe o recriminaria por beber algo tão rápido. Voltou para o quarto pensativo e colocou a coberta no chão. Ao deitar, se sentiu em casa. E dormiu quase instantaneamente.

LatenteWhere stories live. Discover now