Chapter 6 - Todos têm salvação

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VI

Jeff

- Estavas a pensar na Sharon? O que é que queres dela? – Explodiu à minha frente, mas não parou o carro (provavelmente porque já seguíamos na autoestrada). Eu fiquei perplexo a olhar para ela. – RESPONDE-ME!

- Eu não quero nada dela. Eu não sei o que se passou. Estou tão confuso como você.

- Como é que queres que eu acredite em ti? Tu só vieste ontem para minha casa! Eu não sei quem tu és, mas eu confiei em ti! Fui estúpida. – Desta vez ela parou o carro e encostou-o à borda da estrada. – Tu és humano?

- Não. Não sou.

Não gostava nada quando se fazia silêncio. Tornava-se estranho e um algo constrangedor. Mas eu compreendia-a. Como é que era suposto ela confiar em mim? Ela não me conhecia.

Ela sentou-se virada para mim, respirou fundo e, pelo que percebi tentou controlar as suas emoções. Pendurado no retrovisor, reparei numa pulseira pendurada. Aliás eram duas. Uma era cor-de-rosa e tinha escrito Sharon e Brian; a outra era castanha e tinha um crucifixo pendurado na ponta. Pois é! “Todos têm salvação” -ela era crente. Eu sabia que no mundo dos Humanos estes acreditavam nestas coisas. Aprendi numa das últimas aulas que tive recentemente, antes de me mudar para cá. Pelo menos, se ela fosse crente, já sabia de onde vinha esta paciência repentina. Até que ela falou:

- Ouve, eu sei que todos os seres têm salvação possível. Até sem almas. Eu acho que posso acreditar em ti e ajudar-te, mas tens de compreender que eu só quero o bem para os meus sobrinhos, e tenho medo que tu faças alguma coisa que não devas. – Desta vez ela parecia mais velha. Apenas uma “mãe” preocupada.

- Eu não lhes farei nenhum mal. Não é esse o meu objetivo. Agora, eu só quero saber o que se passa comigo assim como você.

Ela assentiu.

- Eu pensava que me podia dar bem contigo… mas eu apenas não consigo evitar. Eu não consigo confiar em ti! Estou farta destas confusões e incertezas. Se tu me quisesses magoar já o tinhas feito, certo? Esta seria a oportunidade perfeita... Se eu te vir a tocar na Sharon com um dedo que seja eu acabo com isto.

- Eu sei.

Pelo menos, já estava mais calma. Eu não ia fazer nada à Sharon. Ela é apenas uma Humana frágil. A Ruth não confia em mim mas sei que daqui a umas semanas não haverá de ser difícil conviver comigo. Elas vão perceber que eu não as quero magoar. Eu vou ajudá-las e ao Brian até que me tratem como um deles. É a minha única opção.

Sharon

Depois da segunda aula, já não me conseguia manter de pé. Estava tão cansada… era aborrecido andar nos mesmos corredores todos os dias. Preciso mesmo de férias. Ainda bem que a escola está quase a acabar; mas também, o que farei quando estiver sozinha em casa? É sempre igual, todas as férias: o Brian quase nunca está em casa porque arranja sempre um grupo de amigos com os quais se pode encontrar na casa de um deles ou no parque público da cidade, a Ruth faz sempre questão de ficar com todos os turnos do trabalho: assim, ganha dinheiro extra, e sabe que eu posso tomar conta do Brian quando ele está em casa (porque muitas vezes nem passa as noites em casa, mas sim na dos amigos) e de mim própria quando estou sozinha. Era bom saber que ela confiava em mim nesse tipo de coisas. Mas como será agora, com o Jeff lá em casa? Será que a Ruth nos vai deixar sozinhos? Duvido muito. Provavelmente vai deixar de trabalhar todas aquelas horas para poder servir de muro entre ele e o Brian e eu. Então os turnos da noite devem estar fora de questão. Mas eu também não ia fazer nada com ele! Por amor de Deus, eu não simpatizo assim tanto com ele a ponto de... Coiso. Não!

Soulless - Sem alma (portuguese)Onde histórias criam vida. Descubra agora