Colégio Denbrough

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“Feliz primeiro dia de aula, Luke. Você acordou estupidamente cedo”. Pensei comigo mesmo enquanto me vestia. Estou nervoso. As aulas são as sete, o colégio fica a três quadras daqui e são fucking cinco da manhã. Apesar disso, não vou conseguir dormir nem mais um minuto sequer.
- E isso tudo é culpa sua – digo para a minha imagem refletida no espelho. Queria ter a auto-estima e o autocontrole do Liam, mas geralmente olhar no espelho pra mim resulta em vontade de cometer suicídio.
“Disforia, doce disforia... Eu odeio você”. Cantarolei mentalmente enquanto vestia uma camisa, deixando o binder para quando fosse realmente sair. Com vontade de morrer, mas sempre seguindo as regrinhas básicas para a saúde deveria ser meu lema.
Peguei meu celular e deixei-o aberto na minha conversa com o Liam, meu melhor amigo. Ele também é trans e nós nos conhecemos a mais de cinco anos por um grupo no facebook. Chega a ser irônico que a primeira vez que eu o vi pessoalmente tenha sido depois de ser expulso da casa dos meus pais. E agora nós estudaremos na mesma escola. Estou que feliz por ter sido expulso!
“Cê ta acordado a essa hora por quê, criança?” Liam me perguntou. Respondi com uma carta reversa do UNO. Ele disse:
“Não sou uma criança”. E então provavelmente riu.
“Caí da cama”, respondi.
“Ansioso?”
“E disfórico”, acrescentei.
“Às cinco e meia da manhã? Acho que você bateu um recorde”
“Não duvido nada”.
“Seu irmão se importa se eu colar ai logo cedo? Posso te emprestar uma camisa”.
“Acho que não. Ele gosta de você, Liam”.
“Então estou indo ai”.
Ele chegou pontualmente às seis horas, jogou a camisa na minha cara, pegou uma banana na fruteira e falou sobre o jogo de basquete que rolou no fim de semana com Bem, o meu irmão. Eu fui até meu quarto, vesti o binder, a camisa do Liam e uma jaqueta. Uma calça jeans que também era do Liam e meu all star. Passei gel na cabeleira, peguei a mochila e desci.
- Vou roubar essa camisa pra mim, cara. Você sabe que eu amo o Blink.
- Eu sei. Tu acha que eu trouxe ela por quê?
Comi uma maçã enquanto Ben dizia que se a gente quisesse ele poderia dar carona para nós, mas que chegaríamos cedo porque ele tinha que sair agora. Aceitamos mesmo assim e Liam foi comigo até a secretaria pegar meu horário.
- 2B - Eu disse a ele -, não é a sua sala, é?
- Não, eu sou do 2E. - Liam disse - Hey tia, não tem como trocar isso ai, não?
- O 2E é lotado, só se algum aluno de lá também quiser se transferir. - ela respondeu. Liam fez uma cara bem engraçada antes de dizer que me fodi.
- Ninguém do 2E aceitaria parar no 2B, o negócio lá é meio punk. Literalmente.
- Tudo bem. A gente se vê no intervalo, ou na biblioteca.
- Ou no time de basquete, que tal?
- E jogar no time feminino? - sussurrei exasperado.
- Elas são bem legais. Na real, elas jogam bem mais que os meninos cis, se você quer saber a verdade.
Meneei a cabeça em negativa. Liam entendeu.
- Vem, vou te mostrar a escola.
Liam me mostrou a quadra, a enfermaria, as salas de aulas, e até o banheiro com o mesmo tom de nacionalismo esquisito que os adolescentes geralmente têm para com a sua escola. “Tá vendo essa bosta? Eu passo horas confinado nessa merda, então tenha respeito”. Ele também me contou algumas histórias, como por exemplo, das vezes que colocaram fogo nas latas de lixo, do desafio da aranha (que consiste em escalar o prédio da escola) e me avisou que os piches são tipo patrimônio nacional da Denbrough. Também ressaltou que x-9 morre cedo.
- Dicas úteis de sobrevivência na Denbrough, Luke: aproveite a confusão de gente pedindo lanche na lanchonete e tente levar um lanche de graça, não deva a traficante, não desperte o ódio dos punks e não se apaixone pelas patricinhas. Você vai ficar bem.
- Qual o problema com as patricinhas? - eu disse e Liam riu.
- Elas sempre são dos traficantes, cara. Pegar uma patricinha é o mesmo que ficar devendo pra um traficante.
- Isso é sério? - Liam riu ainda mais alto, mas não respondeu.
- Preciso ir até o vestiário do time de basquete, temos que imprimir uns cartazes pra trazer gente do primeiro ano pros times.
- Okay, vou ficar na biblioteca até a hora da aula. E sim, eu sei o caminho – acrescentei rápido.
Na biblioteca encontrei um livro chamado “O ódio que você semeia” que me interessou. Fiz a carteirinha da biblioteca, e me explicaram que eu tinha 15 dias para devolver ele. Inocentes, daqui dois dias eu o devolvo.
Sentei em uma das mesas de leitura e comecei a ler ali mesmo. Devia estar na metade do segundo capítulo quando percebi que tinha um punk do outro lado da mesa me encarando. No mesmo instante lembrei-me do aviso do Liam e sai dali, resolvendo ir então à sala de aula. Não adiantou muita coisa. Aparentemente, todos os punks da Denbrough estudam no 2E.
O mesmo que esteve me encarando na biblioteca gritou:
- Ei, novato, esse lugar é meu! – e sentou em cima da mesa da frente. Encarou-me, e eu gelei um pouco. E não foi porque ele era assustador ou algo do tipo, ele não era. Ele só era bonito, com aquele cabelo vermelho e jeito despreocupado. Então eu fiquei ali apreciando ele igual um babaca, sem saber ao certo se o achava bonito por que me sentia atraído ou se era por que ele era só a droga do que eu queria ser: cis e tranquilo.
Pelo contrário, eu era trans e surtado e pela intensidade do olhar dele, eu vou surtar de novo.
- Camisa bonita, Fernandinho – ele disse.
- Meu nome não é Fernandinho, mas valeu – respondi, tentando não transparecer a confusão borbulhante que se passava na minha cabeça no momento.
- Eu sei, é um meme. Sou viciado nesses caras.
- Quem não é? O Blink é ótimo – respondi. Como assim um meme?
- Ninguém é. Adoram dizer que não é punk de verdade.
- Pode até não ser, mas segue sendo ótimo – eu disse e me arrependi no mesmo instante. Ele abriu a droga do sorriso mais rebelde e lindo já visto em toda a história do mundo antes de dizer:
- Gostei de você. Meu nome é Mike Clifford.
- Luke Hemmings – respondi, enquanto observava a aproximação de uma provável professora.
Então ela brigou com ele, e ele se manteve naquela pose tranquila. Se você achava impossível ser da paz e rebelde ao mesmo tempo, você não conhece Mike Clifford. Ele fez isso e foi provavelmente a coisa mais maneira que já presenciei.
- Espero que você... – começou a professora e estancou. Deu pra ver nos olhos dela o desespero “qual seu gênero, criança?”. Fiquei envergonhado, mas sussurrei:
- Sou ele, professora. Meu nome é Luke Hemmings.
- Espero que você, Sr. Hemmings, não me dê problemas como o Sr. Clifford ali. Um degenerado por sala eu posso até suportar, mas dois é inadmissível.
- Também amo você, Sra. Evans – Mike disse e os amigos punks dele riram. A Sra. Evans bufou e se voltou para a lousa, mas não antes de dar um sorrisinho para mim. Acho que ela estava agradecendo.
É O SEGUINTE EU AMO ESSA PROFESSORA. SRA. EVANS COME MEU CU, POR FAVOR.
E Mike Clifford, o que você aprontou pra ser chamado de degenerado por esse anjo?
Não foi na aula dela que eu descobri. Nem nas outras. Mike passou o dia todo sentado no meio do corredor, e como ninguém reclamou supus que ele passasse muito tempo ali. Para além disso, ele e os amigos só conversavam, ouviam música ou faziam pose de maus durante as aulas. Mas Clifford levantou todas as vezes que não considerava a aula importante para conversar comigo. Ou tentar, já que aparentemente nenhuma aula é importante pro Clifford ao mesmo passo que todas são importantes para mim.
No intervalo fui até a quadra procurar pelo Liam. Estava lotado de alunos do primeiro ano tentando se filiar a um clube, e de alunos do segundo e terceiro ano tentando realizar as rematrículas. Quando vi o Liam, alguém perguntou:
- Vai entrar no time de basquete, é? – era o Clifford, com toda a sua turma de punks.
- Não, na verdade.
- Então o que vai fazer? – Olha sinceramente eu pensava que punks sabiam reconhecer quando uma pessoa não está afim de conversar.
- Indo atrás do meu amigo. – respondi com uma certa dose de mal humor.
- Aparece na peneira de basquete, vai ser divertido. Sempre é. – Clifford disse e saiu desfilando com os amigos.
Ou pelo menos eu vi assim.
Então eu gritei de susto. Tinham pulado nas minhas costas. Felizmente, era o Liam.
- Pelo amor de Deus não me assusta assim. – eu disse-lhe.
- Desculpe – ele respondeu -, esqueceu do meu aviso sobre os punks?
- Não tive culpa. Ele me viu na biblioteca, e tentou conversar comigo o dia todo. Não sai do meu pé.
- Bom, dê um gelo nele até ele largar do seu pé. O Clifford é o pior, por isso é o líder. Mas você já deve ter percebido isso.
- Ele me pediu pra ir assistir a peneira de basquete. Acha que ele vai fazer alguma coisa?
- O de sempre, eu imagino. – ele riu da minha cara de assustado.
- Calma, é a única coisa que o Clifford faz nessa escola sem quase matar alguém. É realmente um espetáculo. Eu preferia que você não visse, mas é o evento do ano.
- O que ele...?
- Não vou dar spoiler. A peneira é no dia 15, depois da aula. Senta na frente, o fundão é deles.

5 Seconds Of Trans And PunkOnde histórias criam vida. Descubra agora