O evento Clifford

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Som de sapatos escorregando pelo chão de madeira. O som das bolas quicando sem parar. A torcida organizada. Parece até as finais da NBA, mas é só a peneira de basquete do colégio Denbrough. Estou aqui há meia hora, como todos os outros, mas sem entender. Estive em algumas outras peneiras daqui. Nenhuma delas tinha tanta gente, e muito menos esse clima de festa. Os atletas mais velhos estavam aquecendo e ensinando aos calouros alguns passes, a fazer uma bandeja e coisas assim.
Eu estava sentado na terceira fileira da frente, bem no centro, na parte baixa. Ao observar o resto da arquibancada, notei que o fundo estava vazio. Nenhum dos punks tinha aparecido ainda, e mesmo assim as pessoas guardavam o lugar deles.
Voltei a observar a movimentação na quadra. Liam acenou para mim e voltou a explicar como se dava uma finta. O que raios essa gente estava esperando?
Como que para responder minha pergunta, a torcida começou uma comemoração alucinada e os punks tomaram seu lugar na parte alta da arquibancada. Avistei Clifford uns cinco minutos depois, por causa da bagunça de corpos pulando e gritando. Ele estava encostado na porta do ginásio com um daqueles sorrisos presunçosos estampado no rosto. Estava exatamente igual aos outros dias: calça surrada cheia de patches, camisa sem mangas vermelha e umas trezentas correntes presas nos cintos (eu nunca vou entender a motivação que os punks têm de usar mais de um cinto por vez).
Eu não botei fé que ele fosse jogar justamente por causa do que ele estava vestindo. Então Mike começou a andar calmamente para o centro da quadra, e o silêncio foi tomando conta do espaço. Quando ele estava devidamente posicionado, não se ouvia nenhuma maldita respiração.
-Vamos começar? – Ele disse simplesmente. Os veteranos assentiram.
- Pessoal, é o seguinte – anunciou Katy Perry, a capitã do time feminino, especialmente para o primeiro ano -, o pessoal do time feminino pode sair, nós vamos terminar a peneira amanhã. Masculino: montem times de cinco pessoas. Três pontos para vencer. Tentem cansar o Sr. Exibidinho.
O pessoal se dispersou, e Liam veio sentar ao meu lado.
- Por que ela dispensou vocês? – perguntei.
- Katy se recusa a participar do showzinho dele – Liam disse -, até por que não teria show se ela resolvesse participar.
O som ensurdecedor de um apito se fez ouvir. Clifford estava do lado esquerdo da quadra, e cinco jogadores do primeiro ano do outro lado. Outro apito: o jogo começou.
Os garotos avançaram, passando a bola entre si. Ou tentaram, já que Mike roubou a bola logo de primeira e enterrou a bola ali do meio da quadra mesmo.
- Sério? – perguntei. Não podia ser sério – Ele faz esse show todo pra humilhar o primeiro ano?
- O segundo e terceiro também, você vai ver – Liam disse.
- E as pessoas gostam disso? – continuei.
- Odeiam. Por isso elas vêm assistir todos os anos. Tem esperança de o time ter melhorado e superado Clifford.
- E o feminino não participa por que...?
Liam abriu um sorriso orgulhoso:
- Por que o time superou Clifford há muito tempo, é claro.
Voltei a assistir às partidas. Foram igualmente rápidas. Mike fez cestas de três pontos, de debaixo do garrafão, de bandeja... Deu finta nos pivôs mais altos do time todo. Na metade dos jogos do segundo ano, pediram para aumentar o número de pontos necessários para vencer a partida, e Clifford aceitou numa boa.
- Não vai mudar muita coisa. Vocês vão continuar perdendo – ele falou. Acho que o pior é que ele cumpriu o que disse.
A vez do terceiro ano chegou cerca de 20 minutos após o começo dos jogos e Mike não teve trabalho ALGUM.  Estava com o mesmo sorriso estúpido estampado no rosto de quando chegara.
- Aí, Clifford. Seu reinado acaba hoje, babaca!
- Puta merda é o Louis! – Liam gritou acima do urro da platéia de “já é o último jogo?”.
- Quem? – eu gritei de volta.
- Um amigo meu. O grupo dele é o único que fez pontos no ano passado contra o Clifford. Ele passou o ano jurando iria vencê-lo da próxima vez.
- Com seu namoradinho tremendo desse jeito eu duvido – Mike respondeu e o garoto loiro ao lado de Louis corou.
- É o Niall – Liam me explicou -, ninguém repara nele na hora do jogo. É a melhor chance de cesta deles. E também a pior.
Louis teve que segurar outro garoto, que parecia querer partir Mike em dois.
- Zayn não lida muito bem com outras pessoas mexendo com o namorado dele – Liam comentou e então gritou – DEIXA A RAIVA PRA HORA DO JOGO, ZAYN. DETONA ELE!
A torcida vibrou em concordância e Mike ficou me encarando lá da quadra. Acho que ele estava esperando uma reação, mas eu não me mexi. Outro som de apito. Mike voltou sua atenção completamente ao jogo. A torcida começou a gritar mais, esperançosa.
A bola, como em todas as outras partidas, estava em posse do time adversário. Como no primeiro jogo, eles tentaram atravessar a quadra por meio de passes. Como tinham mais habilidades, o camisa 7 do time fez um passe longo para Niall, mas o Mike roubou a bola com a mesma facilidade das outras vezes, driblou o Zayn e fez uma cesta de três pontos. A torcida gritou em desaprovação.
Louis parecia furioso. Tão furioso que resolveu armar a próxima jogada. Atravessou a quadra parecendo um raio, em direção ao Clifford, que recuou pronto para a finta. Mas não foi uma finta: Louis lançou a bola para o lado, onde Zayn estava. Talvez ainda mais rápido que o Louis, Zayn entrou no garrafão e deu uma enterrada.
Liam gritou tão alto que jurei ter ficado surdo de uma orelha. A platéia inteira urrava. Clifford pegou a bola, e só então eu percebi o absurdo que era aquele jogo inteiro: um cara sozinho contra outros cinco numa quadra. Uma escola inteira contra um cara punk extremamente exibido.
Observei o alto da arquibancada outra vez. Os amigos de Clifford conversavam entre si, riam: não estavam prestando atenção. E aquela droga toda era tão maluca e esquisita que cogitei estar sonhando.
Mais gritos. Voltei minha atenção para a quadra. O jogo tinha sido parado.
- O que aconteceu? – Perguntei a Liam.
- Louis e Mike se enfrentaram pra pegar a bola e o Louis deu um soco no Mike.
Louis estava ameaçando ir para cima de Mike, enquanto o time o segurava. Mike parecia meio aéreo, com a mão no nariz, que sangrava. Era impossível de ouvir qualquer coisa com todo o barulho da quadra.
- Eles perderam – Liam disse -, vão fazer cobrança de falta.
- E o Mike não erra uma cesta sequer.
- Exatamente.
Dez minutos depois, soou outro apito: cobrança de falta. Jogadores no garrafão. Mike posicionado, o nariz não tinha parado completamente de sangrar.
Outro apito: Mike lança a bola. É cesta.
Na segunda vez nenhum deles saiu de seu lugar.
Todos os jogadores cumprimentaram Mike, com exceção de Louis. A arquibancada vaiava.
- Vem, vamos atrás do Louis – Liam disse, puxando meu braço. No meio do caminho Mike terminou os cumprimentos e deixou a quadra. Todos na arquibancada estavam mostrando o dedo do meio para ele.
- Rápido! – apressou-me Liam e eu o segui, estômago embrulhado. Era definitivamente o espetáculo mais doentio que eu já tinha visto.

5 Seconds Of Trans And PunkOnde histórias criam vida. Descubra agora