Estava sentada no sofá da sala vendo um desenho feito para crianças, ele é horrível. Todos os episódios acabam de forma feliz dando a entender que a vida é simplesmente perfeita e que no fim tudo sempre terminara bem, mas não, as coisas não são bem assim, vivemos num planeta onde nada é previsível e tudo pode acabar da mesma forma que começou, do nada. Acho patético e inadmissível encorajarem as crianças a viver a vida de qualquer forma como se no fim tudo fosse acabar de forma harmónica e do jeito que eles sempre sonharam. Falando assim pareço uma idosa de setentas anos vendo seus dias prestes a acabarem, acordando todos os dias na esperança de viver melhor e a cada suspiro uma dor apertada no coração que por muitos anos bate e que esta quase parando de exercer suas funções, precisando de ferias, cujo quais seriam eternas para compensar todo aquele tempo de trabalho. Mas não, na verdade só sou uma adolescente em plena crise de auto-estima no auge dos seus 17 anos.
Aiih! A mãe me deixa tao nervosa, começa a gritar e a falar coisas que nem fazem sentido. Despois que Kylie nasceu tenho a sensação que ela me odeia e me culpa por tudo e por nada. Esses dias quando chegamos das compras ela viu que esse esqueceu de algo e como se eu fosse uma criança começou a me reprender:
-Ta vendo Del, por sua culpa esqueci as cerejas do seu pai. Você não serve pra nada!
-Foi você quem se esqueceu, você! Eu apenas servi de escrava forçada a te acompanhar e empurrar a droga do carrinho de compras.
-Vela como fala. Não tem medo de perder os dentes? Você tinha obrigação de lembrar, sua gorda .
Quando ela acabou de dizer isso, vim pro meu quarto chorando, era a primeira vez que ela me dizia isso de forma tão cruel e má.
-Del, me perdoe. Não queria dizer aquilo, foi tudo...foi tudo um desabafo. Me desculpe.
Simplesmente não lhe respondi, sabia que qualquer coisa que eu dissesse seria em vão .Então limitei-me a comer de forma feroz e ao ver o que estava fazendo corri ao banheiro e tratei de vomitar tudo de novo. Como se não bastasse na rua, agora ate dentro de casa sou humilhada.
Sempre estive acima do peso, mas não é nada de mais, não sou nenhuma obesa que nem consegue se mover ou ver o próprio umbigo .
Problemas deveriam ser como o carvão do lápis, que qualquer borracha facilmente apaga.
*
Hoje é segunda, acordei as 7 e me arrumei para o ultimo dia de tortura psicológica autorizada ao qual tive que passar e enfrentar todos os dias, a escola. Nunca fui a garota popular ou a garota nerd, sempre fui a excluída, a que ninguém notava presença, e me achavam demasiadamente desinteressante para me conhecerem sem mesmo nunca me terem me dito – Oi.
Na aula de português o professor fez a chamada e logo em seguida nos liberou, todos saíram e quando fui sair ele agarrou meu braço e acenou para a cadeira para que eu me sentasse.
-Del ,Del, Del …- exclamou de forma atenciosa – você é uma garota espectacular ,não deveria ser tao obscura .Percebo por suas composições que você tem sentimento e pensamentos sombrios e não sabe admirar o mundo.
-O mundo não foi feito para ser admirado, foi feito para ser nossa casa, apenas isso.
-Você esta enganada, o mundo foi feito para ser admirado e ele é tao vaidoso que tem uma beleza exuberante para ser apreciada.
-O mundo não é belo, o mundo é como é. As pessoas é que procuram ver beleza em tudo, para amenizar a triste realidade de suas pacatas e cinzentas vidas.
-Del, acho que você deveria repensar e descobri o que o mundo esconde. Tenha umas boas ferias e aproveita para se perder pela imensidão da beleza terrestre .
-Assim o farei – respondi o que ele queria ouvir, senão não me deixaria sair tão cedo dali.
No intervalo encontrei com a Julie, minha amiga do coração. Ela chorava feito bezerro desmamado, dizendo que não queria que a escola acabasse, fiquei sem entende-la porque assim como eu, ela odiava aquele inferno, insisti em uma resposta e engolindo um caroço (um caroço não, uma bola de ténis) ela explicou que iria em bora de vez para Minas Geais, e ai chorei junto com ela, coisa que nunca tinha feito em publico, apenas meu travesseiro e a parede da minha cama me tinham “visto” chorar, e esta sensação de chorar com alguém foi…não sei explicar mas me senti bem por ter braços me segurando de forma doce só que forte. Afastei meu corpo gigante do dela e falei que tudo ia ficar bem, que com a tecnologia a gente podia se falar pelo facebook e que rio de Janeiro ficava a poucas horas de distância. Com a promessa que iriamos manter contacto e que nossa amizade não iria acabar, consegui cessar aquele choro.
*
A ultima aula foi igual as outras, professores fizeram as chamas de forma rápida, igual o Flash, só para se verem livres o mais rápido possível daqueles monstrinhos (o que me inclui). Saímos correndo e com uma única certeza, não voltaríamos nunca mais.

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Entre tapas e beijos
De TodoDel, uma jovem adolescente de 17 anos, que nunca tinha beijado, nem namorado, muito menos amado alguém, tinha uma vida não muita agitada e a compartilhava apenas com sua irmã-gemea de mãe diferente, Julie. Del sofria de bullying na escola porque est...