Novos encontros

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     Já não acreditava que poderia vê-lo novamente. Então decidi esquecê-lo. Era sábado. Não tinha nada para fazer. As férias estavam acabando. Essa era nossa última semana. Fui ajudar mamãe na cozinha.
     Enquanto preparávamos o almoço, minha mãe disse que arrumando meu quarto, colocou meu chapéu dentro do guarda-roupa, porque a poeira estava deixando a fita suja, e lembrou-se de me contar que uma nova colega de trabalho tinha um broche parecido.
     -Quem é ela? Você já a conhecia?
     -É urna moça muito bonita. Chama-se Patrícia. Alta, pele alva, lábios carnudos, ostentando um sorriso largo e vitorioso. Cabelos negros e longos. Parece um pouco explosiva e precipitada. Tem um corpo perfeito. Usa roupas justas, escuras e saltos bem altos. Muito inteligente, já conquistou todos no departamento. Senta-se na mesa ao meu lado, sempre multo prestativa e educada.
     -Porque você acha que ela é explosiva e precipitada?
     -Porque sempre que o telefone toca, ela reclama. Parece que odeia telefones. Ela não tem celular, e sempre que minha chefa solicita alguma coisa, ela me pergunta se precisa de ajuda, ou se quer que ela faça.
     -E como é o broche dela?
     -Com uma pedra de peridoto, na cor verde-oliva, com a letra "P" em ouro.
     -É mãe, parece que a moda está voltando.
    -Filha, você já conheceu nossos novos vizinhos? Seu pai já os viu.
     -Não. Tem alguma garota da minha idade?
     -Não sei, pergunte ao seu pai.
Colocamos a mesa e começamos a almoçar.
     -Pai, como são os novos vizinhos?
     -Parece gente boa. O rapaz chama-se Augusto, casado com Isadora. Não sei se têm filhos. Achei-os um tanto ou quanto pálidos.
     -Mas você conversou com eles? De onde eles vieram?
     -Sei lá. Não sou de ficar bisbilhotando a vida de vizinhos.
     -Nossa, como você é chato! Passe a salada, por favor.
     -Mãe, posso chamar a Bia para vir aqui?
     -Claro.
     Bia chegou e fomos para o quarto.
     -Você teve notícias de seu "ficante"?
     -Não. Eu fui muito burra, nem peguei o telefone dele, muito menos dei o meu. Só espero encontrá-lo novamente pelo bairro. Tenho andado como louca por aqui. Toda vez que precisa comprar alguma coisa, eu é quem vou. Minha mãe está até desconfiada.
     -Eu também não sei mais do Rodrigo. Acho que não tomarei a vê-lo.
     -Peguei um filme, vamos assisti-lo perguntou Bia
     -Qual?
     -"Entrevista com o Vampiro", escrito por Anne Rice, com Brad Pitt.
     -Ok. Vamos.
     Lá pelas dezesseis horas e trinta minutos, o telefone tocou. Nosso espanto foi total, pois nem nos lembrávamos de sua existência.
     -Sassá, está ouvindo o telefone?
     -Sim, vou atender.
     Ofegantes de tanto corrennos, peguei o telefone e soltei um murmúrio baixo soando como um "Alô".
     -Sabrina? ecoou a voz do outro lado do telefone e eu arregalei os olhos ao ver que a pessoa sabia o meu nome.
     -Quem fala?
     -É o Paulo, seu vizinho. Soltei todo o ar preso em meus pulmões e só depois conversei tranquila.
     -Ah, sim, Paulinho, tudo bem?
     -Tudo. Como nossas férias estão acabando, vou fazer uma festinha aqui em casa no próximo sábado. Só precisa trazer um prato salgado, e pode vir acompanhada se quiser. Aceita o convite?
     -Claro, só tenho que confinnar com meus pais. Mas acho que está tudo bem.
     -Ok. Tchau, Sabrina. Não demorou e Bia já começou a fazer perguntas.
     -Quem é Paulo?
     -Meu vizinho. E ele vai dar uma festa sábado e disse que. posso levar alguém e estou pensando em convidar você. Depois pode dormir aqui se quiser.
     -Ótima ideia assim teremos bastante tempo para desvendar novos enigmas. Mas tem certeza que você quer que eu vá? Não preferiria convidar o Rodrigo?
     -Chega, Bia. Não quero mais falar dele. Como poderia convidá-lo se nunca mais o vi? Vou esquecê-lo e também toda essa história.
     O resto da tarde seguiu calma até que Bia foi embora. Durante a semana, enquanto meus pais estavam trabalhando, eu ficava em casa lendo e assim tentando procurar alguma outra palavra sublinhada. No fundo eu não queria esquecer-me de nada. Continuava a procurar alguma coisa, que eu não sabia bem o que era. Mas o que sabia, era que Rodrigo não me saía da cabeça.
     Bia passou em casa depois do almoço. Estávamos entediadas até que Bia teve a ideia de andarmos de bicicleta. Pelo menos, iríamos fazer alguma coisa. Bia pediu uma Iegging emprestada e fomos eu com a minha bicicleta e Bia com a de meu pai. Enquanto dávamos voltas, perto da pracinha eu vi Rodrigo e Mathias, também de bicicletas. Falei para Bia e claro, fomos na direção deles. Rodrigo foi o primeiro a falar:
     -Que surpresa agradável. Não sabia que gostavam de andar de bike!
      Respondi sorrindo:
     -Não é sempre que andamos; minha mãe não gosta que eu ande sozinha, mas Bia estava em casa e não tínhamos nada para fazer. Então convidou-me para dar uma volta, afinal nem ela nem eu estaríamos sozinhas
     -Mas se nós quatro resolvêssemos apostar uma corrida até o lago próximo ao colégio, vocês topariam?
     -Pela avenida ou por dentro? perguntei.
     -Tanto faz, você escolhe; eu vou mesmo ganhar!
     -Duvido.
     Nós quatro ,saímos em direção ao lago. Reparei que Rodrigo ia à minha frente, ,mas as vezes diminuía para eu alcançá-lo. Eu passava; ele ficava para trás, depois acelerava e ríamos. Quando estávamos perto do posto de gasolina, vi quando Bia caiu. Tentei voltar, mas Rodrigo me disse:
     -Vá em frente, Mathias está com ela. Assim mesmo recuei, o tempo suficiente de vê-la novamente em pé. Então saí na frente de Rodrigo e estava quase ganhando, quando me distraí, ele me passou, e ganhou.
     Quando paramos, desci da bicicleta e sentei-me em uma sombra embaixo de uma árvore. Rodrigo veio em seguida. Não demorou muito Bia e Mathias chegaram. Ficamos um tempo sentados, conversando e rindo. Mathias foi buscar sorvete para nós. Já passavam das dezessete horas quando voltamos, mas dessa vez, os quatro juntos sem corrermos. Ao chegar a minha casa convidei-os a entrar. Tomaram um copo de água e foram embora.
     Bia e eu ficamos até mais tarde, conversando sobre os meninos. É claro que nossos sorrisos estavam estampados em nossos rostos. Ligamos para os pais de Bia e pedimos que a deixassem dormir em casa. Eles deixaram. Ficamos até tarde da noite acordadas e sonhando.
     No dia seguinte, depois do café da manhã, resolvemos levar Lila e Bob para passear. Não que quiséssemos encontrá-los, mas se acontecesse, não iria ser nada mal. Não tivemos tanta sorte, mas passeamos um pouquinho e combinamos que à tarde iríamos andar novamente de bicicleta. Dessa vez, fomos à casa de Bia para ela se arrumar, pois não queria estar com a mesma roupa. Saímos e não deu outra: nós os encontramos. Dissemos "olá" e fomos andar juntos. Mathias foi quem deu a ideia de irmos até o parque "Zeca Malavazzi".
     Enquanto íamos, nossas conversas e sorrisos aumentavam. Percebi que talvez desse certo Rodrigo e eu. Bia já estava enturmada com Mathias; já os tinha visto bem mais próximos; arrisco até dizer que já havia rolado um beijinho. Rodrigo era delicado, romântico e exageradamente cuidadoso. Passamos a tarde no parque, com direito a pedalinho e sorvetes. Quando Rodrigo perguntou se eu iria andar de pedalinho com ele, eu disse que sim, mas minha vontade era dizer não. Estava morrendo de medo.
     -Sabrina, é impressão minha ou estou sentindo um pouco de medo em sua voz?
     -Bem, eu não tenho medo, mas fico um pouco insegura. Será que consigo pedalar sincronizado com você? Se não conseguirmos, vamos ficar rodando, e daí?
     -Daí eu a seguro para não cair sozinha; caímos juntos. Pode ser?
     -Não brinque. Eu estou falando sério.
     -Eu também estou. O único problema será encontrar uma boa desculpa para sua mãe, porque vai chegar molhada.
     -Acho que eu não vou.
     -E se eu obrigar você?
     -Você não faria isso, ou faria?
     -Experimente recusar.
     -Assim você me assusta mais.
     -Feche os olhos e deixe-me levá-la. Você não verá nada.
     -É pior.
     -Confia em mim?
     -Posso?
     -Dei motivos para não confiar?
     -Não. Ok. Você ganhou mais uma vez. Vamos logo antes que eu desista.
     Fomos; colocamos os coletes e entramos no pedalinho em forma de cisne. Começamos a pedalar e, sem que percebêssemos, nos afastamos rapidamente. Enquanto estava distraída, Rodrigo puxou-me e me deu um beijo. Quase caí de verdade. O beijo foi inexplicavelmente maravilhoso. Não resisti e cedi aos seus braços; voltamos abraçados. Eu continuava flutuando. Esqueci de pedalar; ele pedalava sozinho. Senti-me ridícula quando percebi, mas já tínhamos chegado à beira. Descemos e Mathias e Bia chegaram logo em seguida.
     Quando voltávamos, Rodrigo sugeriu que andássemos a pé empurrando as bicicletas, assim demoraria mais tempo para chegarmos. Gostei da ideia. Foi a primeira vez que ele declarou que gostava de estar comigo. Por diversas vezes ele procurou minha mão, e outras vezes, empurrou as duas bicicletas. Não tinha como não me apaixonar.
     Na quarta-feira, sabia que não iria vê-lo, pois no dia anterior avisou que sairia com Mathias e o irmão para comprarem algumas coisas. Fiquei em casa e enquanto escolhia outro livro na estante para ler, ouvi uma pessoa chamando-me compulsivamente no portão.
     -Sassá! Sassá! Sassá! Bia gritava.
     Quando olhei pela fresta da cortina e enxerguei Bia fui correndo para abrir o portão
     -Entre! O que aconteceu? Bia falava enquanto entrava:
     -Nada, só vim convidar você para fazer compras no shopping da cidade. Vem comigo? Vamos comprar alguma roupa nova para a festa do Paulo?
     -Espera eu me trocar?
     Bia fez um sinal positivo com a mão enquanto tomava água acomodando-se na poltrona.
     Fui para o quarto e peguei a primeira roupa que encontrei no guarda-roupa. E assim a mãe de Bia nos deixou no shopping. Fomos direto para as lojas de roupas.
     Na terceira loja, quando olhávamos as araras lotadas de roupas, do outro lado, havia um moço de costas para mim, mas tive certeza de quem era.
     Quando se virou, percebi como seus olhos pareciam duas grandes pedras azuis e brilhavam a ponto de me hipnotizar. Era ele. Quando falou com a atendente, pude ouvir novamente sua voz.
     Sem reação quando olhou para mim, deixei cair todas as roupas que segurava e fiquei imóvel observando-o. E em meio-segundo, ele já estava abaixado pegando todas elas. Senti que Bia me empurrou para ajudá-lo a recolher as roupas do chão.
     Na ultima peça, uma blusa regata lilás com decote em "V", nossos dedos se tocaram e ele não os largou mais. Em um movimento rápido e suave, ele estava em pé. Logo me levantei, também, e ficamos frente a frente.
     -Muito obrigada. Você é um cavalheiro.
     -Não há de quê. Tive certeza que ele percebeu meu olhar procurando o brilho de seus olhos. Continuou falando para mim:
     -Foi um prazer. Agora é sua vez: poderia ajudar-me na escolha de algumas peças, senhorita?
     -Com todo o prazer, meu jovem.
     -Adorei saber que sou seu jovem.
     -Desculpas, foi sem querer, foi maneira de falar, foi ... sei lá.
     -Eu sei! Chegou pertinho de mim e deu-me um selinho.
     -O que você está procurando? perguntei.
     -Vou a uma festa no sábado, e gostaria de impressionar alguém.
     -Quem?
     -Uma garota muito bonita.
     -Como você tem coragem de falar de uma outra garota para mim? Estou decepcionada.
     -Quem falou que era outra garota? Você concluiu sozinha. A festa a que "eu vou é a mesma a que você vai. E o que eu mais quero é impressionar voce.
     -Você conhece o Paulinho?
     -Não, mas ele convidou Mathias, que levará dois amigos: meu irmão e eu. Daí eu descobri que você iria e resolvi impressionar mais uma vez você. Posso?
     -Não precisa, já fez isso. Vou adorar encontrá-lo na festa.
     -Só me encontrar? Não. Só irei com uma condição.
     -Qual?
     -Que você vá e fique comigo a festa toda.
     -Se essa é a condição, eu o espero às vinte horas e pode acreditar, não deixarei você um só minuto.
     Bia chegou perto de mim acompanhada de Mathias, ambos abraçados. Claro que ela faria algum comentário! Olhou para Rodrigo, depois para mim, e disse:
     -Gentil e simpático, além de lindo! 
     Concordei com um movimento leve de cabeça, assentindo.
     Após nós quatro termos comprado algumas peças, saímos e fomos até a praça de alimentação. Depois de um suco rápido, precisávamos sair, pois a mãe de Bia já iria chegar. Quando estávamos saindo do shopping, passamos em frente a uma loja de acessórios femininos. Falei para Bia que queria ver algumas bijuterias. Entramos, e comecei a procurar por anéis e broches que se parecessem com o meu e os do Rodrigo e Mathias. Perguntei à vendedora. Ela respondeu que nunca teve algo igual, nem mesmo parecido, e que não acreditava que peças desse tipo, tão antigas, voltassem como novidades e moda.
     Ao sairmos da loja, Rodrigo perguntou-me:
     -Porque você quer um anel se já tem um broche?
     -Para ficar com o par.
     -Ah! Mulheres!...
     Já na porta, uma revista em uma banquinha mostrava na capa a fotografia do Conde Drácula, e todas as manchetes de jornais eram sobre vampiros. Paramos para ver. Falavam sobre ataques de vampiros na cidade de Paulínia. Bia e eu achamos graça, rimos e falamos para eles:
     -Vocês são novos na cidade, mas não acreditem em tudo o que dizem por aqui. Nessa cidade até vampiros eles inventam.
     Quando saímos, a mãe de Bia já estava nos esperando. Fomos para a casa da Bia. Fiquei lá não sei por quanto tempo.
      Minha cabeça voava com meus pensamentos e dúvidas. Cada vez mais eu encontrava pistas para resolver meu "enigma", mas não conseguia entendê-las: "Você deixou cair, estou devolvendo"; "Última"; os broches: "S" e "P"; os anéis: "R" e "M"; o que significavam?
      Conversamos, pensamos e sonhamos ...

Vampiros : A união *parte 1 *Onde histórias criam vida. Descubra agora