II

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Interrompo meus traços na tela branca, que agora se encontra em diversos tons pastéis, quando a porta do ateliê se abre revelando um Jimin de gorro vermelho, uma blusa listrada e sua bolsa preta lateral, a qual ele nunca deixara, nem por segundos na sala aula.

Ela sempre estava pendurada em seu ombro ou posta ao seu lado. Parecia haver um mundo infinito de materiais artísticos nos bolsos do tecido preto, até aqueles menos imagináveis ele carregava em sua bolsa.

Após o episódio com a tinta, no primeiro momento eu me senti descartada e assustada pela ação de Jimin. Pensei em gritar, a tinta não estava apenas em meu rosto, mas se misturando com o castanho do meu cabelo, e haviam respingos em minha camisa branca. E então, em um único pensamento lúcido, eu me lembrei dos diversos julgamentos que Jimin já recebera ao longo de dois anos. Eu havia lhe feito uma pergunta, talvez um tanto invasiva, minha curiosidade queria se saciar com as inspirações dele. E talvez, aquele ato fosse sua resposta.

Desde o ocorrido eu passo me perguntando o que realmente Jimin queria dizer com: "você tem tantas imperfeições Hye Lin."

Sua frase era meio óbvia e dura para qualquer pessoa que passou anos lutando contra suas próprias características. Entretanto, eu deveria entender que aquela era sua resposta, sua maneira única e incompreendida de se expressar.

E a cada representação eu tentava me aproximar mais, ao mesmo tempo que ele se mostrava resistente, não por aceitar seu isolamento, mas sim pois as pessoas já o machucavam mesmo sem ter proximidade. Provavelmente Park sabia que ser machucado por alguém próximo era muito mais doloroso, talvez a vida já tenha lhe apresentado tal mazela.

Então eu deixei que todas as minhas máscaras caíssem, restando apenas minhas roupas transparentes, expondo puramente a verdadeira Hye Lin. De alguma maneira ele pareceu notar, e o tempo o fez o mais próximo. O mesmo me mostrou muito de Jimin, seus detalhes únicos e questionáveis, mesmo assim não o suficiente para descobrir o mistério que era o garoto. Aos poucos eu pude concluir que ele era uma obra abstrata feita em carne, pele e ossos.

Naquela noite, eu jurei a mim mesma que quebraria as correntes preconceituosas da sociedade, e nada mais certo do que começar por mim. Jimin poderia ser minha primeira quebra, sem me importar com o que as outras pessoas pensariam quanto a mim, agindo em controvérsia a outras. E conforme o ia conhecendo,  comecei a entender que muito do que ele era, não foi uma escolha sua, mas uma intervenção diante de suas circunstâncias.

A cada reação eu me lembrava das conversas que tinha com Yu Na, com quem eu dividia a casa em que moro atualmente. Yu Na era estudante de psicologia, ela encerrou seus estudos no meio deste ano e nós compartilhamos os nossos estudos, eu me lembro que em uma dessas conversas ela mencionou sobre transtornos globais do desenvolvimento.

Jimin apresenta características um tanto peculiares, mas que seriam normais dentro de tal grupo.

Através de conversas com Yu Na, tentei identificar o que realmente era Jimin, mas como muitas vezes ela me dissera, a mente é uma caixinha de surpresa e os humanos são a própria surpresa. Não poderíamos rotula-lo a uma dessas causas levando em conta somente o pouco tempo que tive na sua presença. Muitos diagnósticos são firmados durante anos.

Entretanto, graças aos seus professores, Yu Na tinha informações únicas a respeito de Jimin. E juntando o balde de dados que tínhamos, apesar de não ser nada concreto, ele podia se encontrar no grupo de transtornos globais do desenvolvimento, podendo ter desde autismo até uma síndrome de Asperger. Porém nada que pudéssemos afirmar.

Eu tinha Jimin á minha frente e poderia sanar minha dúvida quanto a si, mas até a pessoa mais sandia deveria perceber o quão invasivo e ofensivo tal pergunta poderia soar. E se ninguém sabia sobre as limitações dele, era porque o mesmo não queria que o tratassem com diferença ou com pena. No fundo eu entendo, eu não queria que as pessoas soubessem sobre minha família e a não aceitação quanto as minhas escolhas, não queria que as pessoas tivessem dó.

Paint MeOnde histórias criam vida. Descubra agora