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por: fireflyins
Eu ainda estava na metade do caminho até o trem quando minhas botas emperraram por um breve instante na neve fofa que abarrotava de branco toda a superfície da calçada, quase me impulsionando em direção ao chão por conta do forte impacto desavisado. Os flocos cristalinos desciam pelo céu com graciosidade, e olhá-los por algum tempo — enquanto meus pés emergiam com certa dificuldade daquele mar claro que escondia uma sujeira enlameada — quase me fez esquecer do caos que se aglomerava ao redor, constituído pelo zumbido incessante das conversas paralelas, crispar de guardas-chuvas roçando nas abas uns dos outros e buzinas de motoristas apressados, irritados com os blocos de neve que se formavam no aro dos pneus, estancando-os sem previsão de retorno para casa na suposta noite feliz.
De fato, eu estava atrasado, mas tentar cruzar meu caminho pela multidão que se erguia como ondas contrárias à mim era perda de tempo, todos pareciam estar tão preocupados quanto eu com o horário apertado, verificando os ponteiros apressados em seus pulsos rígidos, correndo, correndo e correndo, nem mesmo os segundos esperavam por nós. Talvez seja a magia do Natal nos causando uma comoção desesperada. Não tínhamos tempo para dar-nos as mãos e mostrar compaixão diante do nosso possível fracasso em pontualidade, mas ao menos poderíamos nos solidarizar em silêncio naqueles momentos fugidios nos quais nossos olhos ariscos se cruzavam. Alguém não conseguiria chegar a tempo, e embora eu pedisse por um milagre para cada um de nós, esperava não ser eu o azarado de ficar para trás. Prioridades.
Sem mais me preocupar com os bons modos, vesti o capuz grosso do casaco e percorri meu caminho por entre a multidão densa, esbarrando em alguns sem pedir desculpas, mas tudo bem, o capuz e a máscara me conferiam certa privacidade, ninguém jamais reconheceria o universitário aplicado dos últimos meses correndo desesperadamente e quase derrubando pessoas inocentes como um fugitivo da polícia local. Colidi com alguns ombros rígidos no meio do caminho, alguma mão firme tentou agarrar o tecido de meu casaco como uma vingança, mas os anos competindo em corridas na escola me prestigiaram com a agilidade necessária para momentos como esse. Quando chego ao terminal, respiro aliviado, com um sorriso travesso no rosto — denunciado apenas pelo apertar de meus olhos —, porque, subitamente, sou novamente uma criança — e estou voltando para casa.
Aguardo na pequena fila enquanto os futuros passageiros mostram seus documentos e passagens, e quando chega a minha vez, já os tenho em mãos, mantenho os olhos no chão enquanto são inspecionados e os aceito de volta ao sussurrar um "Feliz Natal" quase inaudível e me inclinar em uma despedida desajeitada.
"Você é muito tímido, Jungkook. Olhe para as pessoas quando for falar com elas, aumente a voz em um tom respeitoso.", minha mãe costumava dizer enquanto segurava a mão do meu eu de oito anos de idade. Eu não queria ofender ninguém, estava apenas desesperado demais para pensar em dizer algo sem que minha voz tremesse pela vergonha. Olhar nos olhos dos outros por mais de um segundo sempre foi um desafio trabalhoso, e tudo o que eu queria era caminhar pelas ruas como se fosse invisível. Seria ótimo não precisar ser notado. Penso nisso enquanto entro em meu vagão, mas ao contrário de todas as outras vezes, o sorriso saudoso e feliz se mantém presente, orgulhoso por ainda carregar as origens que tanto tentei eliminar. Sento-me em uma das cadeiras e retiro a mochila com meus pertences dos ombros, ajeito-a em meu colo e me acomodo quando percebo que começamos a andar. Reconheço os prédios cinzentos que passam cada vez mais rápido pela janela embaçada, desenho algumas figuras abstratas no vidro grosso e, em uma das vezes, assino um autógrafo improvisado, pensando em como seria se eu fosse famoso e precisasse descer na próxima estação. Algum fã tomaria meu lugar e reconheceria as letras embaralhadas que deixei para trás? Se sim, o que faria em seguida?
Muitos pensamentos desconexos em pouco tempo, porque, na verdade, estou com saudade de casa. Não é a fama que todos anseiam que me interessa no momento, não é o semestre de estudos encerrado. Eu só quero voltar para casa e entender o que é ter uma noite feliz em tanto tempo, longe das lágrimas de ansiedade e preocupação que a ideia das provas complicadas me traziam. Em casa, eu seria apenas Jungkook, não o aplicado Jeon Jungkook, eu não seria um exemplo, não seria os números de minhas médias gravados no sistema da faculdade. Decido, então, que nesse Natal, serei apenas eu. Alguém próximo da pureza que fui nos meus tempos de criança. Alguém que eu estou ansioso para poder reencontrar.
Retiro a máscara e pego na mochila uma garrafa d'água, bebo boa parte do conteúdo enquanto vejo as pedras da cidade cederem lugar para mais árvores, com suas folhas tingidas de branco, algo que me faz lembrar uma cobertura espessa de bolo de limão, daqueles que minha mãe costumava preparar em tardes ensolaradas. E, de repente, um solavanco iminente quase me leva ao chão pela segunda vez em menos de uma hora, e boa parte da água da garrafa espirra em minha direção, borrando meu rosto.
O que foi isso agora?
(...)
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Expresso Nevasca • BTS (Especial de Natal 2018)
Fanfiction[ concluída ✔ ] "Quantas histórias podem se cruzar em um trem? Quando tudo que se quer é passar a noite de Natal em qualquer realidade que não seja a sua rotineira, uma nevasca não planejada pode acabar com tudo. Ou deve-se dizer, unir tudo?" Especi...