[Leonardo Faustini]

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— Uhum, esse tá ótimo — disse, distraído, jogando Pokémon no DS.

— Mas você diz que todos tão ótimos! Não sei qual escolho! — gritou ela.

— Escolhe qualquer um. Por que tá se arrumando tanto? São só seus amigos.

— Nossos amigos — corrigiu ela. — Fecha o zíper pra mim.

Diante do espelho, fechei o zíper das costas do vestido verde água de estampa florida dela, que combinava com seus cabelos ruivos presos num coque, que eu fui OBRIGADO a aprender a fazer através de um tutorial no YouTube — muito mal editado e gravado por sinal.

— Ah, é! Quase ia esquecendo — disse ela, tirando um embrulho do guarda-roupas. — Você comprou algo pra Ka?

— Não. Fala que o presente é de nós dois.

— Como é que você quer conquistar ela assim, Léo?

Fingi não ouvir, salvei o jogo e dei uma olhada rápida no meu reflexo no espelho.

— Hã!? Como? Olha pra mim — disse ela, forçando o contato visual.

— Sai! Você tá chata demais hoje.

— Eu sei que tem um crush nela desde a terceira série.

Senti minha pele queimar. A barba disfarçava o rubro das minhas bochechas. Só de pensar nela... só de pensar que pensar nela me deixava naquele estado me deixava envergonhado.

Luana deu uma risadinha.

— Tá bom, eu te ajudo a comprar alguma coisa — disse ela, dando-me tapinhas carinhosos no rosto. — E troca essa roupa. Essa sua manga-comprida cinza parece um pijama.

Depois de muita insistência, minha irmã conseguiu que eu vestisse uma camisa xadrez com uma camiseta preta por baixo e calça jeans — como eu odiava calça jeans.

Fazia frio na rua, pessoas sem rostos e sem nomes iam para lugar nenhum, compravam muito, compravam mais, comiam e bebiam. No "barzinho", rostos jovens. Familiares, talvez? Não sei, não tinha coragem de levantar o rosto. Luana deu um tchauzinho para o pessoal nas mesas e eu olhei para o outro lado da rua.

— Falta só quarenta minutos pra hora marcada! Anda logo! — disse, tentando soltar o braço da Lu do meu.

— Uh, você é muito noiado com o tempo. Até parece o papai.

Baixei a cabeça e continuei a andar.

Entramos numa loja de chocolates.

— Léo, desculpa.

— Não foi nada. — Peguei uma caixa de bombons razoável de uns quarenta reais e mostrei para ela. — Isso tá bom, né?

— Nem pensar! — disse ela, devolvendo o item à prateleira. — Você não pode só dar um presente.

— O que quer que eu faça, então?!

— Tem que dar o presente. Tem que ter significado, mano.

— Ela gosta de bombons. Tem significado — disse, pegando de volta a caixa da mão dela.

— Não assim. Tipo aquele cachecol que eu dei pro Rob, porque ele fica muito fofinho com ele, parecendo um Harry Potter asiático.

— Aaah, entendi. Você quer algo que tem significado só pra você. — Coloquei minhas duas mãos envolta da cabeça dela. — O mundo não gira ao seu redor, sabia?

— Haha, olha só quem fala. — Ela agarrou meu braço. — Vamos sair daqui.

Nada mesmo era capaz de estragar seu bom humor.

De acordo com o Google Maps, a gente chegaria na Liberdade em quinze minutos. Precisávamos comprar algo em menos de dez minutos para chegarmos no karaokê antes das sete e meia.

— Ah! Tem muita gente aqui! — reclamei. — Eu não gosto de gente. Vamo logo pra casa da Ka.

— Eu sei que você tá doidinho pra encontrar com ela. Mas, pensa bem, Léo, e se ela gostar muito do presente, tipo muito mesmo? E se você der um presente que só alguém que conhece ela de verdade poderia dar?

— Quanto sentimentalismo — disse, olhando ao redor...

— Credo! Você é muito frio, Léo.

Uma porta me chamou a atenção. Era um portão fechando uma escadaria, encima dele, uma placa escrita "Sebo Alvorada".

— Vem, vamos dar uma olhada aqui — disse, puxando a Lu, já distraída com uma vitrine, como criança em loja de brinquedo.

— Mais escadas não — reclamou ela.

Subimos três lances de uma escada, que se erguia em espiral. No penúltimo andar, demos de cara com uma loja abarrotada de livros velhos, cheio de ácaros, poeira, bolor e talvez até ratos.

Um senhor de óculos e rabo de cavalo escutava NovaBrasil e lia um livro de folhas amareladas sem capa.

— Oh, boa noite — disse ele. — Tão procurando o quê?

— Nada em específico. S-só dando uma olhadinha — respondi.

Era um POUCO difícil andar naqueles corredores apertados com minha irmã pendurada em meu braço, mas de alguma forma, nós demos um jeito.

José de Alencar, Machado de Assis, Eça de Queirós, Helena Morley, José Guimarães Rosas... Só autores consagrados, cujos livros tentei ler na época do vestibular, mas não consegui porque eu sou um preguiçoso que odeia ler.

Passei por uns vinis, uns pôsteres e uns brinquedos velhos.

"A Ka adora coisas antigas", pensei comigo mesmo.

Não, não foi como naqueles filmes que um item se iluminou no meio de todos e eu tive a sorte de encontrar justamente o presente perfeito. Tive que vasculhar aquela estante de memorabílias de cima a baixo até encontrar algo que prestasse.

— O que é isso? — disse uma voz em cima do meu ombro.

— Meu Deus, que susto — disse, pulando para trás. — Até esqueci que você tava aí.

Entretido na minha busca pelo presente perfeito — não que eu tivesse alguma esperança com ela ou algo assim —, nem me dei conta do horário.

— A gente vai chegar atrasado. Vamo, já encontrei o que tava procurando.

— Não, hã, hã. Primeiro me mostra o que escolheu.

— É uma réplica, acho, daquele mosquito no âmbar do Jurassic Park.

— Que nerd — disse ela, jogando a pedra por todos os ângulos. — É, acho que ela gosta mesmo desses negócios "geeks" e "nostálgicos".

Nós costumávamos ir tanto na locadora, que o Tio Fernando deixava a gente pegar duas fitas a mais. A Karolina arranjava tudo, fazia a pipoca, servia o Guaraná (ou leite com Toddy), arrumava o VHS e providenciava uma coberta grande o suficiente para nós quatro. Já tínhamos assistidos Caça-Fantasmas, Matrix, Rei Leão e Rocky III, só faltava a fita do Jurassic Park. Por algum motivo que eu não sabia explicar, eu morria de medo de dinossauros, talvez porque era algo que eu sabia que existiu e que mesmo o ser humano mais forte que conhecia, o Sylvester Stallone, não teria chances contra. Como eu era o menor entre eles, fui obrigado a assistir — mais pela minha irmã e o Robson. Eu jamais esquecerei aquele dia. Ela viu através da minha máscara infantil de coragem, por baixo das cobertas, segurou forte minha mão e, para ninguém escutar, sussurrou palavras encorajadoras.

Sorri como um bobo.

...

— 150 reais?!

Não sorria mais tanto assim. Olhei para a Lu.

— Quem liga pro dinheiro? Se você acha que ela vai gostar, vale a pena.

zades.Where stories live. Discover now