Capítulo 1

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Ouvi o choro de um bebé ao longe quando ia no caminho de escola para casa. O som vinha claramente da mata que se estendia do lado direito da estrada. Corri em socorro do choro desesperante que me fez palpitar o coração. O som intensificava a cada passada apressada que eu dava. Vi-me obrigada a escutar a sua direção e ele já estava tão perto. Atrás de uma árvore encontrei a razão de tanto choro. Um bebé, uma menina recém-nascida esperneava deitada no chão apenas enrolada numa espécie de lençol fino. Peguei na criança ao colo, tinha os lábios roxos e estava gelada. Com dificuldade tirei o casaco e envolvi-a com o mesmo. Aconcheguei-a nos meus braços e corri para o hospital onde a minha mãe trabalhava.

- Mãe! - gritei ao avistá-la ao fundo do corredor.

A minha mãe olhou me e correu para socorrer a menina que eu trazia nos braços.

**

Fazia aquela viagem quase todos os dias só para ver aquele olhar. Eu sabia que ela era tudo o que precisava para me encher o coração. O olhar sorridente de Joana valia a hora de autocarro que percorria só para a ver.

Joana nasceu com uma deficiência que a impede de ouvir e falar, no entanto é uma pessoa cheia de amor tem para dar. Quando encontrei a Joana tinha apenas 13 anos.

Lembro me de pedir a minha mãe para ficarmos com ela. Isso não foi possível pois a minha mãe não tinha tempo para se dedicar a ela. O meu pai fugiu de casa poucos meses depois do meu nascimento e a minha mãe criou-me sozinha mesmo sendo enfermeira, o que complicava por causa dos horários. Mesmo assim a minha mãe conseguiu e prometeu-me que iria deixar a Joana numa casa onde iriam cuidar dela. Garantiu-me que ela ficaria bem.

Desde o dia em que a entregamos no centro de acolhimento que a visito quase todos os dias. Não me canso de o fazer. Vi-a crescer e já tem 5 anos!

Ela tem sido como uma irmã mais nova para mim e nunca ninguém vai entender o amor que sinto por ela.

- Então Maria? Estás de volta? - perguntou Daniel, o enfermeiro do centro.

- Claro, nada me impede de vir cá. - sorri largamente pois sentia que mesmo havendo algum impedimento nada seria mais importante que Joana.

- Vai lá ter com ela. Deve estar com o voluntário que chegou hoje.

Avancei pelos corredores. Conhecia-os como se fosse a minha casa.

Ouvi barulhos vindos da sala onde Joana costumava brincar. Espreitei antes de entrar e vi-a a brincar com um rapaz mais velho que nunca tinha visto por ali. Devia ser o tal voluntário. Devia ter pouco mais da minha idade e tinha um crachá ao peito. Fiquei à porta a observar os dois sentados no chão com pernas à chinês. Ele pegava em blocos de madeira com imagens desenhadas e criava histórias visuais para que ela entendesse.

Era complicado comunicar com ela, principalmente por ainda ser praticamente impossível ensinar lhe linguagem gestual. Eu já andava a estudar para poder um dia falar com ela sem restrições.

O rapaz apercebeu se da minha presença e olhou para mim o que fez com que Joana olhasse também. Bateu palmas e esticou os bracinhos assim que os seus olhos pousaram em mim.

- Pequenina... - murmurei mesmo sabendo que ela não ouvia.

Avancei e tomei a nos meus braços. Ali estava o sorriso que tanto ansiava ver.

- Deves ser a Maria. - disse o rapaz sorrindo enquanto se levantava.

Estendeu a mão para me cumprimentar.

-       Sim, sou. - respondi atrapalhada enquanto suportava Joana num braço para ficar com uma mão livre para retribuir o cumprimento.

Joana deu me um beijo na bochecha muito repentino e fez força nas pernas para que a pusesse no chão. Correu para apanhar uma folha de papel com um desenho. Esticou o braço para mo dar. Era um retrato dela lindo. Fiquei a olhar para aquele papel completamente espantada com o talento que ali estava. Fiz fixe com o dedo que ela já sabia que queria dizer que eu tinha gostado. Ela apontou para o rapaz e depois para ela. Fiquei a olhar sem perceber. Ela voltou a apontar para ele e de seguida para ela própria.

- Foste tu que fizeste? - perguntei ao rapaz tentando entender o que ela me dizia.

- Sim... - disse envergonhado.

Olhei expressivamente para Joana levando a mão à boca como sinal de espanto para ela entender que estava realmente impressionada com aquela obra de arte e fiz um fixe com o dedo. Depois bati palmas para que ela me acompanhasse. Ela já conseguia distinguir alguns gestos talvez por os associar a situações e emoções.

- Está fantástico! - disse finalmente, voltando a encarar o rapaz.

- Obrigada... - agradeceu coçando a cabeça e desviando ligeiramente o olhar. E aí percebi que ele não era muito confiante naquilo que fazia. - Dei o meu melhor, ela é uma menina muito especial.

- É mesmo... hum... - procurei o seu nome no crachá - Harry.

Destino Traçado | h.s.Onde histórias criam vida. Descubra agora