Mharessa
Seu Luís era um homem inteligente, bem mais do que imaginava. Enquanto conversávamos descobri que ele entendia muito de literatura, gostava de ler livros que encontrava no lixo e aprendeu muito com eles. Luís abandonou os estudos no último ano do ensino fundamental, quando decidiu viver por conta própria e ir morar nas ruas. Ele perdeu os pais muito cedo.
Ele não sabia nada sobre onde poderiam estar parentes próximos e dizia ser feliz do jeito que era, apesar das condições precárias em que vivia. Seu Luís gostava do simples, da ideia de viver sem ter que perseguir um objetivo, ter que se mostrar "alguém na vida" para validar a sua existência. Ele acreditava que viver fazendo o que queria tinha seu preço, mas era libertador. Apesar de achar que um senhor daquela idade deveria estar no conforto de uma família acolhedora, eu não discordava dele.
Gostava da ideia de me sentir livre, sentir que não precisava seguir o que a sociedade ditava a mim, mas eu sabia que essa vida não era para mim. Eu não estou livre e nem nunca serei. Não dessa culpa, desse medo. Isto me perseguirá pelo resto da vida.
— A menina está pensativa... Pensando em algo importante? — falou Seu Luís, admirando o sol que já se escondia.
— Estava pensando em tudo que me falou, sabe… sobre ser livre para ser quem quiser. Eu queria ser como você.O velho tossiu um pouco e encarou meus olhos, seus traços enrugados revelavam as marcas da idade avançada.
— Não são todos que estão preparados para as consequências de viver a vida que querem, menina. Mas quando tomamos a atitude, precisamos aceitar as consequências.
— Quantos anos você tem? — perguntei de repente, por curiosidade. — Bom, se não for muito mal educado da minha parte perguntar…
— Bem, na verdade eu não sei exatamente. Sessenta e alguma coisa? Acho que por aí... chegou um momento em que perdi as contas, parei de contar os anos… em alguns momentos, até esqueço da minha existência.
— Nossa… eu nunca imaginei como seria esquecer de que eu existo.
— Tem pessoas que se concentram tanto na própria existência que esquece das pessoas ao redor, as vezes é melhor esquecer de si próprio um pouco. Até mesmo porque você passa a se cobrar menos.
— Você tem razão — falei, enquanto refletia sobre suas palavras.Como pode alguém considerado tão desprezível pela sociedade guardar ensinamentos tão profundos? Poderia passar horas escutando Seu Luís e seus ensinamentos, mas passei apenas o resto daquela noite, até que adormeci ao lado do vira lata que agora eu sabia o nome, Juquinha.
***
Ouvi meu celular tocar na minha mochila, quase havia me esquecido que ele estava comigo e nem sequer havia o desligado, com certeza era o meu irmão. Quando abri a bolsa e o peguei, confirmei minha suspeita. Deixei o celular tocar e ignorei suas mensagens. Estava sem internet, então era impossível responder qualquer mensagem nas redes sociais, mas percebi que haviam inúmeros SMS, que não eram apenas do meu irmão.
Thulinho
Mha, onde cê tá? Por favor, me dá notícias!Thulinho
Você tá bem? Volta pra casa, tô preocupado!Jú
Onde você está? Ta tudo bem? Me conta se precisar de alguma coisa!Jú
Manda notícias, Mha! Como estão as coisas na nova cidade. Estou com saudade, bj.Jú
Mha, me responde!Emi❤️
Mha, ta tudo bem? Não ficou com raiva de mim não né? Desculpe o meu pai, você sabe que ele é muito imbecil.Emi❤️
Mha, onde cê tá? Por favor fala comigo!Emi❤️
Mharessa Ávila, se você não me falar o que tá acontecendo agora serei obrigada a descobrir. Você se mudou? Porque não me contou nada?????Emi❤️
É isso que sou pra você, nada? Vai embora e me deixa sem explicação alguma?Emi❤️
Por favor, me conta o que tá acontecendo. Sinto muito sua falta.Emi❤️
Não vai mais falar comigo, Mha? Ok então.Emi❤️
Também farei o mesmo.Terminei de ler as mensagens e travei a tela do celular. As lágrimas vieram sem que nem me desse conta, como sentia falta de todos eles. Como estariam agora? Guardei o celular na mochila e acabei pegando no sono novamente. E precisava desse tempo. Talvez, esquecer da minha existência por um tempo fosse bom.
Acordei com latidos do Juquinha, abri os olhos, era madrugada, Seu Luís dormia inerte à qualquer barulho. Um homem de longe nos observava, foi então que percebi o que estava prestes a acontecer. O homem se aproximava à medida que prendia minha respiração cada vez mais, com medo.
O homem aproximou-se de onde estava e pediu silêncio, ele fedia a cachaça e não era possível identificar seu rosto no escuro da noite. Juquinha começou a latir mais alto e sem parar, até que Seu Luís acordou e levantou rapidamente, de súbito.
— Vá embora daqui!
— Quem vai me expulsar? — desatou o homem, com sarcasmo.
— Nós vamos! — falei, tomando coragem.O homem riu, encarando-me.
— Eu quero a mochila, vamos!Quando estava prestes a entregar minha mochila, seu Luís interveio.
— Ela não vai te entregar nada!
Juquinha começou a latir, parecendo pressentir algo ruim.
— Seu Luís, tudo bem.…
— Dê o fora daqui, agora! A garota não vai te entregar nada.
— Ah, é? Vamos ver se não...Foi nesse momento que ele sacou uma faca e golpeou o braço de Seu Luís, rapidamente, para logo em seguida, pegar minha mochila e fugir. Seu Luís sangrava muito e o desespero tomou conta de mim. Juquinha latia, como se pressentisse o ocorrido.
— Seu Luís! Aí meu Deus, eu vou procurar ajuda!
— Vou ficar bem, menina…
— Venha, nós vamos ao hospital.
— Não é necessário, menina... Vou ficar bem.
— Nada disso! Vamos agora mesmo — insisto, e depois de muito relutar, ele aceita ir comigo.Na madrugada da noite, ajudo seu Luís a enrolar o ferimento e nós vamos até o hospital mais próximo. Foi a minha primeira experiência negativa na rua, mas que já serviu para entender tudo o que seu Luís me dissera: viver à sua maneira tinha suas consequências.
Não sei se já se perguntaram o estilo na Mha, então vai um dos looks que ela usa e eu amo❤️☠️:
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Mais Forte do Que Pensamos (COMPLETO)
Mystery / ThrillerLivro 2 da série "Muito mais" Os irmãos Ávila escondem um segredo, segredo este que jamais o permitem criar raízes em qualquer lugar. Após passarem uma temporada em Natal, os dois precisam fugir às pressas, tendo que deixar tudo para trás. Enquanto...