Uma luz amarela despertou Pedro de seu profundo sono. Havia certa sonolência, comum das manhãs, entretanto o rapaz amanhecia revigorado. De forma estranha, como nunca havia sentido antes, uma energia percorria-lhe todo o corpo, feito raios formigantes que lhe alcançavam pelos pés.
- Amaroq...? - murmurou Pedro, sem conseguir enxergar o lobo. A luz amarela quase que lhe cegava a vista. Dentro de alguns instantes, identificou sua fonte: o rio tornara-se dourado feito ouro reluzente. Os animais, todos, como se estivessem em uma grande festa, saltitavam e cantavam sobre a relva da floresta ante a presença de algo que parecia existir cerca de alguns metros mais à frente, seguindo o rio pelas suas margens.
Curioso e despido de qualquer relutância, o jovem caminhou no sentido para o qual olhavam todas as criaturas. Encantara-se com tamanha a biodiversidade que ali havia se aglomerado.
"Devem se tratar todos de criaturas mágicas" pensou.
No mesmo instante, um pequeno beija-flor cruzou por seu caminho, abrindo-lhe a passagem que logo o deixou de frente com um ser que habitava no coração de toda a mata. Ao lado do ser, Amaroq se encontrava sentado sob as patas traseiras, com a cabeça erguida, Pedro pode admirá-lo como não o havia feito até então no dia anterior, notando que sua exuberante pelagem cinzenta era grandíssima e balançava suavemente ao soprar do vento.
- Aproxime-se, filho meu. - disse o ser, sentado com as pernas peludas e marrons onde não havia pés humanos, mas de animal, cruzadas, diante do esplendoroso rio dourado, que parecia nascer de si próprio. Tratava-se do que alguns provavelmente, em outros mundos, conhecem como faunos, seres reconhecidos facilmente por terem o corpo humanóide mesclados com o de um artiodátilo. De fato, era metade conífero e metade humano. Possuía tronco humano, braços humanos e uma cabeça estranhamente humana e peluda com grandes chifres de cervo e pele esverdeada.
Cambaleante, Pedro aproximou-se, pensando se tratar de um sonho.
- Amaroq, meu filho. - O ser virou-se para o ser lupino. - Está a cumprir bem sua missão.
O lobo caminhou, solene, até Pedro.
- Este é O Homem Verde, Pedro. É o Grande Rei de todos os animais dessa floresta. - explicou. - Ele gostaria de falar com você, pois é seu pai.
- Meu o quê?
- Pai, jovem rapaz. Como já disse Amaroq, você ainda tem muito do que aprender antes de desbravar todos os infindos mistérios aos quais está destinado. Antes disso, algumas coisas devem ser esclarecidas. - disse o ser conífero. - A primeira de todas elas é que fui eu quem transformei-me em homem. Por mais que as línguas de seu povo falem de uma certa Profecia, na qual a Rainha de seu povo apaixonou-se por uma serpente.
- Não entendo.
- Há muitas maneiras de se ver uma mesma coisa, Pedro. Tudo varia com o ponto de vista do qual se enxerga.
Os animais todos ainda encontravam-se aglomerados quando um forte vento surgiu.
- O tempo está ficando curto, filho meu. - disse o Homem Verde. - Você deve seguir no sentido da correnteza do rio, sentido esse que você conhece como sendo o sul. Seja rápido e esteja sempre alerta.
Pode-se ouvir o ressoar de uma trovoada e, antes que de que qualquer coisa pudesse acontecer, o Homem Verde acrescentou:
- Pedro... não se esqueça: haja com prudência.
Uma gota de água caiu sobre a testa de Pedro antes que ele pudesse perguntar algo. Depois outra e mais outra, revelando logo uma grande tempestade que encharcou o rapaz, lhe arrancando do sonho. Amaroq estava em sua frente se sacudindo como fazem os animais na chuva. Alguns raios caiam sobre a copa das árvores.
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Crônicas De Ayanii: O Menino e o Lobo
Fantasy"Ayanii não é uma terra comum. Mas quero lhe dizer que se você perguntar isso a qualquer ayaniiano, ele obviamente dirá o contrário. Há muitos séculos atrás, quando Ayanii ainda era uma terra livre, as criaturas mágicas e os humanos conviviam em paz...