O ano era 5346 na terra de Ayanii. O local era o Vilarejo Central da cidade, onde viviam as famílias camponesas mais abastadas, pois no Reino Sombrio tudo ocorria sempre da mesma forma: ou se era da nobreza, ou se era camponês, ou se era escravo. Sem nos esquecer, é claro, das temidas Feiticeiras das Sombras, mulheres que ajudaram a forjar o Primeiro Reinado das Sombras sobrevivendo ao longo dos séculos com a Magia Proibida. As Feiticeiras das Sombras, no entanto, vivem entre a nobreza.
- Pedro! - Gritou estridente a voz delicada de uma garotinha de, aproximadamente, nove anos. - Pedro, acorde!
- Melys... - respondeu o rapaz bocejando e abrindo rapidamente seus olhos para conversar com a pequena menina de olhos azulados como o céu, uma de suas irmãs. - O que é dessa vez?
- Pe, é a Jyhn... A nossa vizinha. - Melys encarou-lhe profundamente com o semblante tristonho. - Inquisição.
Ao ouvir a palavra proferida por Melys, o pálido rapaz de madeixas negras já sabia exatamente do que se tratava a questão. Praticamente toda semana uma mulher, fosse ela criança (como o era em sua maioria) ou não era queimada a mando do Rei das Sombras. O motivo? Nascerem dotadas de magia. Eram conhecidas como Filhas de Ayanii, todavia, esse era um nome proibido de se pronunciar. A lei era clara: jamais poderia permanecer viva qualquer feiticeira que ameaçasse o poder das Feiticeiras das Sombras, tampouco sua memória poderia prevalecer após a morte.
Pedro sentou-se sobre o assoalho de tijolos de seu dormitório (o qual dividia com mais quatro irmãos) e calçou suas botas pretas feitas com couro com agilidade, saindo da choupana em que morava sem emitir muitos ruídos. Dali em diante, correu em direção da pequena Praça do Vilarejo Central onde pode ver Jyhn, uma criança, amarrada com corda em um espesso tronco de salgueiro entregue às lágrimas e gritos de desespero. Os soldados eram dois, pertencentes à uma classe que, em sua maioria, também eram camponeses. Empenhavam-se em amontoar galhos e palhas junto da pobre pequena, ao tempo em que as pessoas também se amontoavam diante da cena pública, naquela cinzenta e abafada manhã, onde o sol tornara-se temporariamente pálido.
Pedro, arrojado que era, não pensou duas vezes antes de sacar um dos pedaços de madeira que encontrara caído ao chão na direção de um dos dois soldados que participavam do ato, acertando-lhe a parte de trás da cabeça e, numa sequência de atos fugazes, acabara deitado sobre o outro soldado, em meio a socos e mais socos, tirando dele um pouco de sangue de seu proeminente nariz. Enquanto isso, alguns dos camponeses presentes agiam rapidamente para a soltura de Jyhn, que, provavelmente, neste tempo, foi levada por um deles em fuga para a floresta.
Não muito tardou e os reforços chegaram, contendo com violência o jovem rapaz e o levando para o cárcere, em um local que ficava próximo às masmorras.- Senhor Belwy. - anunciou a voz desleixada (uma vez que seu tom era menor a cada sílaba) de um dos soldados que o mantinha em cárcere. - Você tem visitas, é seu irmão mais velho.
Pedro levantou-se, ainda em estado de adrenalina, escorando-se nas grades com a respiração pouco compassada escapando por entre os finos lábios.
Passos firmes e contidos, como o de um bom oficial, se aproximaram de Pedro no ambiente escuro e mal perfumado. Logo, em sua frente, o homem loiro de quase trinta anos olhava para Pedro, com ares de desapontamento.- Você não se cansa? - perguntou Magnus, sem esperar por respostas. - Pedro, é a terceira vez só nesse mês! Quando você vai entender que...
- Que o que? Que é certo queimar crianças vivas? - Pedro interrompeu o mais velho, de cenho franzido, arqueando as sobrancelhas em seqüência.
- Não... - respondeu Magnus apertando os lábios e olhando para o canto. - Que tão somente devemos obediência a vossa excelência, Rei August I. - Magnus suspirou, com a mão sobre o peito, voltando-se novamente para o jovem de olhos negros como a noite. - Você é tão imprudente, Pedro. Só não está preso no topo da masmorra para o resto de sua vida por conta de mim! Sabe por que, Pedro? Porque eu sou sub-general do exército. E me arrependo de ter...
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Crônicas De Ayanii: O Menino e o Lobo
Fantasi"Ayanii não é uma terra comum. Mas quero lhe dizer que se você perguntar isso a qualquer ayaniiano, ele obviamente dirá o contrário. Há muitos séculos atrás, quando Ayanii ainda era uma terra livre, as criaturas mágicas e os humanos conviviam em paz...