Meu nome é Amélia, porque desse nome? Não sei, é estranho e antigo, mas não fui eu quem escolhi. Até ficaria bonito acompanhado de algo como “princesa”. — Princesa Amélia.
— Amélia? Você está falando sozinha, de novo! — diz a loira de olhos castanhos e corpo malhado. — É melhor você parar de sonhar acordada, e começar a forrar as mesas antes que a Dafne chegue.
— Faltam quinze minutos para abrir e você ainda não arrumou as mesas Amélia?! — falando no diabo...
Olho para a figura extravagante e insuportável — também conhecida como, minha chefe — que passa pela porta toda pomposa, como se tivesse metade da idade que tem.
Stephanny me lança um olhar de “eu avisei” enquanto limpa o balcão pela milésima vez, apenas para fingir que está trabalhando diante da “honorável” Dafne.
Observo-a com aquele rosto plastificado, cabelo tingido de preto, salto alto e vestido vermelho extremamente justo ao corpo, que ela afirma ser cem por cento natural, e o longo cachecol extremamente felpudo. Me pergunto quantos furões precisaram morrer para fazer aquilo.
Aposto que ela o chama de Otto.
— Como ela tem coragem de sair assim? — acabo pensando alto.
— Disse alguma coisa?! — me encara prepotente ao interromper a caminhada até o escritório.
— Não, nada. — respondo, quase sufocando com a risada que não consigo mais segurar. — Cruella de Vil! — acrescento baixinho assim que ela volta a caminhar.
Olho para minha colega, vermelha como um vulcão prestes a entrar em erupção, e ela explode. Dafne para na porta bruscamente.
— Vá lavar os banheiros e pare de gastar meu balcão! — diz irritada fazendo Stephanny engolir o riso, antes de passar pela porta batendo os saltos.
Finalmente solto a risada, que a pouco não me mata asfixiada. Mas sou interrompida pelo olhar furioso de alguém que não queria lavar banheiros.
— Eu vou te matar Amélia! — diz começando a rir novamente. — Se não te conhecesse diria que está tentando ser demitida. — Comenta antes de sair em direção aos banheiros.
Trabalho com ela desde que sai do orfanato a três anos atrás. Nunca saímos juntas ou fomos na casa uma da outra, dizer que nos “conhecemos” já é um pouco forçado.
Saio do trabalho as quatro horas, depois de limpar toda a bagunça. Que bom que só servimos almoço! Caminho sem pressa em direção ao cubículo que chamo de casa, observando as vitrines, prédios, ruas e qualquer outra coisa que me prenda a atenção.
Passo na livraria, como costumo fazer todos os dias, mas raramente compro algo. Não que eu não goste de ler, na verdade gosto muito, mas com a miséria que eu ganho tenho que me contentar com os PDFs que baixo pela internet.
Enquanto enrolo o tempo, olhando livros que certamente não vou comprar, escuto a atendente e uma cliente conversar. Em meio a muitas fofocas e mau julgamento — estou com pena dessa tal Ana — ouço algo sobre uma loja de antiguidades que mudou para o prédio ao lado, o que me anima de forma ligeiramente patética, me lembrando que; preciso de uma vida!
Entro no antiquário, que apesar de aberto ainda não está completamente organizado. Observo um homem de terceira idade, que retira com cuidado os objetos das caixas e coloca nas prateleiras.
— Boa tarde — chamo sua atenção.
— Boa tarde, posso ajudar? — pergunta lentamente com uma voz cansada e meio rouca.
Olho em volta sem resposta, já que não procuro nada específico. O simpático senhor, começa a me mostrar alguns itens de decoração e outras tralhas para lá de antigas.
Minutos se passaram e eu teria saído sem comprar nada, se não houvesse a encontrado, destino ou acaso, seja o que for, este pequeno objeto despertou algo em mim assim que bati os olhos nele.
— O que é isso? — pergunto, pegando a chave cuidadosamente entalhada em uma das caixas abertas.
— Esta chave, é muito especial — diz com um pouco de suspense.
— O que ela abre?
— Diz a lenda, que leva a algo incrível. — Faz uma pausa dramática. — Mágico!
— Vou levar! — direto para a coleção de “coisas inúteis / por que eu comprei isso?”
Me pergunto se existe mesmo uma lenda por trás dessa chave, e se existe, qual será? Provavelmente ele inventou isso só para vender, mas de qualquer forma, vou pesquisar quando chegar em casa. É oficial, eu preciso de uma vida!
Após o jantar faço algumas buscas pela internet, mas não encontro nada a respeito desta chave, grande demais para uma fechadura comum, especificamente dez centímetros — sim, eu medi! — Observo os detalhes entalhados, um ramo que vai da ponta ao cabo, onde uma bela rosa se destaca.
— O que será que você abre? — penso em voz alta, olhando para a chave.
Ela não vai te responder!
Por fim, adormeci com a chave na mão. Sabendo que lá fora, em algum lugar, existe algo a ser aberto. Um baú, um armário ou talvez uma porta. Sei que isso é paranoia, mas a verdade é que não tenho nada melhor para fazer ou pensar, o que me lembra pela terceira vez hoje, que preciso de uma vida!
Aproveito a bela manhã de domingo para dormir até mais tarde, embora eu não saiba se foi realmente bela. Acabei de acordar e já é meio dia. Após o almoço, aproveito o clima nublado para fazer trilha.
Pedalo rápido, ignorando a trepidação da bicicleta no caminho estreito e acidentado, aproveitando ao máximo esta sensação. As arvores passando como um borrão dos dois lados da trilha, o vento no rosto, o cheiro atípico da natureza e o canto dos pássaros, sem falar no ar puro longe da cidade.
Amo tudo isso, desde que me lembro. Não sei bem o porquê, talvez seja uma questão exclusivamente minha ou algo que herdei dos meus pais. O que não há como eu saber, já que não os conheci.
Desço da bicicleta ao chegar na cachoeira, que está maravilhosamente deserta, como quase sempre. Não tem estrada e é um pouco distante, apenas os mais aventureiros, que fazem trilha e acampamento nas montanhas, se atrevem a vir aqui... e eu.
Tiro a regata branca e o short jeans, ficando apenas com a roupa de baixo. Mergulho, emergindo embaixo da queda d’água, onde pretendo ficar por um bom tempo. Esse lugar se tornou meu oásis particular desde que o descobri.
Deitada em uma pedra no meio do lago, olhando para o céu, inebriada pelo som da água caindo, penso em como minha vida poderia ser diferente.
Se eu tivesse uma!
Pego a toalha na bolsa dentro da cesta da bicicleta, e alguma coisa cai. Recolho a chave do chão me perguntando como ela veio parar aqui, não me lembro de tê-la colocado na bolsa, por que eu colocaria afinal? Bobagem, devo ter me confundido.
Guardo-a na bolsa, termino de me enxugar, visto roupa e volto para casa antes que o sol se põe.
Naquele dia após o jantar, fiz outra pesquisa sobre a chave, a curiosidade me corroendo. Guardei-a na gaveta do criado mudo, antes de desligar o abajur. Estava fisicamente cansada, depois dos dez quilômetros de ida e volta até a cachoeira e dormi bem rápido, sem pensar no incidente com a chave.
O primeiro de muitos, que ainda viriam...
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As Aventuras de Uma Forasteira (DEGUSTAÇÃO)
FantasiApós atravessar uma porta mágica, Amélia se vê perdida em outro mundo - A Floresta Encantada - mágica, misteriosa e cheias de aventuras. Com a ajuda de excêntricos personagens de contos de fada, ela enfrentará grandes perigos em um caminho repleto d...