III. Demônios

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A mulher nos levou até uma propriedade afastada da cidade. Uma casa de dois andares, de madeira e tijolos ornamentados, desenhos intricados e coloridos.

A balaustrada do alpendre de pedra lembrava o estilo grego, e até as molduras das janelas e o telhado eram cheios de cores vivas. Uma confusão de dourado, vermelho e branco do mármore enchia minha visão conforme me aproximava. Minha experiência me dizia que devia ser a casa de algum barão ou lorde produtor de café ou batatas, mas a julgar pelas máquinas motorizadas chafurdando na terra molhada do sítio me diziam que bem podia ser a casa de um burguês iluminista, feliz em substituir a mão de obra humana pelo motor barulhento e o metal rangendo das máquinas agrícolas mais recentes. Com certeza era alguém rico, muito rico.

A senhora, provavelmente uma criada da casa, bate na porta branca da propriedade, ansiosa por nossa presença. Sentia o cheiro de seu humor hiperativo graças ao vento soprando-o em minha direção. Os humanos deviam saber que há criaturas vivendo entre eles capazes de lerem seus pensamentos antes mesmo de sequer manifesta-los, mas não a julgava. Com certeza alguém da idade dela jamais imaginaria que uma Caçadora como eu, mesmo que desertora, poderia ser algo mais que humana. Um mordomo bem vestido em uma túnica estampada vermelha e preta nos recebe com um olhar sério, e já tenho experiência o bastante com esse tipo de classe para saber que esse homem não sorri com muita frequência.

A criada não fala com o mordomo, apenas sinaliza o caminho até a sala de estar e espera que nós entremos primeiro. Vou na frente, Adam e Theo me cercando, como se fossem meus guardas. Entendo a estratégia, vão me tratar como sua líder. Um desafio. Me conhecem o suficiente para terem consciência do quanto gosto de provocar a sociedade patriarcal. Contenho um sorriso convencido.

— Meu senhor, trouxe a ajuda que disse que encontraria.- Diz a senhora, puxando Morgan e Liev para perto de seus braços, impedindo-os de seguir com seus braços cobrindo os ombros magros dos dois jovens.- Podem ajudar seu filho, podem salvá-lo.

— São Caçadores da Meia-Noite!- Um homem de meia-idade apaga um cigarro de ervas, muito comum à elite rural, em um pequeno cinzeiro de prata. Sinto o poder da verbena no ar mesmo da porta da sala, e o enjoo me faz ter uma súbita ânsia de vômito.- Esses jovenzinhos não podem salvar meu filho. Só tem nome, não capacidade.

Conhecia esse tipo. Um grupo de iluministas fanáticos que duvidava de nossa capacidade para combater demônios, argumentando que nossa pouca idade apenas nos deixava muito confiantes, e que não éramos especializados o suficientes para matar seres de outros mundos, sendo apenas adolescentes humanos. Um dia isso teria me incomodado, hoje, já não me afetava nem um pouco.

— Como pode dizer que não podemos resolver seu problema, se nem nos deixa saber do que se trata?

Theo, definitivamente, era um homem de coragem. Eu o olho brevemente, notando como se empertigava diante do homem barbudo, muito acostumado a parecer apresentável diante da elite. Ele ainda estava muito ligado ao que lhe foi ensinado, a Caçada não se preocupava com essas formalidades. Nós fazíamos o serviço, e íamos embora após o pagamento. Fácil e direto ao ponto. Teríamos que ter uma conversa sobre isso mais tarde.

— Você é um Inquisidor?- E ele percebeu, pensei.- Por que não volta pra seu país soberano de merda e nos deixa em paz?

— O que está acontecendo com o filho deste homem?- pergunto à criada observando quieta a discussão.

— O pobre menino foi possuído por um demônio, eu sei.- Ela aperta o ombro de Morgan. Forte demais, a julgar pela expressão do garoto.- Não sei como aconteceu, mas não aguento mais vê-lo se destruindo e não fazer nada.

— Ele não está possuído!- O senhor exclama, o som de sua voz reverbera no ambiente, piorando meu mau estar de verbena.- O garoto enlouqueceu, não tem demônio nenhum nessa casa, nem nunca teve. Só não o boto em um asilo por causa da minha mulher. Ela quer o filho em casa.

A Rebelião dos LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora