lá no hospital psiquiátrico

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Vivíamos num tempo em que as pessoas eram desprovidas do amor. Ligadas ao materialismo, gananciosas, blasfemadoras e egoístas. Era uma altura em que o amor tinha se reduzido a nada. (Parafraseando os textos Bíblicos Mateus 24:12, 2Timóteo 3:1-5). Toda a gente respirava os comentários, alimentava-se dos gostos e partilhas das suas redes sociais e viviam por elas. Que eram as nossas drogas mais pesadas! Amávamos os holofotes. Dávamos a vida para estarmos na boca de toda a gente, caíamos no ridículo, e quando mais ninguém falava de nós caíamos na depressão. No desespero de sermos esquecidos como excrementos na sanita. Lembro-me que anseiávamos por coisas que não sabíamos o que eram tampouco do valor delas. Tínhamos sempre conselhos para os outros e nunca para nós. E nas relações, éramos sobreviventes, amávamos do dia para noite, gostávamos muito hoje e noutro dia estávamos nós a nos perguntar o que sentimos por aquela pessoa. Estávamos atrelados ao desejo da carne e estávamos nem aí para os sentimentos. Competíamos quem na relação fosse o mais orgulhoso, quem gostasse e/ou se importasse menos. E quando descobríssemos que a outra pessoa gostasse muito de nós, que estaria disposta a fazer sacrifícios por nós aí nos aproveitávamos daquela pessoa para fazer tudo o que fosse possível. Do mais reles e despresível ao mais impensado e descabido. Estávamos dispostos a tudo e nada. Cobrávamos por atenção como se fosse um bem precioso e a única coisa que nos mantivesse vivos.
Haviam aqueles que eram bem mais famintos e doentes pela fama. Ofereciam tudo de si. Apareciam na mídia noite e dia. Cegamente os seguíamos. Fazíamos deles os nossos ídolos e permitíamos que eles definissem as nossas directrizes, educação, maneira de ser e estar, vestir e falar.
Lá no Hospital Psiquiátrico não tínhamos tempo para adorar a Deus, o Todo-poderoso, o Altíssimo Senhor Jeová nem ao seu filho unigénito, Jesus, o Nazareno, Cristo. Que no céu assume a posição de líder dos anjos com o nome de Miguel, o Arcanjo. As suas orientações eram pesadas demais para nós. O que queríamos mesmo era nos sentir livres para fazermos tudo o que nos apetecesse. Fornicar à torta e à direita, apoiar "ismos" porque éramos modernos demais para nos apoiarmos a padrões morais arcaicos. A vida era bebedeira, fumaça, relações fugazes,  DRENAAA! Só se vive uma vez, dizíamos nós. Que treme é folha. Isso era para ontem, era o nosso slogan. Não queríamos viver com regras. Aquilo era demais para nós. Lembro-me de termos frequentado igrejas que não seguiam as orientações da Bíblia. Adorávamos imagens e bonecos de porcelana, e rezávamos defronte deles pois acabavam por abençoar as nossas vidinhas. Depois começamos a ler o Tora e, mais tarde, o Alcorão porque sentíamos a necessidade de agradecer a Deus pela vida que tínhamos. GOD BLESSSSS!
Na família e amigos, competíamos quem tivesse mais do que os outros. Os tios esbanjavam na cara de outros que os seus filhos terminaram a faculdade, casaram-se, deram-se bem na vida, trabalham no sítio tal, são formados nisso e naquilo, e esses, para não se sentirem desprezados e/ou apoucados, também esbanjavam aquele charme medíocre de falar do que conseguiram, do que têm, do que os seus filhos são capazes de fazer. Porque lá no Hospital Psiquiátrico era assim: ter menos que os outros fazia com que nos sentíssemos menores. Inferiores. Daí que buscávamos a necessidade de divulgar os nossos feitos a troco de reconhecimento e, deste jeito, nos sentíamos prestigiados e admirados. E os menos atentos, ao ver esse espectáculo todo, sentiam-se mal. Deprimidos. Por acharem que essas pessoas eram felizes, que tinham uma vida perfeita e que a deles era uma vida desdita repleta de mesmice. Sem interesse e sabor algum. Eu dizia sempre à Carla Cristiana Martins, uma amiga minha: não te deixes enganar com essas coisas. As pessoas fingem ser o que não são para esconder o que são. Isso aqui é um baile de máscaras.

Fugi do Hospital Psiquiátrico já algum tempo porque achava-me "maluco" demais para continuar nele. Esse hospital a que muitos chamam de sociedade. Onde há inúmeros Psicólogos, Psiquiatras, pessoas com todas as formações académicas precisas para se fazer uma sociedade.
Hoje, vivo num Hospital Psiquiátrico (no sentido literal) e o que tenho a vos dizer é que vivo numa verdadeira sociedade com pessoas mais sãs e verdadeiras do que aquelas que pensam que são. Na verdade é isso, a história da melancolia inclui toda a gente. Até nós: os famosos malucos.

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