23 - Camila

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SEM REVISÃO.

***

Eu estava tão entediada aquele dia, vendo a água correr e os cardumes nadarem sobre minha cabeça. Todos os dias eram a mesma coisa, pois era extremamente inútil tentar falar com os vivos.

Sim, com os vivos. Depois de um bom tempo, vendo que eu conseguia atravessar paredes, e fazer coisas que obviamente humanos não faziam, eu percebi que estava morta. Mas, o mais estranho era que eu sequer me lembrava de como havia morrido. Na verdade eu não lembrava de nada além dela.

Todo meu cérebro era resumido em fatos sobre ela e eu sequer sabia quem era ela, mas podia descrever toda sua vida em questão de segundos. Isso não é estranho?

Tudo estava estranho desde o dia em que eu simplesmente acordei aqui. 12 de outubro? Eu não lembro, eu só lembro de esbarrar com alguns mortos como eu, e eles me disseram que agora eu era uma alma. Eu não gostava do termo, mas não podia ir contra ele. Afinal, era o que eu era agora, certo?

Me perguntaram onde estava o meu corpo. Que corpo? Eu não sei mesmo onde ele está. Me disseram que agora eu precisava esperar o descanso final, onde sua alma é julgada e você é levado para a luz, ou para as trevas...

Eu não queria ir para as trevas.

E nos primeiros dias eu fiquei com medo, medo de que o descanso chegasse e eu fosse julgada ruim, mas já fazem meses... Parei de ter medo há muito tempo e agora o que me consome é o completo tédio.

Os raios de sol foram sumindo aos poucos e só restou a escuridão naquela imensidão de água doce e azul. Por certo, a noite havia chegado.

Levantei-me do pedregulho cheio de musgo onde eu estava e coloquei as mãos na cintura. Por alguma razão, eu sempre voltava para cá quando queria ficar longe do mundo dos vivos. E eu de fato não sabia porquê, mas não tinha ninguém mais para perguntar, já que da última vez me disseram que nosso corpo estava onde nossa alma repousava. Bom, meu corpo não está por nenhum canto desse lugar.

Eu estava prestes à ir até a margem e ver as estrelas, quando um círculo estranho foi formado na água e eu fui puxada para dentro dele. Era o que me faltava, não é mesmo?

Sequer me assustei, estava morta, afinal. Por quais motivos eu ficaria assustada? Poderia ser o meu fim, e se fosse, eu também não tinha motivos para lutar contra ele.

Fechei meus olhos com força e esperei a dor eminente que o possível inferno poderia me trazer. Até porque, levando em conta que eu tinha certeza que era uma grande idiota na vida real, era para lá que eu deveria ir, certo?

Errado.

Senti meus pés pisarem em algo firme, o barulho de uma televisão? Abri meus olhos rapidamente para saber o que estava acontecendo. Estava em uma sala! Tinha sofás, uma mesa de centro, e uma garota...

Oh! Camila!!!

Sim, era ela! Bem ali no centro, com um caderno no chão, uma caneta e um lápis postos um em cima do outro, falando algo que até então eu não estava prestando atenção, pois meus olhos não conseguiam desviar do rosto dela. Ela era linda, assim como meus pensamentos diziam!

— Essas merdas não existem. — escutei-a murmurar e ir até a cozinha, quando ela sumiu por entre os corredores, eu notei que estava na casa dela!

Céus! Eu estava na casa de Camila!

Alguns minutos depois eu resolvi ir até ela, mas quando dei alguns passos e me aproximei da tevê, ela começou a chiar.

AngelOnde histórias criam vida. Descubra agora