Caitlin Martell-Lewis trocou de pé para pé no campo de futebol de
Beacon Heights. O gramado bem cuidado parecia verde vívido contra as nuvens cinzentas que pairavam baixo no céu da tarde. Era como se o calorsuave do outono tivesse sido sugado do ar durante a noite, deixando um frio úmido que cortava através das suas calças aquecidas. Caitlin sentiu o cheiro de grama recém-cortada e chuva iminente. Os cheiros de futebol.
— Certo, nós temos que ir pesado no ataque. — Caitlin esfregou as mãos,
enquanto suas companheiras escutavam. — Megan e Gina, vocês duas ficam no meio-campo. Shannon, Sujatha, Katie e Dora, vocês ficam na
defesa. Vocês vão ter que ficar alertas. O resto de nós ficaremos na frente.
— Nós vamos esmagar aqueles meninos. — Katie O’Malley olhou para a equipe adversária: o time de futebol dos meninos de Beacon. Hoje era a
competição anual meninas-contra-meninos.
O treinador dos meninos, Marcus, e a treinadora das meninas, Leah —
que eram, aliás, casados um com o outro — marchavam nos bastidores em blusões de futebol marrom e brancos idênticos. Caitlin olhou para a treinadora brevemente, em seguida, olhou para sua equipe. — Viking, você cuida do nosso gol, certo? Não deixe que esses bastardos marquem.
— Pode deixar — disse Vanessa Larson. Com quase um metro e oitenta, seu belíssimo e longo cabelo ruivo e as suas maçãs do rosto esculpidas, Vanessa, a Viking, também era a melhor amiga de Caitlin do time. Então Ursula Winters, que normalmente jogava meio no centro, mas tinha assumido como atacante quando Caitlin ficou ferida, olhou para Caitlin duramente. — Você tem certeza que seu tornozelo está curado?
Você não quer machucá-lo mais por voltar tão cedo.
Caitlin franziu a testa. — Eu estou bem — ela insistiu. Claro que Ursula
não queria que Caitlin jogasse, ela queria tomar o lugar dela. Mas Caitlin estava bem... em maior parte. Ela teve uma entorse de tornozelo, mas ela
tinha tratado ele com fisioterapia e doses ocasionais de OxyContin — o
mesmo medicamento, na verdade, que supostamente Nolan teve uma
overdose. E agora aqui estava ela, de volta ao campo depois de apenas três
semanas. Ela tinha que provar para a treinadora que estava pronta para o
grande jogo da competição em duas semanas. Vencer isso garantiria um
ingresso para uma bolsa de estudos na Universidade de Washington, algo
que ela estava trabalhando a vida inteira. De repente, Caitlin sentiu dois braços fortes envolver seus ombros. — Te peguei — seu namorado, Josh Friday, murmurou em seu ouvido.
— Me solta — Caitlin murmurou bem-humorada, acotovelando-o. — Eu estou tentando me concentrar.
Josh riu. — Você é bonita quando está no modo de jogo. — Ele bateu os punhos com dois de seus amigos, Guy Kenwood e Timothy Burgess, que
também vagueavam por ali.
— Ha-ha — Caitlin disse com uma risada, tentando não ficar irritada por Josh não estar levando o jogo a sério. — Vai ser menos bonito quando nós
chutarmos seus traseiros.
Ela e Josh estavam juntos desde sempre. Seus pais tinham sido melhores amigos desde a faculdade — eles haviam ido nos casamentos uns dos outros e haviam se mudado para Beacon Heights ao mesmo tempo. Sibyl e Mary Ann, as duas mães de Caitlin, haviam adotado Caitlin na Coréia no mesmo ano que Michelle Friday deu à luz a Josh e, em seguida, quando elasvvoltaram para Seul poucos anos depois de adotar o irmão de Caitlin, Taylor,
elas deixaram Caitlin com a família Friday durante dois meses. Havia fotos emolduradas nas duas casas de Caitlin e Josh segurando as mãos em um playground, ou com o rosto vermelho e chorando em um shopping no colo do Papai Noel. Tinha havido algumas partilhas de banheira quando eles eram crianças, também, mas aquilo tinha sido banido por Josh e Caitlin, alegando que era estranho e repulsivo. Ao longo dos anos, os Martell-Lewises e Fridays tiveram férias conjuntas e feriados, realizaram noites semanais de jogos de tabuleiro, tiveram churrascos no sábado à noite, e estavam sempre nos bastidores dos jogos de Josh e Caitlin. E agora Caitlin e Josh estavam ambos sendo cortejados pelos respectivos treinadores de futebol da Universidade de Washington... o que
significava que a história de amor Martell-Lewis/Friday poderia continuar na faculdade. E então, se tudo corresse conforme o planejado, eles iriam se formar, casar e ter filhos Martell-Lewis Friday. E esse plano era mais importante do que tudo. Josh e o futebol eram suas únicas constantes, as únicas coisas que a mantinha sã quando parecia que seu mundo estava desmoronando. Quando Taylor morreu, toda a sua família havia mudado. Ela era apenas a única filha, de repente, e a família
que suas mães tinham trabalhado tão duro para criar estava desmoronando. Suas mães se mantinham fortes na frente dela, mas ela muitas vezes ouvia
Sibyl chorar silenciosamente em seu quarto. Mary Ann olhava pela janela
enquanto ela lavava a louça, como se ela olhasse por muito tempo, ela iria
finalmente ver Taylor entrando para a sobremesa. As únicas vezes que suas
mães pareciam com elas mesmas era no jantar com os Fridays ou torcendo
para Caitlin no campo de futebol.
Shannon, que jogava na defesa esquerda, limpou a garganta,
interrompendo os pensamentos de Caitlin. — Então, o quão estranho foi
aquele memorial hoje? — perguntou ela, em voz baixa, olhando para o time das meninas e todos os meninos que vagueavam. — Eu acho que eu não fui a muitas coisas dessas com pessoas da nossa idade. — Então ela empalideceu e olhou para Caitlin. — Sinto muito, Caitlin. Eu não quis dizer... Caitlin olhou para baixo. Ela não estava disposta a ter uma conversa sobre o seu irmão agora.Sujatha, uma menina indiana magra que corria mais rápido do que
qualquer uma na equipe, colocou as mãos nos quadris finos. — Vocês
realmente acham que ele cometeu suicídio?
— De jeito nenhum — Asher Collins, o goleiro dos meninos, interveio. —
Aquele cara era muito vaidoso para se matar. Marnie Wilson, que tinha um relacionamento vai-e-volta com Asher, olhou para ele. — Não é bom falar assim sobre alguém que está morto. — Não se ele for um idiota — Ursula adicionou. Então, ela olhou
diretamente para Caitlin. — Certo?
As bochechas de Caitlin avermelharam. Ela tinha ouvido algo sobre Nolan ter dispensado Ursula no ano passado — mas por outro lado, ele tinha dispensado a todas. Mas esse não era um rumor como o quanto Caitlin odiava Nolan. Ela limpou a garganta, olhando para Josh pedindo ajuda, mas ele estava ocupado brigando de brincadeira com Timothy.
— Eu me pergunto como é tomar Oxy demais — Ursula continuou.
Shannon fez uma careta. — Quanto ele tomou, afinal?
— O suficiente para matá-lo, eu acho — disse Ursula, ainda olhando para
Caitlin. De repente, Caitlin ouviu uma voz — sua voz — naquele dia na aula de
filmografia algumas semanas antes. Sabem como eu faria? Oxy. Todo mundo sabe que é a droga que ele usa. Ela desviou essa memória para longe. Ursula deu de ombros. — Você acha que eles estão fazendo uma
autópsia? Você já viu os shows na TV onde eles fazem isso? Eles são tão
grosseiros. O legista, tipo, abrem as costelas com um alicate e pesam o coração em uma balança de frutas.
— Chega! — Caitlin disse bem alto. — Será que podemos nos concentrar?
— Todo mundo ficou em silêncio.
Ninguém sabia o que rolou entre ela e Nolan na noite em que ele morreu,
mas todos sabiam perfeitamente que tinha sido feita uma autópsia no seu
irmão apenas seis meses antes — e que o irmão dela foi morto por causa de Nolan Hotchkiss.
Josh tossiu desconfortavelmente, em seguida, agarrou o braço de Asher e
guiou-o para longe. — Vamos falar de estratégia. Até mais, gente.
O apito soou. Caitlin enfrentou sua equipe, olhando para todas elas,
exceto Ursula. — Tomem seus lugares — ela gritou, com a voz ainda um
pouco instável. — Vamos chutar algumas bolas, meninas.
Elas se separaram e se moveram para a formação do outro lado dos
meninos. Caitlin se sentia ansiosa e sem foco, seu corpo cheio de raiva
reprimida. Quando o treinador Marcus soprou o apito para o pontapé
inicial, ela disparou para a frente, sua velocidade surpreendendo até mesmo a si mesma. O mundo além do campo tornou-se um borrão. Caitlin correu para a frente para tomar a bola, suas chuteiras rasgando no campo quando ela passou por Gina Pedalino. Os meninos, por outro lado, pareceram
momentaneamente atordoados — Gabe Martinez, o melhor centroavante dos meninos, ainda não tinha se movido para tomar posse da bola que estava no meio do caminho para o gol. Caitlin sorriu. É isso mesmo, idiotas, ela pensou. As meninas podem jogar melhor do que vocês pensam. Ela correu pelo campo. A bola voou entre os pés de suas companheiras de equipe, passando para trás e para a frente através das defensoras. Por uma fração de segundo, Rocky Davidson interceptou-a, mas Gina passou voando por ele, e roubou a bola de volta. Pingos gordos de chuva estavam começando a cair, seu ritmo lento no início e, em seguida, ganhando velocidade. Caitlin sentiu seu sangue cantando em suas veias, bombeando com o entusiasmo e a emoção do jogo. De repente, a bola era dela, e ela percorreu ao longo da linha lateral, correndo em linha reta em direção ao gol dos meninos. Atrás dela, ela podia ouvir grunhidos de esforço, enquanto suas companheiras de equipe mantinham a defesa nas extremidades. Seu coração disparou. Mas, então, um borrão de marrom e branco atirou-se na frente dela. Ursula. Ela roubou a bola de Caitlin e correu em direção à meta.
— O que diabos você está fazendo? — Caitlin gritou. — Estamos no
mesmo time!
Mas Ursula apenas empurrou-a com o ombro. Raiva encheu o peito de
Caitlin. Já era ruim o suficiente quando alguém roubava uma bola, ainda mais alguém do seu próprio time. Um grito saiu de Caitlin de algum lugar profundo e frustrado, e ela esticou o pé para fazer sua companheira de equipe tropeçar.
— Ai! — Ursula gritou, caindo com força sobre a relva, seus membros se
debatendo. O apito soou. — Caitlin! — A técnica Leah gritou atrás dela.
Seu marido gritou também. — Cartão amarelo! — ele gritou, de pé sobre
Ursula. — Você está bem?
Ursula estava respirando pesadamente e limpando a grama de seus joelhos. — Isso dói — ela lamentou. A treinadora Leah estreitou os olhos para Caitlin. — O que está
acontecendo com você? Isso é apenas uma prática. Eu entendo a sua
necessidade de ser competitiva, mas não há desculpa para machucar
alguém. Vá para os chuveiros.
— O quê? — Caitlin gritou, seu queixo caindo. — Você não viu elaroubando a bola?
— Estou falando sério. — A treinadora apontou para a escola. — Vá.
Todos estavam boquiabertos. Dois garotos cutucaram um ao outro. Josh
olhou para ela interrogativamente. Caitlin exalou alto. — Tanto faz — ela
disse, acenando com a mão e pisando fora do campo. Atrás dela, o apito
soou novamente. Ursula, perfeitamente recuperada, tomou o lugar de Caitlin como atacante.
Caitlin arrastou-se ao longo da borda da escola, olhando para o seu reflexo
nas longas janelas que davam para os campos; lá dentro estava o centro de
informática, um espaço enorme cheio de máquinas modernas. O lugar onde seu irmão costumava ficar o tempo todo. Espontaneamente, uma imagem dele apareceu em sua mente. Taylor,
baixo e magro até mesmo para um calouro, os óculos grandes demais para seu rosto, as bainhas de suas calças compridas demais se arrastando no chão.
Ele tinha sido um garoto feliz — sempre inclinado sobre seu Nintendo DS ou lendo alguns romances enormes de fantasia.
Mas então ele tinha chegado ao ensino médio. Era uma coisa para
Caitlin, uma menina bonita, atlética, que tinha duas mães adotivas. Mas era totalmente outra coisa para seu irmão idiota, um garoto coreano magro sem nenhum interesse em esportes, bebida ou popularidade — a moeda social de Beacon High. Nolan e seus amigos tinham comido Taylor vivo. — Baby?
Ela virou-se. Josh tinha corrido atrás dela, seu curto cabelo liso escuro da
chuva. — Ei — ele disse com cautela, como se ela fosse um animal
potencialmente perigoso. — Você está bem? O que aconteceu lá atrás?
Caitlin apenas deu de ombros. — Eu estou bem. — Ela subiu a bolsa mais
acima e tirou as chaves de um pequeno bolso na frente. — Eu não deveria deixar Ursula me atingir. — Ela acenou em direção ao campo. — Você deveria voltar. Continue jogando. Toda prática é um importante trampolim para a Universidade de Washington, não é?
Mas Josh manteve o ritmo. — Você vai para casa? Caitlin lambeu os lábios. — Eu estou indo para o cemitério — disse ela, decidindo aquilo naquele exato momento. — Eu quero ver Taylor. Ela não podia dizer com certeza, mas parecia que o rosto de Josh caiu por um breve segundo. Mas então ele deu um passo adiante, como o bom namorado que ele era. — Eu te levo.
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As Perfectionistas
Teen FictionEm meio à vida, estamos envolvidos pela morte. - AGATHA CHRISTIE, O Caso dos Dez Negrinhos (irei rescrever o livro )