2 - As Lembranças

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Rodrigo

Adrenalina! É disso que gosto e é isso que me move. Minha mãe costuma reclamar do meu espírito aventureiro. Diz que me arrisco demais e que muitas vezes, pareço não ter amor à vida. É aí que ela se engana. Sou apaixonado pela vida e como só se vive uma vez, gosto de curtir a minha do melhor modo possível.

Esse meu jeito aventureiro, que gosta de velocidade, de escaladas e de qualquer coisa que me faça sentir livre, sempre deixou minha mãe com os nervos à flor da pele e durante um bom tempo, discutimos bastante por causa das privações que ela queria me impor. Foi aí que o inesperado aconteceu. Quando ela me disse que eu já era um homem feito e que precisava adquirir responsabilidades, joguei minhas cartas e pedi que me deixasse criar um novo seguimento na Céu & Mar, empresa que ela criou há doze anos. Então falei da minha ideia de adquirimos um helicóptero e oferecermos voos panorâmicos pelos pontos turísticos da cidade. Ela gostou, embora tenha ponderado que isso custaria caro, além de ter que arrumar um piloto.

-- Eu serei o piloto da Céu & Mar, dona Bárbara. Acha que tive toda essa ideia para dar asas a outro? Quem vai voar sou eu!

-- Então vá atrás da sua licença para pilotar e depois providenciamos o resto.

Deixe-me falar um pouco sobre minha infância. Minha mãe morreu logo depois de meu nascimento, então sempre foi eu e meu pai. Temos uma relação ótima de cúmplices, de amigos. Mas quando eu era criança, houve tempos bem complicados, quando ele tinha que trabalhar muito e eu passava grande parte do dia sozinho. Foi assim que a conhecemos.

Morávamos num bairro do subúrbio e meu pai alugou uma quitinete que tinha no fundo de nosso quintal para uma mulher. Nessa época eu tinha uns onze anos, era bem inquieto e não obedecia às regras que meu pai deixava, quando saía para trabalhar. Matava aulas, ficava o dia todo na rua em companhias que meu pai não aprovaria e fazia muita, mas muita besteira. Então Bárbara veio morar em nosso quintal. À princípio, detestei essa ideia. Alguém por perto para assistir minhas merdas não era boa coisa.

Bárbara era na dela. Passava o dia todo em casa, trabalhando incansavelmente com confecções de roupas. Saía à noite para vender em algum lugar. Ela parecia não enxergar nada ao redor. Só mesmo o mundinho dela e eu relaxei.

Um dia enchi a casa de amigos, alguns bem mais velhos que eu e improvisamos uma festa. Foi aí que tive meu primeiro embate com aquela que se tornaria minha mãe em poucos meses. Bárbara entrou em minha casa expulsando as pessoas, desligando a música e recolhendo bebidas, cigarros e toda a bagunça. Ela me fez entrar em meu quarto e me trancou lá até meu pai chegar, tarde da noite.

Quando ele chegou, exausto, ela lhe explicou que houve uma coisa chata. Eu continuava no quarto, trancado e com ódio daquela intrusa, mas com meus ouvidos tuberculosos, consegui escutar a conversa. Ela não me detonou para ele, pelo contrário, me defendeu, dizendo que eu não parecia fazer ideia do tipo de pessoas que estava colocando em minha casa. Mencionou drogas, bebidas e toda a bagunça, fazendo questão de deixar claro que eu não havia experimentado nada, que ela estava de olho. Se desculpou por ter tomado aquela decisão e confidenciou a ele que ela mesma já tinha tido todos os problemas do mundo por causa das drogas e que se alguém tivesse aparecido para impedir que caísse naquele mundo, não seria a pessoa mais infeliz do mundo.

Meu pai a agradeceu muitas vezes e depois veio conversar comigo. Eu estava envergonhado. Realmente não sabia que aqueles amigos eram metidos com aquelas coisas. Lembro de meu pai conversando com ela na manhã seguinte e pedindo que fosse uma espécie de babá para mim, pois ele precisava trabalhar. Ela aceitou. E embora eu tenha odiado a ideia no primeiro momento, me descobri encantado por aquela desconhecida em poucas semanas.

Mais que o Acaso (Complefo Na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora