trambolho

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New York, 5 de agosto de 1972.

Mark havia ganhado um rádio antigo. Ele não costumava ser mal-agradecido com seus presentes, do contrário, gostava de todos, mas, aquele rádio... Ele só não sabia o que deveria fazer com aquele trambolho. Havia aprendido a palavra em uma noite que acordou e desceu as escadas, encontrou os pais assistindo TV, no programa que passava, alguém dizia essa palavra.

O garoto não tinha certeza do que significava, não encontrou nada nos dicionários, nem no que tinha em casa, nem no da biblioteca da escola, mas gostou de como soava, então acabou aderindo ao vocabulário — sem o consentimento de seus pais, é claro.

Quando seus olhos pousaram de novo no grande objeto em cima de sua escrivaninha, ele franziu o cenho. O rádio estava estragado.

— Um rádio! — disse a mãe na noite do aniversário, quando abriu o presente e pareceu desapontado por exatos três segundos, ao ver que não tinha ganhado uma câmera.

— É um rádio antigo da segunda guerra — disse o pai, que estava de costas e, portanto, não vira a expressão no rosto do filho. — Os militares usavam para se comunicar, normalmente se comunicavam por códigos.

— Códigos? — Isso fez os olhos de Mark brilharem instantaneamente.

— Códigos secretos — continuou, virando-se, agora com um copo de uísque na mão — eles trocavam planos de guerra, estratégias, tudo. Achei que fosse gostar.

Mark sorriu, grato ao pai e ansioso para por as mãos naquele rádio antigo, queria analisar e, claro, testá-lo. Mas quando tentou liga-lo, se desapontou.

O objeto não funcionava, simplesmente não dava para ligar.

— Pai? — chamou, descendo as escadas. — Não funciona, acho que está quebrado.

Agora estava na sala, o pai, sentado na poltrona de couro marrom, lendo um jornal.

— Claro que não funciona, Mark — disse, sem tirar os olhos do papel. — É um rádio antigo dos anos 40. Um item de colecionador, uma peça decorativa.

— Mas você pode tentar consertar — a mãe, que até então estava na cozinha, disse. — Não é, querido?

— Sim, é claro — o pai concordou, ainda dando mais atenção ao jornal.

Mark subiu as escadas e ficou encarando o rádio, até sentir o sono lhe nocautear, e então, acabou dormindo.

Três dias depois, lá estava ele, encarando o objeto mais uma vez. Ficava tentando achar uma forma de consertá-lo, mas tinha medo de pegar as ferramentas do pai para abrir tudo e acabar estragando. Como o pai dissera, era um item decorativo. Dificilmente ele conseguiria consertar. Mas no dia 5 de agosto, ele criou coragem para abrir o rádio numa tentativa de encontrar o problema.

Espalhou as ferramentas do pai no carpete e começou a trabalhar. Abrir o rádio não foi trabalhoso, porém, Mark definitivamente não entendia nada sobre conserto de eletrônicos, o que o deixou abismado, e naquele mesmo dia, ele foi até a biblioteca pública afim de encontrar algum livro sobre conserto de rádios antigos.

Encontrou.

Agora com o livro no colo e o rádio desmontado à sua frente, ele começou a inspecionar parte por parte, afim de encontrar a origem do problema. Olhava para as figuras no livro e em seguida para o que estava em sua frente. Acabou descobrindo que faltavam várias peças, porque as que vieram com o rádio em si, estavam quebradas.

Ele correu pelo corredor, na direção do quarto da mãe.

— Preciso de dinheiro! — disse subitamente.

Ela estava sentada na frente da penteadeira, passando uma escova nos cabelos.

— Pra quê?

— Pra consertar o rádio. Descobri que algumas peças estavam estragadas, por isso ele não funciona. Preciso comprar peças novas e substitui-las pelas antigas, assim, o rádio vai voltar a funcionar.

Ele disse tudo tão rápido que a mãe se conteve para não rir. Adorava quando o filho se empolgava em algo.

— Tudo bem, conheço alguém que pode te ajudar — ela disse, o encarando através do reflexo do espelho.

— Conhece?

— Um antigo amigo do seu pai, ele trabalha em uma relojoaria, talvez tenha as peças de que você precisa.

Mark agradeceu e se preparou para ir ao local indicado pela mãe, que não era muito longe dali, então o garoto montou em sua bicicleta e pedalou até lá.

Não era muito longe de casa, passou por várias lojas de roupas, restaurantes, um cinema. Se assustou quando um carro buzinou para si, indicando que não deveria estar pedalando no meio da rua. Mark passou a pedalar perto da calçada. O clima estava agradavelmente fresco e por isso ele gostou de sentir o vento bater em seu rosto, podia pedalar pra sempre. Sorriu com o pensamento.

Logo chegou na relojoaria.

— Olá, em que posso ajuda-lo? — perguntou um rapaz que, para a surpresa de Mark, também tinha olhos puxados.

— Oi... Eu vim porque minha mãe me falou sobre este lugar — começou. — Você conhece o senhor Minhyuck?

— Sim — ele sorriu — é meu pai, mas ele tirou o dia de folga, então estou no lugar dele. Pode me chamar de Minseok, do que você precisa?

Mark se aproximou do rapaz e mostrou o livro que pegara na biblioteca.

— Dessas peças — apontou para as ilustrações.

— Está consertando um rádio antigo? — Minseok perguntou. Mark assentiu com a cabeça. — Sorte a sua, recebemos algumas peças na semana passada, não são necessariamente para um rádio, mas eu já tive que consertar um antes e deu certo.

Disse isso e desapareceu para os fundos do estabelecimento. Mark olhou em volta, era uma relojoaria bem arrumadinha, até, com várias prateleiras repletas de peças dos mais diversos tipos e tamanhos, e um balcão que era onde o garoto aguardava.

— Aqui! — Minseok apareceu mais uma vez, com algumas coisas nas mãos.

Ele colocou as peças sob o balcão e começou a explicar. Mark prestou atenção em tudo, era um garoto esperto, aprendia rápido as coisas.

Quando saiu da loja, se despediu de Minseok com um aceno de mão. Subiu na bicicleta mais uma vez, e voltou para casa.

— Como foi com o senhor Minhyuk? — perguntou a mãe.

— Ele estava de folga, mas o filho dele, não — disse rapidamente e subiu as escadas.

O rádio ainda estava ali, esperando por ele. Mark se sentou no chão e começou a trabalhar. Não sabia se estava fazendo certo ou não, mas esperava que sim. Na pior das hipóteses, teria um rádio quebrado e desmontado.

Rezou mentalmente para que isso não acontecesse.

Após algumas horas, ele finalizou o trabalho. Parafusou a última peça e remontou o rádio da melhor maneira que conseguiu. Cuidadosamente, Mark guardou as ferramentas do pai e as deixou novamente no porão. Então voltou para o quarto, ligou o trambolho na tomada e começou a procurar por estações.

ʙᴏʏs ᴏɴ sᴛᴇʀᴇᴏ | ᴍᴀʀᴋʜʏᴜᴄᴋOnde histórias criam vida. Descubra agora