III

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Ana precisou piscar várias vezes seguidas e se ajeitar no sofá, olhando bem para a amiga pra ter certeza de que havia ouvido certo ou se aquilo era apenas uma alucinação boba da sua cabeça.

- Tu pode repetir, por favor?

Cecília negou com a cabeça. O rosto já tinha adquirido uma enorme coloração vermelha e ela fazia de tudo pra olhar pra qualquer lugar que não fosse os olhos escuros como chocolate que Ana tinha.

- Estou envergonhada demais pra dizer isso em voz alta mais uma vez - confessou.

A mais baixa não pôde conter a risadinha baixa, mas ainda estava nervosa com a situação.

Cecília era uma mulher de beleza estonteante, ela não podia negar. E tê-la ali, entregue expondo os seus sentimentos toda frágil e envergonhada - diferente de como era normalmente: durona e fechada - era demais até mesmo pra ela. Ela achava que seu coração podia sair a qualquer segundo por entre seus lábios ou parar de bater em seu peito. Puro exagero.

Ana tinha abundância em inteligência. Tinha pra dar e vender. Mas, presa àquela situação embaraçosa, ela, pela primeira vez, não sabia as palavras certas em que usar.

Sua inteligência não a havia a preparado para dar um fora em sua amiga tão próxima. Não a havia a preparado pra fazer isso sem partir o coração da loira.

Porque, mesmo a cabeça da tocantinense estar uma bagunça, seu estômago pronto pra colocar tudo pra fora e seu coração não se comportando quieto, ela tinha a sua certeza - duas certezas, na verdade: ela não sentia nada pela carioca de fios loiros e compridos, mas ela jamais surtaria e gritaria com ela. Afinal, era a sua melhor amiga e ela não tinha a mínima vontade e coragem de fazer ela chorar.

- Cecília...

Olhou a mais alta ainda sentada com o olhar baixo com piedade.

- Não. - negou com a cabeça, reforçando o que tinha dito - Não precisa, sério. Eu entendo. Você gosta de homens e além disso, eu sou sua amiga, né?

- Cecília, não faz isso consigo mesma - falou ao ver o olho da loira ameaçar lacrimejar.

- Eu tô bem, Ana - sorriu. Ah, aquele sorriso...

As duas sentaram-se corretamente no sofá, voltando a atenção para a série na TV.

- É só que... Eu nunca estive numa situação dessa. É estranho pra mim.

- Eu bem sei disso, Ninha - sorriu e deu sua mão para a morena segurar - Que tal ir numa manicure, hein? - mudou de assunto.

Ana puxou a mão, claramente ofendida.

- Tá dizendo que minha unha tá feia?

A loira ergueu as duas mãos em forma de rendimento se entregando ao riso doce que lhe escapou dos lábios.

- Longe de mim, mas sabe como é, né?

Ana esticou um braço, olhando a mão e as unhas. Pensando bem, uma manicure não cai nada mal, hein?!

- Você venceu, Müller. Tem o telefone de alguma aí?

Cecília pegou o celular, o melando de gordura da batata frita que estava comendo há pouco tempo.

- Essa aqui que eu chamo sempre. Tô te enviando o número dela por mensagem.

- Tá certo, vou chamar.

A morena colocou o celular no ouvido e Cecília se surpreendeu com a rapidez.

- Mas agora? Pensei que ia ser depois. É dia de ficar jogada no sofá comendo besteira.

Ana quase resistiu ao bico que a loira fez. Quase. Mas em vez disso, apenas fez sinal pra amiga ficar quieta.

- Oi, aqui é Ana Clara e gostaria de marcar um horário...

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- Tá de brincadeira, né? - Ana quase gritou rindo surpresa.

A manicure usava uma lixa em suas unhas e dava uma risadinha também. Cecília tava jogada no sofá observando as duas e às vezes participando da conversa junto delas.

- Que mundo pequeno do caramba! - ela ainda ria.

- E não é? - a manicure, agora conhecida como Vitória disse.

- Mas espera. Quanto tempo tem que tu veio de Araguaína?

- Tem quase dois anos na verdade. Mas eu tava morando em Curitiba e fazendo curso lá. Tô aqui no Rio tem uns dois meses só. Fazer unha anda me ajudando a terminar de montar meu cantinho e pagar meu curso.

- Qual curso?

Cecília sentou direito no sofá, prestando mais atenção na conversa das duas.

- Designer de interiores. Pode me chamar pra decorar alguma casa se precisar - sorriu.

A loira reconheceu aquela conversa. Não exatamente assim, mas ela jurava já ter ouvido aquilo. E foi então que ela se lembrou...

- Você tá há muito tempo? Digo, aqui no Rio?

- Dois meses, na verdade. Pouco tempo, eu sei, mas o calor que senti aqui durante esse tempo vale mais do que o calor que já senti a vida toda em Curitiba - riu e a menina o acompanhou.

- E você veio fazer o que aqui nesse lugar tão quente? - perguntou curiosa e interessada, ela amava as pessoas que eram de fora da cidade carioca.

- Meu maior sonho era vir conhecer a cidade. Isso se realizou no meu aniversário de dezoito anos, eu finalmente pude vir. Mas sabe como é, né? Era só visita, tive que voltar pra minha cidade.

Cecília concordou com a cabeça, pensando na próxima pergunta.

- E você voltou pra trabalhar de motorista? - perguntou.

O homem abriu a boca, procurando uma resposta, mas não achava. A loira, percebendo a pergunta que tinha feito, se apressou em corrigir o erro:

- Perdão! Meu Deus, me perdoa. Não era pra ter soado assim, me desculpa, sério.

Ele riu. Virou o carro numa rua menos movimentada antes de responder a garota.

- Relaxa. Não soou errado não, viu? E eu vim por causa de uma garota. Conheci ela lá em Curitiba mesmo, ela tava fazendo um curso perto do meu...

- Você fazia curso do quê? - a menina interrompeu, não contendo sua curiosidade.

- Designer de interiores. Eu concluí ele, então se você quiser dar uma decorada na sua casa, pode me chamar.

- Ei - a loira entrou na conversa, toda abobada ao perceber que o mundo realmente era um ovo pequeno - Vitória, né? Você conhece um Ricardo? Alto, moreno, designer também.

- Ricardo? Uber?

- Isso! - o olho cor-de-mel brilhou.

- Conheço sim.

- Que Rio de Janeiro pequeno...

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Me digam o que tão achando🥺

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